— Não, não, obrigado. É como uma coisa saída do Gabinete do dr. Caligari — murmurara. — Não, obrigado.
— Por favor, experimente, só um minuto. É uma experiência importante para você. Poderá ser apanhado por eles, pelo outro lado, algum dia. Deve estar preparado. Um minuto pode salvar sua sanidade. Teste-o, para sua própria segurança.
Assim, concordara. Fecharam a porta. O quarto era totalmente escarlate, pequeno, mas tudo inclinado, as linhas todas erradas, os ângulos todos errados, o teto e o piso se encontrando num dos cantos, as perspectivas todas erradas, nenhum ângulo certo. O teto inclinado, bem Iá no alto, era um pedaço transparente de vidro escarlate. Acima do vidro, a água descia, era reciclada, e descia de novo. Presas a essa superfície de vidro inclinada, que fazia as vezes de teto, havia mesas e cadeiras escarlates e canetas e papéis largados casualmente sobre a mesa, almofadas escarlates nas cadeiras, fazendo com que parecesse ser o chão, uma porta falsa próxima, entreaberta...
Escuridão repentina. Depois, a luz cegante e o impacto atordoante do escarlate. Escuridão, escarlate, escuridão, escarlate. Involuntariamente, tateou em busca da realidade da mesa e das cadeiras, do chão e da porta, e tropeçou e caiu, sem conseguir se orientar, a água acima dele. O vidro havia sumido, apenas uma água escarlate e insana no chão Iá em cima. Escuridão, e agora vozes tonitruantes, e novamente o inferno cor de sangue. O estômago lhe dizia que estava de cabeça para baixo, embora a mente dissesse: "É só um truque, feche os olhos, é um truque, é um truque, é um truque..."
Após uma eternidade, quando finalmente as luzes normais foram acesas e a porta de verdade, aberta, ele estava deitado no chão de verdade, com ânsias de vômito.
— Seu filho da mãe — rosnara para Crosse, mal conseguindo falar. — Você falou um minuto, seu filho da mãe mentiroso!
O peito dele arfava e levantou-se com dificuldade, tonto, mal agüentando ficar de pé ou parar de vomitar...
— Desculpe, mas foi só um minuto, Robert — disse Crosse.
— Não acredito...
— Foi, verdade! — disse Sinders. — Eu mesmo o cronometrei. Francamente! Extraordinário. Muito eficaz.
Novamente, Armstrong sentiu o peito arfar ao pensar na água Iá em cima e na mesa e nas cadeiras. Afastou esses pensamentos e concentrou-se em Brian Kwok, achando que já tinha deixado o cliente divagar bastante, e que estava na hora de trazê-lo de volta.
— Você dizia? Passou os nossos dossiês para seu amigo Lo Dentuço?
— Bem, não, não foi... estou cansado, Robert, cansado... o que vai...
— Se está cansado, vou embora! — Levantou-se e viu o cliente empalidecer. — No mês que vem veremos...
— Não... não... por favor, não vá... eles, não, não vá. Por favooooor!
Então, voltou a sentar-se, continuando o jogo, sabendo que era injusto, e que um cliente não totalmente desorientado seria forçado a assinar qualquer coisas dizer qualquer coisa que se quisesse.
— Ficarei enquanto você fala, amigo. Falava de Lo Dentuço... o homem do Edifício Princes? Ele era o intermediário?
— Não... não... bem, de certa forma... O dr. Meng... O dr. Meng apanhava qualquer pacote que eu deixasse ... Meng nunca soube que eu... que era eu... os arranjos eram feitos por telefone ou por carta... ele os levava para Lo, que era pago... Lo Dentuço era pago para dá-los a outro homem, não sei quem... não sei...
— Ah, mas acho que sabe, Brian, não creio que queira que eu fique.
— Ah, Deus, quero... juro... Dentuço... Dentuço deve saber... ou quem sabe Ng, Vee Cee Ng, Ng Fotógrafo, ele está do nosso lado, está do nosso lado, Robert... Pergunte a ele, deve saber... importava tórios com Tsu-yan...
— O que são tórios?
— Óxidos raros para... as nossas armas atômicas... é, sim, teremos as nossas próprias bombas A e bombas H daqui a poucos meses... — Brian Kwok teve um acesso de riso. — A primeira daqui a semanas... a nossa primeira explosão daqui a poucas semanas, claro que não perfeita, mas a primeira, e logo uma bomba H, dúzias, Robert, logo teremos as nossas para nos defendermos daqueles hegemonistas que ameaçam nos destruir, daqui a poucas semanas! Pombas, Robert, pense nisso! O presidente Mao conseguiu, é verdade, conseguiu... é, e no ano que vem bombas H, e depois o Joe, é, vamos retomar as nossas terras, é, com as armas atômicas anularemos as deles... é isso aí, Joe vai ajudar, Joe Yu vai... Ah, agora vamos detê-los, detê-los, vamos detê-los e retomar as nossas terras. — Estendeu a mão e agarrou o braço de Robert Armstrong, mas sem força. — Ouça, já estamos em guerra, nós e os soviéticos, Chung Li me contou, ele é o meu contato de emer... de emergência... existe uma guerra, uma guerra ativa, nesse momento. Ao norte, divisões... não patrulhas... perto do Amur estão matando mais chineses e roubando mais terra... mas não por muito tempo.
Recostou-se debilmente e começou a resmungar, a mente divagando.
— Bombas atômicas? No ano que vem? Não acredito — disse Armstrong, fingindo debochar, a cuca fundida enquanto escutava o jorro contínuo que narrava os fatos e dava nomes aos bois.
"Santo Deus, bombas A daqui a poucos meses? Poucos meses? O mundo está pensando que isso é para daqui a dez anos. A China com bombas A e H?"
Cuidadosamente, deixou Brian Kwok esgotar o verbo, depois perguntou com naturalidade:
— Quem é Joe? Joe Yu?
— Quem?
Viu Brian Kwok virar-se e fitá-lo, os olhos estranhos, diferentes, penetrantes. Imediatamente ficou em guarda e preparado.
— Joe Yu — disse, ainda mais despreocupadamente.
— Quem? Não conheço nenhum Joe Yu... não... O que, o que... o que estou fazendo aqui? Que lugar é este? O que está acontecendo? Yu? Por que... por que deveria conhecê-lo? Quem?
— Por nada — disse Armstrong, acalmando-o. — Pronto, tome um pouco de chá, deve estar com muita sede, amigão.
— Ah, sim, estou, sim... onde... sim... Meu Deus, o que está acon... acontecendo?
Armstrong ajudou-o a beber. A seguir, deu-lhe outro cigarro e acalmou-o mais um pouco. Dali a momentos, Brian Kwok estava de novo profundamente adormecido. Armstrong enxugou as palmas da mão e a testa, também exausto.
A porta se abriu. Sinders e Crosse entraram.
— Muito bom, Robert — disse Sinders, entusiasmado —, muito bom mesmo!
— É — disse Crosse —, também senti que ele vinha voltando. Seu cálculo de tempo foi perfeito.
Armstrong ficou calado, sentindo-se sujo.
— Meu Deus — casquinava Sinders —, esse cliente vale ouro. O ministro ficará encantado. Armas atômicas daqui a alguns meses, e uma guerra ativa em pleno andamento! Não admira que a nossa Delegação Comercial Parlamentar fizesse um progresso tão maravilhoso! Excelente, Robert, simplesmente excelente!
— Acredita no cliente, senhor? — perguntou Crosse.
— Totalmente, você não?
— Acredito que ele estava contando o que sabia. Se é ou não verdade, já é outra história. Joe Yu? Joe ou Joseph Yu significa alguma coisa para vocês? — Os outros sacudiram a cabeça. — John Chancellor?
— Não.
— Chung Li?
— Há um Chung Li que é amigo do Bri... do cliente, um apaixonado por carros, xangaiense, grande industrial, pode ser ele — disse Armstrong.
— Ótimo. Mas Joe Yu, isso mexeu com alguma coisa nele. Pode ser importante. — Crosse olhou para Sinders. — Continuamos?
— Naturalmente.
65
13h45m
Um urro de emoção partiu de cinqüenta mil gargantas quando as sete montarias do primeiro páreo, com os jóqueis levantados, subiram a rampa que saía de sob as tribunas para trotarem garbosamente até o paddock, onde os treinadores e proprietários esperavam. Os proprietários e as mulheres usavam suas melhores roupas, muitas das mulheres excessivamente cheias de jóias e visons, entre elas Mai-ling Kwang e Dianne Chen, cônscias dos olhares invejosos da multidão que torcia o pescoço para ver os cavalos... e elas.