Dunross parou na recepção e atendeu ao telefone.
— Pronto, aqui é Dunross.
— Tai-pan?
— Oh, alô, Lim — disse, reconhecendo a voz do mordomo. — O que foi?
— O sr. Tip Tok-toh acaba de telefonar, senhor. — O coração de Dunross começou a bater mais depressa. — Pediu-me que tentasse encontrá-lo e que o senhor ligasse para ele, por favor. Disse que podia ligar até as duas horas, ou então depois das sete da manhã.
— Obrigado. Mais alguma coisa?
— A srta. Claudia ligou às oito e disse que instalou sua convidada... — Um barulhinho de papel —... sra. Gresserhoff, no hotel, e que o seu compromisso das onze no seu escritório está confirmado.
— Ótimo. Que mais?
— A senhora ligou de Londres... por Iá tudo bem... e um dr. Samson, de Londres.
— Ah! — O especialista de Kathy. — Deixou o número do telefone? — Lim disse o número, e ele o anotou. — Mais alguma coisa?
— Não, tai-pan.
— A Filha Número Um já voltou?
— Não, tai-pan. A Filha Número Um chegou por volta das dezenove horas por alguns minutos, acompanhada de um rapaz, depois saíram.
— Era o Martin Haply?
— Sim, era, sim.
— Obrigado, Lim. Vou ligar para Tiptop, depois vou de barca para casa.
Desligou. Desejando um maior isolamento, foi até a cabine telefônica que ficava perto da papelaria. Discou.
— Weyyyy? Reconheceu a voz de Tiptop.
— Boa noite, aqui fala Ian Dunross.
— Ah, tai-pan! Um minutinho. — Ele ouviu o som de uma mão tapando o bocal e vozes abafadas. Esperou. — Ah, lamento tê-lo feito esperar. Recebi uma notícia muito perturbadora.
— Foi?
— Foi. Parece que sua polícia novamente está sendo como pulmões de cachorro e coração de lobo. Ela prendeu arbitrariamente um grande amigo seu, o superintendente Brian Kwok. Ele...
— Brian Kwok? — exclamou Dunross. — Mas por quê?
— Parece que foi falsamente acusado de ser espião da RPC e...
— Impossível!
— Concordo. Ridículo! O presidente Mao não tem necessidade de espiões capitalistas. Ele deve ser solto imediatamente, imediatamente... e se quiser sair de Hong Kong, devem permitir que saia e vá para onde desejar... imediatamente!
Dunross tentou pôr a cabeça para funcionar. Se Tiptop dizia que o homem chamado Brian Kwok devia ser solto imediatamente, para sair de Hong Kong se assim o desejasse, então Brian era espião da RPC, um dos seus espiões, e isso era impossível, impossível, impossível.
— Eu... nem sei o que dizer — falou, dando a Tiptop a abertura de que precisava.
— Devo ressaltar que é impossível aos Velhos Amigos sequer pensarem em ajudar os Velhos Amigos, quando a polícia deles está tão errada. Heya?
— Concordo — ouviu-se dizer, com a dose certa de preocupação, gritando intimamente: "Deus todo-poderoso, estão querendo trocar o Brian pelo dinheiro!" — Eu... vou falar com as autoridades logo de manhã cedo...
— Talvez pudesse fazer alguma coisa ainda hoje.
— É muito tarde para ligar para o governador, mas... — Então, Dunross lembrou-se de Armstrong e Sinders, e seu coração deu um salto. — Vou tentar. Imediatamente. Estou certo de que houve algum engano, sr. Tip. É. Deve ser um erro. De qualquer maneira, tenho certeza de que o governador estará pronto a ajudar. E a polícia. Com certeza... um engano desses poderá ser corrigido satisfatoriamente... como o pedido do Victoria para o uso temporário do dinheiro vivo do ilustre banco?
Fez-se um longo silêncio.
— É possível que isso possa ser feito. É possível. Os Velhos Amigos devem ajudar os Velhos Amigos, e ajudar a corrigir enganos. É, pode ser possível.
Dunross ouviu o "quando" não dito que ficou pendente, e automaticamente continuou a negociação, a maior parte da sua mente ainda atordoada com o que Tiptop lhe contara.
— O senhor recebeu o meu bilhete, sr. Tip? Já cuidei de todo o resto. A propósito, o Victoria terá prazer em ajudar no financiamento do tório. — Acrescentou, delicadamente: — Assim como na maioria dos futuros pedidos... em termos vantajosos.
— Ah, sim, obrigado. Sim, recebi o seu bilhete e seu convite muito gentil. Lamento que eu não estivesse me sentindo bem. Obrigado, tai-pan. Por quanto tempo o seu governo vai querer o empréstimo do dinheiro vivo, caso ele seja possível?
— Suponho que trinta dias seriam mais do que suficientes, talvez até mesmo duas semanas. Mas é o Victoria, o Blacs e os outros bancos, e não o governo de Hong Kong. Posso dar-lhe a resposta amanhã. Teremos o privilégio de recebê-lo para o almoço, amanhã nas corridas?
— Lamento não poder almoçar, mas quem sabe depois do almoço, se for possível.
Dunross deu um sorriso amargo. A conciliação perfeita.
— Naturalmente.
— Obrigado por telefonar. A propósito, o sr. Yu ficou muito impressionado com o senhor, tai-pan.
— Por favor, dê-lhe lembranças minhas. Espero vê-lo em breve. Em Cantão.
— Fiquei atônito ao ler os comentários do seu cunhado sobre o Reino Médio.
— É. Eu também. Minha mulher e o irmão não se dão há anos. Os pontos de vista dele são estranhos, inimigos, e totalmente errôneos. — Dunross hesitou. — Espero neutralizá-lo.
— É. Concordo. Obrigado. Boa noite. O aparelho ficou mudo.
Dunross desligou. "Santo Deus! Brian Kwok! E eu quase dei a ele os papéis do Alan. Santo Deus!"
Pondo as idéias em ordem com grande esforço, voltou para o saguão. Armstrong e Sinders ainda estavam Iá.
— Boa noite, posso sentar-me com vocês um minuto?
— Claro, sr. Dunross. Que surpresa agradável. Posso oferecer-lhe uma bebida?
— Chá, chá chinês, obrigado.
A mesa deles ficava afastada das outras e, quando achou seguro, Dunross inclinou-se para a frente.
— Robert, ouvi dizer que vocês prenderam o Brian Kwok — falou, ainda na esperança de que não fosse verdade. Os dois homens o fitaram.
— Quem lhe contou? — perguntou Armstrong. Dunross repetiu a conversa. Os dois homens ouviram sem fazer comentários, embora, de vez em quando, se entreolhassem.
— Obviamente, é uma troca — disse. — Ele pelo dinheiro.
Sinders sorveu o seu chocolate quente.
— Qual a importância do dinheiro?
— Total. E urgente. — Dunross enxugou a testa. — Esse dinheiro acabará totalmente com as corridas aos bancos, sr. Sinders. Temos que...
Interrompeu-se, horrorizado.
— O que foi? — indagou Sinders.
— Lembrei-me subitamente do que Alan escreveu no relatório interceptado. Que "...o agente infiltrado na polícia pode ser ou não parte da Sevrin". Ele é?
— Quem?
— Puta que o pariu, não brinque comigo! — disse Dunross, irritado. — Isso é sério. Acham que sou algum idiota? Há um agente da Sevrin na Struan. Se o Brian faz parte da Sevrin, tenho o direito de saber.
— Concordo plenamente — disse Sinders, sereno, embora seus olhos estivessem duros como pedra. — No momento em que o traidor for descoberto, pode ficar descansado que será avisado. Tem alguma idéia de quem possa ser?
Dunross sacudiu a cabeça, controlando a raiva. Sinders observou-o.
— O senhor dizia "temos que..." Temos que fazer o quê, sr. Dunross?
— Temos que pôr as mãos naquele dinheiro imediatamente. O que foi que o Brian fez?
Depois de um momento, Sinders disse:
— Os bancos só abrem na segunda-feira. Quer dizer que segunda é o Dia D?
— Suponho que os bancos precisem do dinheiro antes disso, para abrir e ter o dinheiro nos guichês. Que diabo o Brian fez?
Sinders acendeu um cigarro para si e outro para Armstrong.
— Se esse tal de Brian foi mesmo preso, não creio que seja uma pergunta muito discreta, sr. Dunross.
— Eu teria apostado qualquer coisa — disse o tai-pan, desconsolado —, qualquer coisa, mas o Tiptop jamais sugeriria uma troca se não fosse verdade. Jamais. O Brian deve ser superimportante. Porra, o que falta mais acontecer neste mundo? Vocês cuidarão da troca, ou o sr. Crosse cuidará... imagino que a aprovação do governador será necessária.