Gornt achou graça, consciente dos ouvidos atentos à conversa deles.
— Hoje é dia de corrida, uma raridade, e o amanhã cuidará de si mesmo. Joss! A Bolsa abre às dez horas de segunda-feira, e a semana que vem vai decidir um bocado de destinos. Nesse meio tempo, todo chinês que conseguiu sacar o seu dinheiro está aqui com ele, hoje. Casey, é a sua vez.
Ela pegou o seu dinheiro — 15 por 1. Cento e cinqüenta HK.
— Aleluia! — Gornt pegou um grande maço de notas vermelhas: quinze mil. — Ei, que fantástico!
— O pior páreo a que já assisti — falou uma voz americana azeda. — Pombas, fantástico foi não terem desclassificado o jóquei e anulado a vitória dele.
— Ora, alô, sr. Biltzmann, sr. Pugmire. -— Casey lembrava-se deles da noite do incêndio. — Desclassificar quem?
Biltzmann estava na fila do placê.
— Lá nos Estados Unidos haveria uma objeção do tamanho de um bonde. Entrando na reta depois da última curva, a gente podia ver o jóquei de Excellent Day usando o freio nela como um louco. Foi corrida arranjada... ele não estava tentando ganhar.
Os que estavam por dentro, pouquíssimos, sorriram consigo mesmos. Murmurara-se no vestiário dos jóqueis e na sala dos treinadores que Excellent Day não ia ganhar, mas que Winner's Delight ia.
— Ora, o que é isso, sr. Biltzmann! — disse Dunross. Sem ter sido notado, escutara o comentário quando ia passando, e se detivera. — Se o jóquei não estivesse se esforçando, ou se tivesse havido algum golpe sujo, os administradores teriam percebido imediatamente.
— Pode ser que sirva para amadores, Ian, e para este hipodromozinho, mas em qualquer hipódromo profissional na minha terra o jóquei de Excellent Day seria proibido de correr para o resto da vida. Não tirei o binóculo de cima dele.
Biltzmann pegou o dinheiro ganho no placê com cara feia e foi embora, rudemente.
Dunross perguntou, suavemente:
— Pug, viu o jóquei fazer qualquer coisa fora do normal? Eu não estava assistindo à corrida.
— Não, não vi.
— Alguém viu?
Os que estavam próximos sacudiram a cabeça.
— Para mim pareceu tudo bem — falou alguém. — Nada fora do comum.
— Nenhum dos administradores questionou coisa alguma. — Foi então que Dunross notou o grande maço de notas na mão de Gornt. Ergueu os olhos para ele. — Quillan?
— Não. Mas, com franqueza, acho os modos desse sujeito um espanto. Não creio que fosse uma aquisição adequada para o Turf Club. — Nesse instante, viu Robin Grey passar por eles para fazer uma aposta, e sorriu ante um súbito pensamento. — Dão-me licença, sim?
Fez um gesto cortês de cabeça e se afastou. Casey viu Dunross fitar o maço de notas que Gornt enfiava no bolso, e ficou intimamente horrorizada com a expressão momentânea no seu rosto.
— Será que o Biltzmann... será que tinha razão? — perguntou nervosamente.
— Naturalmente. — Dunross voltou toda a sua atenção para ela. — Corridas arranjadas acontecem em todo lugar. A questão não é essa. Não houve nenhuma objeção por parte dos administradores ou jóqueis ou treinadores. — Os olhos dele estavam cor de chumbo. A pequena veia na sua testa pulsava. — Não é bem isso o que está em jogo.
"Não", pensava. "É uma questão de boa educação. Mesmo assim, acalme-se. Precisa ficar muito tranqüilo, calmo e controlado este fim de semana."
O dia inteiro não tinha tido outra coisa senão problemas. O único momento bom fora Riko Anjin Gresserhoff. Mas depois, a última carta de Alan mais uma vez o enchera de desânimo. Ainda estava no seu bolso, e dizia-lhe que, se por acaso ainda não tivesse destruído as pastas originais, devia aquecer uma dúzia de páginas especificadas contidas nos relatórios, as informações secretas escritas com tinta invisível nessas páginas devendo ser entregues particularmente ao primeiro-ministro ou ao atual chefe da MI-6, Edward Sinders, pessoalmente... e uma cópia entregue a Riko Anjin, num envelope lacrado.
"Se eu fizer isso, terei que admitir que as pastas que lhe entreguei eram falsas", pensou, cansado de Alan, de espionagem e das suas instruções. "Que merda, Murtagh só chega mais tarde, Sir Geoffrey só pode ligar para Londres sobre Tiptop e Brian Kwok depois das dezesseis horas, e agora, puta merda, vem um filho da mãe grosseiro nos chamar de amadores... o que somos. Aposto cem contra um alfinete torto que Quillan sabia antes do páreo."
Como se tivesse tido um pensamento súbito, perguntou com naturalidade:
— Como escolheu o vencedor, Casey? Fechou os olhos e apontou?
— Foi o Peter que me deu a dica. Peter Marlowe. — O rosto dela se alterou. — Oh! Acha que ele sabia que foi arranjada?
— Se eu tivesse imaginado isso, por um momento, o páreo teria sido cancelado. Agora, não há nada que eu possa fazer. Biltzmann...
De repente, soltou uma exclamação abafada, quando a idéia lhe bateu, em toda a sua glória.
— O que foi?
Dunross pegou-lhe o braço e afastou-a para um canto.
— Está preparada para jogar, para obter o seu dinheiro do dane-se? — perguntou suavemente.
— Claro que sim, Ian, se for legal. Mas jogar o quê? — perguntou, sua cautela inata vindo à tona.
— Tudo o que tem no banco, sua casa em Laurel Canyon, suas ações na Par-Con contra de dois a quatro milhões, dentro de trinta dias. Que tal?
O coração dela batia fortemente, o entusiasmo evidente dele contagiando-a.
— Tá legal — falou, depois se arrependeu de ter falado, o estômago dando voltas. — Meu Deus!
— Ótimo. Fique aqui um momento. Vou procurar o Bartlett.
— Espere! Ele também faz parte disso? O que é, Ian? Ele abriu um amplo sorriso.
— Uma modesta oportunidade comercial. É, o Bartlett é essencial. Isso faz com que você mude de idéia?
— Não — falou, constrangida —, mas eu disse que queria conseguir... a minha grana fora da Par-Con.
— Não me esqueci. Espere aqui.
Dunross voltou depressa para a sua tribuna particular, achou Bartlett e levou-o consigo. Foi abrindo caminho pelo corredor movimentado até a cozinha da Struan, cumprimentando gente aqui e ali. A cozinha era pequena, movimentada e limpíssima. O pessoal que ali trabalhava não lhes prestou atenção. Uma porta dava para um minúsculo quarto particular, à prova de som. Quatro cadeiras, uma mesa e um telefone.
— Meu pai mandou construir isto aqui durante a sua gestão... muitos negócios são realizados durante as corridas. Sentem-se, por favor. Bem — olhou para Bartlett —, tenho uma proposta comercial para você e para Casey, como indivíduos, por fora do nosso negócio com a Par-Con, sem nada a ver com a transação da Par-Con. Está interessado?
— Claro. É alguma mamata de Hong Kong?
— Importa-se? — Dunross abriu um amplo sorriso. — É uma proposta comercial corretíssima de Hong Kong.
— Tudo bem, vamos a ela.
— Antes que eu a explique, temos as regras básicas: o jogo é meu, vocês são dois observadores, mas vão receber quarenta e nove por cento dos lucros, divididos igualmente entre os dois. Certo?
— Qual o plano de jogo completo, Ian? — perguntou Bartlett, cautelosamente.
— O seguinte: você deposita dois milhões de dólares americanos até segunda-feira às nove horas num banco suíço da minha escolha.
Os olhos de Bartlett se estreitaram.
— Contra o quê?
— Contra quarenta e nove por cento dos lucros.
— Que lucros?
— Você depositou dois milhões para o Gornt, sem documento, sem carimbo, sem nada, exceto o lucro em potencial.
— Há quanto tempo está sabendo disso? — perguntou Bartlett, com um amplo sorriso.
Dunross retribuiu o sorriso.
— Já lhe disse que não há segredos. Topa? Dunross viu Bartlett olhar para Casey, e prendeu a respiração.
— Casey, sabe do que se trata?