Estão a ser trabalhadas mais previsões da condição de
não haver fronteira. Um problema particularmente interessante é a amplitude de pequenos desvios da densidade uniforme no Universo primordial, que causaram a formação primeiro de galáxias, depois de estrelas e finalmente de seres humanos. O princípio da incerteza implica que o Universo ao princípio não pode ter sido completamente uniforme, porque deve ter havido algumas incertezas ou flutuações nas posições e velocidades das partículas. Usando a condição de não haver fronteira, descobrimos que o Universo deve, de facto, ter começado com o mínimo possível de heterogeneidades permitido pelo princípio da :, incerteza. O Universo teria então passado por um período de expansão rápida, como nos modelos inflacionários. Durante esse período, as heterogeneidades iniciais teriam sido ampliadas até serem suficientemente grandes para explicar a origem das estruturas que observamos à nossa volta. Num Universo em expansão em que a densidade da matéria variou ligeiramente de local para local, a gravidade deve ter obrigado as regiões mais densas a afrouxar a sua expansão e a começarem a contrair-se. Isto terá levado à formação de galáxias, estrelas e, eventualmente, até de criaturas insignificantes como nós. Assim, todas as estruturas complicadas que vemos no Universo podiam ser explicadas pela condição de não haver fronteira para o Universo juntamente com o princípio da incerteza da mecânica quântica.
A ideia de que o espaço e o tempo podem formar uma superfície fechada sem fronteira tem também profundas implicações no papel de Deus na criação do Universo. Com o êxito das teorias científicas na descrição de acontecimentos, a maioria das pessoas acabou por acreditar que Deus permite que o Universo evolua segundo um conjunto de leis e não intervém nele para quebrar essas leis. Contudo, as leis não nos dizem qual era o aspecto do Universo primitivo. O acto de dar corda ao relógio e escolher como pô-lo a trabalhar continuaria a ser com Deus. Desde que o Universo tenha tido um princípio, podemos supor que teve um Criador. Mas, se o Universo for na realidade completamente independente, sem qualquer fronteira ou limite, não terá princípio nem fim: existirá apenas. Qual seria então o papel do Criador?
IX. A Seta do Tempo
Em capítulos anteriores, vimos como as nossas ideias sobre a natureza do tempo se modificaram com o passar dos anos. Até ao começo deste século, as pessoas acreditavam num tempo absoluto. Ou seja, cada acontecimento podia ser rotulado por um número chamado "tempo" de uma maneira única e todos os relógios marcariam o mesmo lapso de tempo entre dois acontecimentos. Contudo, a descoberta de que a velocidade da luz parecia ser a mesma para todos os observadores, independentemente do modo como se movessem, conduziu à teoria da relatividade, segundo a qual tínhamos de abandonar a ideia de que havia um tempo absoluto único. Em vez disso, cada observador teria a sua própria medida de tempo registada pelo seu relógio. os relógios de pessoas diferentes não condiriam necessariamente uns com os outros. Deste modo, o tempo tornou-se um conceito mais pessoal, relativo ao observador que o media.
Quando se tentou unificar a gravidade com a mecânica quântica, foi preciso introduzir a noção de tempo "imaginário". O tempo imaginário não se distingue das direcções no espaço. Se se pode ir para o norte pode-se voltar para trás e ir para o sul; do mesmo modo, se se pode avançar no tempo imaginário também se deve poder voltar para :, trás. Isto quer dizer que não pode haver uma diferença importante entre os sentidos para diante e para trás no tempo imaginário. Por outro lado, quando se olha para o tempo "real", há uma diferença enorme entre os sentidos para diante e para trás, como todos sabemos. De onde vem esta diferença entre o passado e o futuro? Por que nos lembramos do passado mas não do futuro?
As leis da ciência não estabelecem uma diferença entre o passado e o futuro. Mais precisamente, como já foi explicado, as leis da ciência são invariantes sob a combinação de operações (ou simetrias) conhecidas por C, P e T. (C significa troca de partículas por antipartículas; P significa tomar a imagem ao espelho, de modo que a esquerda e a direita fiquem trocadas; e T significa trocar o sentido do movimento de todas as partículas, isto é, inverter o sentido do movimento). As leis da ciência que governam o comportamento da matéria em todas as circunstancias normais não se modificam sob a composição das duas operações C e P. Por outras palavras, a vida seria igual para habitantes de outro planeta que fossem ao mesmo tempo imagens nossas no espelho e constituídos de antimatéria em vez de matéria.
Se as leis da ciência não se alteram com a composição das operações C e P, nem pela combinação de C, P e T, também não deviam alterar-se com a operação T isolada. Contudo, há uma diferença grande entre os sentidos para a frente e para trás, no tempo real, na vida de todos os dias. Imaginemos uma chávena com água que cai de uma mesa e se quebra em mil bocadinhos no chão. Se tomarmos um filme desta cena, podemos facilmente dizer quando é que o filme está a correr para diante ou para trás. Se o fizermos correr para trás, veremos, de repente, os bocadinhos juntarem-se a partir do chão e saltarem de novo para cima da mesa para formarem uma chávena inteira. Podemos dizer que o filme é passado ao contrário, :, porque esta espécie de comportamento nunca se observa na vida mundana. Se assim fosse, os fabricantes de loiça iam à falência.
A explicação geralmente dada para o motivo de não vermos chávenas partidas a juntarem-se de novo vindas do chão e a saltarem inteiras para cima de uma mesa provem da segunda lei da termodinâmica. Esta diz que, em qualquer sistema fechado, a desordem ou entropia aumenta sempre com o tempo. Por outras palavras, é uma forma da lei de Murphy: As coisas têm sempre tendência para correr mal! Uma chávena intacta em cima de uma mesa é um estado de ordem, mas uma chávena partida no chão é um estado desordenado. Podemos passar prontamente da chávena em cima da mesa no passado para a chávena partida no chão, mas não o contrário.
O aumento de desordem ou entropia com o tempo é um exemplo do que se chama uma seta do tempo, qualquer coisa que distingue o passado do futuro, dando um sentido ao tempo. Há pelo menos três setas diferentes do tempo. Primeiro há a seta termodinâmica, o sentido do tempo em que a desordem ou entropia aumenta. Depois há a seta psicológica, ou seja, o sentido em que sentimos que o tempo passa, em que nos lembramos do passado mas não do futuro. Finalmente, há a seta cosmológica, que é o sentido do tempo em que o Universo está a expandir-se em vez de contrair-se.
Neste capítulo argumentarei que a condição de não haver fronteira para o Universo juntamente com o princípio antrópico fraco, podem explicar por que motivo as três setas apontam no mesmo sentido e, além disso, por que deve mesmo existir uma seta do tempo bem definida. Argumentarei que a seta psicológica é determinada pela seta termodinâmica e que estas duas setas apontam necessariamente no mesmo sentido. Se admitirmos que não há qualquer condição de fronteira para o Universo, veremos :, que deve haver uma seta termodinamica bem definida e uma seta cosmológica igualmente bem definida, mas que nem sempre apontarão no mesmo sentido durante a história do universo. Contudo, argumentarei que só quando apontam no mesmo sentido é que as condições são propícias ao desenvolvimento de seres inteligentes que podem perguntar: por que é que a desordem aumenta no mesmo sentido do tempo em que o Universo se expande?
Discutirei primeiro a seta termodinâmica do tempo. A segunda lei da termodinâmica resulta de haver sempre mais estados desordenados que ordenados. Por exemplo, consideremos as peças de um quebra-cabeças dentro de uma caixa; há um e um só arranjo em que as peças formam uma imagem completa. Por outro lado, há um grande número de arranjos em que as peças estão desordenadas e não formam uma imagem coerente.