Pedro Bata foi aceito na organização no mesmo dia em que João Grande embarcou como marinheiro num navio cargueiro do Lóide. No cais dá adeus ao negro, que parte para a sua primeira viagem. Mas não é um adeus como aqueles que dera aos outros que partiram antes.
Não é mais um gesto de despedida. É um gesto de saudação ao companheiro que parte:
- Adeus, companheiro.
Agora comanda uma brigada de choque formada pelos Capitães da Areia. O destino deles mudou, tudo agora é diverso. Intervêm em comícios, em greves, em lutas obreiras.O destino deles é outro. A luta mudou seus destinos.
Ordens vieram para a organização dos mais altos dirigentes. Que Alberto ficasse com os Capitães da Areia e Pedro Bala fosse organizar os índios Maloqueiros de Aracaju em brigada de choque também. E que depois continuasse a mudar o destino das outras crianças abandonadas do país.
Pedro Bala entra no trapiche. A noite cobriu a cidade. A voz do negro canta no mar. A estrela de Dora brilha quase tanto quanto a lua no céu mais lindo do mundo. Pedro Bala entra, olha as crianças. Barandão vem para junto dele, agora tem 15 anos o negrinho.
Pedro Bala olha. Estão deitados, alguns já dormem, outros conversam, fumam cigarros, riem a grande gargalhada dos Capitães da Areia. Bala reúne a todos, bota Barandão junto de si:
- Gentes, agora eu vou embora, vou deixar vocês. Vou embora, Barandão agora fica o chefe. Alberto vem sempre ver vocês, vocês devem fazer o que ele diz. E todo mundo ouça: Barandão agora é o chefe.
O negrinho Barandão fala:
- Gentes, Pedro Bala vai embora. Viva Pedro Bala!..
Os punhos dos Capitães da Areia se levantam fechados.
- Bala! Bala! - gritam numa despedida.
Os gritos enchem a noite, calam a voz do negro que canta no mar, estremecem o céu de estrelas e o coração de Pedro. Punhos fechados de crianças que se levantam.Bocas que gritam se despedindo do chefe: Ba1a! Bala!
Barandão está na frente de todos. Ele agora é o chefe. Pedro Bala parece ver Volta Seca, Sem-Pernas, Gato, Professor, Pirulito, Boa-Vida, João Grande e Dora, todos ao mesmo tempo entre eles. Agora o destino deles mudou. A voz do negro no mar canta o samba de Boa-Vida:
"Companheiros, vamos pra luta..."
De punhos levantados, as crianças saúdam Pedro Bala, que parte para mudar o destino de outras crianças. Barandão grita na frente de todos, ele agora é o novo chefe.
De longe, Pedro Bala ainda vê os Capitães da Areia. Sob a lua, num velho trapiche abandonado, eles levantam os braços. Estão em pé, o destino mudou.
Na noite misteriosa das macumbas os atabaques ressoam como clarins de guerra.
Capítulo 27 - Uma Pátria e uma Família
Anos depois os jornais de classe, pequenos jornais, dos quais vários não tinham existência legal e se imprimiam em tipografias clandestinas, jornais que circulavam nas fábricas, passados de mão em mão, e que eram lidos à luz de fifós, publicavam sempre notícias sobre um militante proletário, o camarada Pedro Bala, que estava perseguido pela policia de cinco estados como organizador de greves, como dirigente de partidos ilegais, como perigoso inimigo da ordem estabelecida.
No ano em que todas as bocas foram impedidas de falar, no ano que foi todo ele uma noite de terror, esses jornais únicas bocas que ainda falavam clamavam pela liberdade de Pedro Bala, líder da sua classe, que se encontrava preso numa colônia.
E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E, apesar de que fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família.
Na casa mal-assombrada de Doninha Quaresma (existiam botijas enterradas e a alma de Doninha), hoje do Capitão, na paz de Estância. Sergipe, março de 1937.
A bordo do Rakuyo Maru, subindo a costa da América do pelo Pacífico, em caminho do México, junho de 1937.