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Para se poder reconstituir o estado inicial do Universo são precisas leis que prevaleçam até ao começo do tempo. Se a teoria clássica da relatividade geral estiver correcta, os teoremas de singularidades que Roger Penrose e eu provámos mostram que o começo do tempo devia ter sido um ponto de densidade infinita e curvatura infinita do espaço-tempo. Todas as leis conhecidas perderiam a validade num tal ponto. Podemos supor que existem novas leis que se mantenham válidas nas singularidades, mas é muito difícil formulá-las em pontos de comportamento tão mau, e não temos qualquer indicador, a partir das observações, que nos diga como devem ser essas leis. Todavia, o que os teoremas de singularidade indicam realmente é que o campo gravitacional se torna tão forte que os efeitos da gravitação quântica se tornam importantes: a teoria clássica deixa de ser uma boa descrição do Universo. Assim, é preciso utilizar uma teoria quântica da gravidade para discutir o estado primitivo do Universo. Como veremos, é possível na teoria quântica, que as leis vulgares da ciência se mantenham válidas por toda a parte, inclusive no princípio do tempo: não é necessário postular novas leis para as singularidades, porque as singularidades na teoria quântica não são necessárias [ou inevitáveis].

Ainda não temos uma teoria completa e coerente que combine a mecânica quântica com a gravidade. No entanto, temos praticamente a certeza de algumas características necessárias a uma teoria unificada como essa. Uma é a que deve incorporar a proposta de Feynman de :, formular a teoria quântica em termos de uma soma de histórias. Neste caso, uma partícula não tem apenas uma história, como teria numa teoria clássica. Em vez disso, supõe-se que siga todas as trajectórias possíveis no espaço-tempo e que a cada uma dessas histórias está associado um par de números, um representando o comprimento da onda e o outro representando a sua posição no ciclo (a sua fase). A probabilidade de a partícula, digamos, passar por algum ponto especial é encontrada somando as ondas associadas com cada história possível que passe por esse ponto. Quando tentamos realmente efectuar estas somas aparecem, contudo, graves problemas técnicos. A única maneira de os evitar é a seguinte receita estranha: é preciso somar as ondas para as histórias de partículas que não estão no tempo "real" em que nós nos encontramos, mas que ocorrem no que se chama tempo imaginário. Tempo imaginário é qualquer coisa que pode cheirar a ficção científica, mas é na realidade um conceito matemático bem definido. Se tomarmos um número ordinário ou "real" e o multiplicarmos por si próprio, o resultado é um número positivo. (Por exemplo, 2 vezes 2 é 4, mas também o é -2 vezes -2). Existem, contudo, números especiais, chamados imaginários, que dão números negativos quando multiplicados por si próprios. (O chamado *i*, quando multiplicado por si próprio dá -1; 2*i* multiplicado por si próprio dá -4, etc.) Para evitar as dificuldades técnicas com a soma de histórias de Feynman, é preciso utilizar o tempo imaginário, quer dizer, para efeitos de cálculo, deve medir-se o tempo utilizando números imaginários em vez de reais. Isto tem um efeito interessante sobre o espaço-tempo: a distinção entre espaço e tempo desaparece completamente. Um espaço-tempo no qual os acontecimentos têm valores imaginários da coordenada tempo diz-se euclidiano, do nome do grego Euclides, que fundou 0 estudo da geometria de superfícies bidimensionais. Aquilo a que agora :, chamamos espaço-tempo euclidiano é muito semelhante, excepto o facto de ter quatro dimensões em vez de duas. No espaço-tempo euclidiano não existe diferença entre a direcção do tempo e as direcções do espaço. Por outro lado, no espaço real, em que os acontecimentos são identificados, por valores ordinários e reais da coordenada tempo, é fácil distinguir a diferença: a direcção do tempo em todos os pontos fica dentro do cone de luz e as direcções do espaço ficam fora. Em qualquer caso, no que diz respeito à mecânica quântica podemos considerar a nossa utilização do tempo imaginário e do espaço-tempo euclidiano como uma mera artimanha ou truque matemático para calcular respostas acerca do espaço-tempo real.

A segunda característica que julgamos pertencer a qualquer teoria acabada é a ideia de Einstein de que o campo gravitacional é representado por um espaço-tempo curvo: as partículas tentam seguir uma coisa parecida com uma trajectória rectilínea num espaço curvo mas, como o espaço-tempo não é plano, as suas trajectórias parecem encurvadas como que por acção do campo gravitacional. Quando aplicamos a soma das histórias de Feynman à imagem de Einstein da gravidade, o que é análogo à história de uma partícula é agora um espaço-tempo completamente curvo, que representa a história do Universo no seu conjunto. Para fugir às dificuldades técnicas ao efectuar realmente a soma das histórias, estes espaços-tempos curvos devem ser tomados como euclidianos (11). Ou seja, o tempo é imaginário e não se consegue distinguir das direcções no espaço. Para calcular a probabilidade de encontrar um espaço-tempo real com determinada propriedade, tal como ter o mesmo aspecto em qualquer ponto e em qualquer :, direcção, somam-se as ondas associadas a todas as histórias que tenham essa propriedade.

(11) Euclideano no sentido de que o tempo e o espaço se encontram unificados, não no sentido geométrico rigoroso da palavra (*n. do r.*).

Na teoria clássica da relatividade geral, existem muitos espaços-tempo possíveis diferentes, cada um correspondendo a um diferente estado inicial do Universo. Se conhecêssemos o estado inicial do Universo, conheceríamos toda a sua história. De modo semelhante, na teoria quântica da gravidade há muitos estados quânticos possíveis para o Universo. Mais uma vez, se soubéssemos como se comportaram os espaços-tempo euclidianos curvos na soma das histórias nos tempos primitivos conheceríamos o estado quântico do Universo.

Na teoria clássica da gravidade, que é baseada num espaço-tempo real, só há dois comportamentos possíveis para o Universo: ou existe há um tempo infinito, ou então teve um princípio numa singularidade há um tempo finito no passado. Na teoria quântica da gravidade, por seu lado, surge uma terceira possibilidade. Como se utilizam espaços-tempo euclidianos, nos quais a direcção do tempo está em pé de igualdade com as direcções do espaço, é possível o espaço-tempo ser finito na sua extensão e, contudo, não ter quaisquer singularidades a formarem uma fronteira ou um limite. O espaço-tempo seria como a superfície da Terra, mas com mais duas dimensões. A superfície da Terra é finita na sua extensão, mas não tem uma fronteira ou limite. Se navegarmos em direcção ao pôr do Sol não caímos de nenhuma fronteira nem se nos depara uma singularidade. (Eu sei porque já dei a volta ao mundo).

Se o espaço-tempo euclidiano se estende para trás até um tempo infinito imaginário, depara-se-nos o mesmo problema da teoria clássica de especificar o estado inicial do Universo: Deus pode saber como o Universo princípiou, mas nós não somos capazes de encontrar uma razão especial para pensarmos que começou de uma maneira e não de outra. Por outro lado, a teoria quântica da gravidade :, abriu uma nova possibilidade, em que não existiria qualquer fronteira para o espaço-tempo e portanto não haveria necessidade de especificar o comportamento na fronteira. Não haveria quaisquer singularidades em que as leis da ciência perdessem a sua validade nem qualquer fronteira do espaço-tempo em que seria preciso pedir a Deus ou a alguma nova lei que estabelecesse as condições-fronteira para o espaço-tempo. Podíamos dizer: "A condição-fronteira do Universo é que não tem fronteira". O Universo seria completamente independente e nunca afectado por qualquer coisa exterior a ele. Não seria criado nem destruído. SERIA apenas.