De cada lado do paddock de grama encharcada e do círculo do vencedor, a multidão espremida como sardinha em lata descia até as cercas muito brancas e a grama perfeitamente cuidada da pista circundante. O poste de chegada ficava em frente, e junto a ele, do outro lado da pista, o imenso totalizador que mostraria os nomes dos cavalos, dos jóqueis e as cotações das apostas, páreo por páreo. O totalizador era propriedade do Turf Club, e operado por ele. Aqui ou Iá fora não havia bookmakers legais, ou qualquer outro local de apostas legal. Aquela era a única forma legal de apostas na colônia.
O céu estava escuro e ameaçador. Um pouco antes tinha chuviscado, mas agora o ar estava limpo.
Por trás do paddock e do círculo do vencedor, nesse nível, ficavam os vestiários dos jóqueis e as salas dos funcionários... concessionários de alimentos e o primeiro grupo de guichês de apostas. Acima deles ficavam as tribunas, quatro fileiras em declive, cada piso em cantiléver, com o seu próprio grupo de guichês de apostas. A primeira fileira era para os sócios não-votantes, a seguinte para os votantes, e os dois pisos de cima reservados para as tribunas particulares e a sala de rádio. Cada uma dessas tribunas particulares tinha a sua própria cozinha. Cada um dos dez administradores eleitos anualmente possuía uma tribuna particular e, além delas, havia as permanentes: a de Sua Excelência, o governador, patrono do clube; a do comandante-em-chefe; uma para o Victoria e outra para o Blacs. E, finalmente, a da Struan. Esta ficava na melhor posição, bem em frente à linha de chegada.
— Por que motivo, tai-pan? — quis saber Casey.
— Porque Dirk Struan deu início ao Turf Club, estabeleceu as regras, trouxe um famoso perito em corridas, Sir Roger Blore, para ser o primeiro secretário do clube. Foi ele quem deu o dinheiro para o primeiro encontro, dinheiro para as tribunas, dinheiro para importar a primeira leva de cavalos da índia, e que ajudou a persuadir o primeiro plenipotenciário, Sir William Longstaff, a doar perpetuamente a terra ao Turf Club.
— Ora, vamos, tai-pan — disse jovialmente Donald McBride, o organizador do presente encontro —, conte isso direitinho, tá? Disse que o Dirk "ajudou a persuadir"? O Dirk simplesmente não "ordenou" que Longstaff o fizesse?
Dunross riu junto com os demais, ainda sentados à mesa que presidira, Casey, Hiro Toda e McBride, que viera somente fazer uma visitinha. No reservado havia um bar e três mesas redondas, cada uma delas acomodando confortavelmente doze pessoas.
— Prefiro a minha versão — disse. — De qualquer modo, Casey, conta a lenda que Dirk ganhou este lugar por aclamação popular quando as primeiras tribunas foram construídas.
— Isso também não é verdade, Casey — disse Willie Tusk, sentado à mesa ao lado. — O velho Tyler Brock não exigiu a posição como direito de Brock e Filhos? Não desafiou Dirk para disputarem a posição numa corrida, de homem para homem, no encontro seguinte?
— Não, isso não passa de história.
— Os dois apostaram alguma corrida, tai-pan? — indagou Casey.
— Iam fazê-lo, mas parece que o tufão veio cedo demais. De qualquer maneira, Culum recusou-se a sair daqui, e cá estamos. Enquanto o hipódromo existir, isto aqui é nosso.
— E merecidamente — disse McBride, com o seu sorriso feliz. — A Casa Nobre merece o melhor. Desde a eleição dos primeiros administradores, srta. Casey, o tai-pan da Struan sempre foi um deles. Sempre. Por aclamação popular. Bem, tenho que ir andando. — Lançou um olhar ao relógio, sorriu para Dunross. Com grande formalidade, perguntou: — Permissão para começar a primeira corrida, tai-pan?
— Permissão concedida — respondeu Dunross, com um amplo sorriso, e McBride se afastou apressadamente.
Casey fitou Dunross.
— Precisam pedir sua permissão para começar?
— É só um costume. — Dunross deu de ombros. — Imagino que seja uma boa idéia alguém dizer "Bem, vamos começar", não acha? Infelizmente, ao contrário de Sir Geoffrey, os governadores de Hong Kong no passado não ficaram famosos por sua pontualidade. Além disso, a tradição não é uma coisa ruim, absolutametne... dá-nos uma sensação de continuidade, de entrosamento... e proteção. — Terminou o seu café. — Se me dão licença um momento, tenho umas coisinhas a fazer.
— Divirta-se!
Ela o observou enquanto ele se afastava, gostando dele ainda mais do que na véspera. Nesse instante, Peter Marlowe entrou, e Dunross parou um momento.
— Oh, alô, Peter, prazer em vê-lo. Como vai a Fleur?
— Melhorando, obrigado, tai-pan.
— Vamos entrando! Sirva-se de uma bebida... volto já. Aposte no número 5, Excellent Day, no primeiro páreo! Até daqui a pouco.
— Obrigado, tai-pan.
Casey fez sinal para Peter Marlowe, mas ele não a viu. Seus olhos estavam fitos em Grey, que estava com Julian Broadhurst no balcão, arengando para alguns dos outros. Ela viu a fisionomia dele se fechar, e seu coração deu um salto, lembrando-se da hostilidade entre eles. Por isso, chamou-o:
— Peter! Oi, venha sentar-se aqui. Os olhos dele perderam o ar vidrado.
— Ah, alô! — disse.
— Venha sentar-se. Fleur vai ficar boa.
— Ela gostou muito de você ter ido visitá-la.
— Foi um prazer. As crianças estão bem?
— Estão. E você?
— Fantástica. Esta é a única maneira de assistir a uma corrida! — O almoço no reservado da Struan para os trinta e seis convidados fora um bufê fartíssimo de comidas quentes chinesas, ou, se eles preferissem, torta de carne e rins quente e legumes, com pratos de salmão defumado, canapés e frios, queijos e pastelarias de todo tipo, e, para coroar, uma escultura de suspiro do Edifício Struan... tudo preparado na cozinha deles. Champanha, os melhores vinhos tintos e brancos, licores. — Vou ter que fazer dieta durante cinqüenta anos.
— Não você. Como vão indo as coisas?
— Muito bem. Por quê? — perguntou, sentindo o olhar penetrante dele.
— Por nada.
Lançou novo olhar a Grey, depois voltou a atenção para os outros.
— Posso apresentar-lhe Peter Marlowe? Hiro Toda, das Indústrias de Navegação Toda, de Yokohama. Peter Marlowe é um romancista-roteirista de Hollywood. — Então, subitamente, o livro dele lhe veio à mente: Changi e três anos e meio como prisioneiro de guerra, e ela esperou pela explosão. Houve uma hesitação entre os dois homens. Toda cortesmente ofereceu o seu cartão comercial, que Peter Marlowe retribuiu com o seu, com igual cortesia. Hesitou um momento, depois estendeu a mão. — Como vai?
O japonês apertou-a.
— E uma honra, sr. Marlowe.
— É?
— Não é sempre que se conhece um autor famoso.
— Qual! Não sou, não.
— É muito modesto. Gostei muito do seu livro.
— O senhor o leu? — Peter Marlowe fitou-o. — Verdade? — Sentou-se e olhou para Toda, que era muito mais baixo do que ele, flexível e bem-feito de corpo, mais bonito e mais bem-vestido, de terno azul, uma máquina fotográfica pendurada na cadeira, os olhos ao mesmo nível, os dois homens da mesma idade. — Onde o achou?
— Em Tóquio. Temos muitas livrarias inglesas. Por favor, desculpe-me, li a brochura, não o livro encadernado. Não havia destes à venda. Seu romance foi muito esclarecedor.
— É?
Peter Marlowe pegou os seus cigarros e os ofereceu. Toda aceitou um.
Casey disse:
— O fumo não faz bem, vocês dois sabem disso! Ambos sorriram para ela.
— Na Quaresma a gente pára — disse Peter Marlowe.
— Claro.
Peter Marlowe voltou a olhar para Toda.
— Esteve no exército?
— Não, sr. Marlowe. Marinha. Destróieres. Estive na Batalha do Mar do Coral em 42, depois em Midway, subtenente, e mais tarde, em Guadalcanal. Fui a pique duas vezes, mas tive sorte. É, tive sorte, aparentemente mais do que o senhor.