— Estou falando sério. Ele riu.
— Não acho que seja a hora de ser sério.
— Mas você tem uma opinião?
— Sempre.
Subiram as escadas e entraram no saguão, que estava lotado mesmo àquela hora tardia. Imediatamente, ele sentiu muitos olhares, e reconhecimento. Fora exatamente por isso que não a deixara nas escadas. "Cada bocadinho ajuda", pensou. "Devo aparentar calma e confiança. A Casa Nobre é inviolável! Não posso me permitir o luxo do medo normal... ele extravasaria e destruiria outras pessoas, e os danos seriam incalculáveis."
— Quer tomar alguma coisa? — perguntou. — Não estou com sono. Quem sabe Linc virá nos fazer companhia, se estiver no hotel.
— Boa idéia. Um chá com limão seria ótimo.
O maitre sorridente apareceu milagrosamente. Com uma mesa vazia.
— Boa noite, tai-pan.
— Boa noite, Gup Noturno.
— Chá com limão também está ótimo para mim — disse ela. Um garçom se afastou apressadamente. — Vou dar uma olhada nos meus recados.
— Pois não.
Dunross observou-a enquanto ela se afastava. Naquele dia, desde o primeiro momento no saguão do Mandarim, ele notara que ela estava muito mais feminina. Nada muito ostensivo, apenas uma mudança sutil. "Mulher interessante. Uma sexualidade esperando para explodir. Que diabo, como vou ajudá-la a obter rapidamente o seu dinheiro do dane-se?"
Gup Noturno mexia-se daqui para ali, e falou baixo, em cantonense:
— Tai-pan, estamos torcendo para que o senhor se saia bem com a Bolsa de Valores e a Segunda Grande Casa.
— Obrigado.
Dunross bateu papo por algum tempo, transpirando confiança, depois voltou o olhar para Casey, no balcão de recepção. Os velhos olhos argutos de Gup Noturno brilharam.
— O contrabandista de armas não está no hotel, tai-pan.
— Não?
— Não. Saiu cedo com uma jovem. Por volta das dezenove. Eu acabava de entrar de serviço — disse o velho, despreocupadamente. — O contrabandista de armas estava vestido muito informalmente. Para um passeio de barco, suponho. A moça ia com ele.
Dunross agora estava concentrado.
— Há muitas moças em Hong Kong, Gup Noturno.
— Não como essa, tai-pan. — O velho deu uma risadinha controlada. — No passado foi amante do Barba Negra.
— Eeee, Velho, você tem olhos vivos, e uma boa memória. Tem certeza?
— Ah, toda a certeza! — Gup Noturno ficou encantado com a maneira pela qual a sua novidade foi recebida. — É — acrescentou, altaneiro —, já que ouvimos dizer que os americanos podem se unir à Casa Nobre se o senhor conseguir se livrar de todos esses outros fornicadores, talvez seja bom para o senhor saber disso. Também que a Pêlos Púbicos Dourados trocou de quar...
— Quem?
Gup Noturno explicou o motivo do apelido.
— Imagine só, hem, tai-pan?
Dunross soltou um suspiro, como sempre atônito com a rapidez com que uma fofoca voava.
— Ela trocou de quarto?
— Trocou. Está no fim do corredor, no 276, no mesmo andar. Eeee, tai-pan, soube que ela chorou à noite, faz duas noites, e de novo hoje à noite, antes de sair. É. A Terceira Arrumadeira Fung viu-a chorando hoje.
— Tiveram uma briga? Ela e o contrabandista de armas?
— Não, briga não, nada de gritos. Mas, oh ko, se a Pêlos Púbicos Dourados está sabendo da flor Orlanda, é motivo suficiente para os dragões arrotarem. — Gup Noturno deu um sorriso cheio de dentes para Casey quando ela voltou, a mão cheia de telegramas e recados. Dunross notou que agora havia uma sombra no seu olhar. Nenhum recado de Linc, concluiu, pondo-se de pé. Gup Noturno solicitamente afastou a cadeira para ela, serviu o chá, continuando no seu cantonense de sarjeta: — Não ligue, tai-pan, Pêlos Púbicos Dourados ou não, no escuro é tudo a mesma coisa, heya?
O velho soltou uma risadinha abafada e se retirou.
— Problemas? — perguntou Dunross, olhando para os papéis.
— Ah, não, apenas os mesmos. — Olhou-o direto nos olhos. — Já os separei por assunto para amanhã. A noite hoje é minha. Linc ainda não voltou. — Sorveu o seu chá, saboreando-o. — Assim, posso monopolizar você.
— Pensei que eu é que a estava monopolizando. Não é... Interrompeu-se ao ver que Robert Armstrong e Sinders entravam pelas portas giratórias. Os dois homens ficaram parados na entrada, procurando uma mesa.
— A sua polícia faz serão — comentou Casey, e fez um aceno meio a contragosto quando o olhar dos homens pousou neles. Os dois homens hesitaram, depois dirigiram-se para uma mesa vazia, na outra extremidade da sala. — Gosto de Armstrong — disse. — O outro também é da polícia?
— Suponho que sim. Onde foi que conheceu Robert? Ela lhe contou.
— Ainda nada sobre as armas contrabandeadas. De onde vieram, ou Iá o que seja.
— Que coisa desagradável!
— Quer tomar um conhaque?
— Por que não? A saideira, depois tenho que ir embora. Garçom! — Pediu as bebidas. — O carro estará aqui amanhã às doze em ponto, para apanhá-los.
— Obrigada. Ian, o convite diz: "Senhoras, chapéus e luvas". É pra valer?
— Claro que sim. — Franziu a testa. — As senhoras sempre usaram chapéus e luvas nas corridas. Por quê?
— Vou ter que comprar um chapéu. Há anos que não uso chapéu.
— Para falar a verdade, gosto das senhoras de chapéu. Dunross lançou um olhar pela sala. Armstrong e Sinders observavam-nos disfarçadamente. "Será uma coincidência estarem aqui?", perguntou-se.
— Também está sentindo os olhares, tai-pan? Todo mundo aqui parece conhecê-lo.
— Não sou eu, é apenas a Casa Nobre, e o que eu represento.
Chegou o conhaque.
— Saúde! — exclamaram, tocando os copos.
— Quer responder à minha pergunta agora?
— A resposta é sim.
Girou o conhaque no copo e aspirou o buquê.
— Sim, o quê? Abruptamente, ele abriu um sorriso.
— Sim, nada; sim, não é justo; mas, sim, acontece o tempo todo, e não vou me meter numa daquelas belezas de auto-analise tipo "Parou de bater na sua mulher recentemente?", embora pareça que a maioria das senhoras goste de apanhar ocasionalmente, mas com muito cuidado, com ou sem chapéu!
Ela riu, e a maioria das sombras desapareceu.
— Depende, não é?
— Depende!
Ele a observava, o sorriso calmo e sereno no rosto, pensando. E ela estava pensando: "Depende de quem, quando, onde e da oportunidade, circunstância e necessidade, e agora seria fantástico".
Estendeu o copo e tocou no dela.
— Saúde — disse. — E à terça-feira.
Ela retribuiu o sorriso e ergueu o copo, o coração batendo mais depressa.
— É.
— Tudo pode esperar até Iá. Não pode?
— É, espero que sim, Ian.
— Bem, já vou indo.
— Diverti-me muito.
— Eu também.
— Obrigada pelo convite. Amanhã... Interrompeu-se quando Gup Noturno aproximou-se rapidamente.
— Com licença, tai-pan, telefone.
— Ah, obrigado. Já estou indo. — Dunross soltou um suspiro. — Não há descanso para os maus! Vamos, Casey?
— Claro, claro, tai-pan. — Levantou-se, o coração batendo forte, sentindo uma dor triste e doce possuí-la. — Pode deixar que eu pago a conta!
— Obrigado, mas isso já está resolvido. Eles a mandarão para o escritório. — Dunross deixou uma gorjeta e acompanhou-a até os elevadores, ambos cônscios dos olhares que os seguiam. Por um segundo ele se sentiu tentado a subir com ela, só para aumentar as fofocas. "Mas isso seria realmente tentar o demônio, e já tenho demônios de sobra me tentando", pensou. — Boa noite, Casey, até amanhã, e não se esqueça do coquetel das sete e meia às nove da noite. Lembranças ao Linc!
Acenou alegremente e se dirigiu ao balcão de recepção.
Ela o viu afastar-se, alto, imaculado e confiante. As portas do elevador se fecharam. "Se não estivéssemos em Hong Kong, você não me escaparia. Não esta noite, Ian Dunross. Ah, não, esta noite faríamos amor. Ora se faríamos!"