Estremeceu de novo. "E quanto às minhas lágrimas? Nunca agi assim antes, e quanto ao Murtagh? Será que devo contar ao Linc sobre o Murtagh, agora... ou depois... porque sem dúvida ele terá que saber, antes das nove e meia de segunda-feira. Ah, Deus, quem dera nunca tivéssemos vindo para cá!"
A chuva ligeira salpicou o hipódromo, e alguém murmurou :
— Pombas, espero que não piore!
A pista já estava danificada, lamacenta e muito deslizante. Do lado de fora da entrada principal, a rua estava cheia de poças e escorregadia. O tráfego era denso, e muitas pessoas atrasadas ainda passavam pelas borboletas.
Roger Crosse, Sinders e Robert Armstrong saltaram do carro de polícia e cruzaram as barreiras e postos de controle até o elevador dos sócios, os distintivos de lapela azuis tremulando. Havia cinco anos Crosse era sócio votante, Armstrong havia um. Naquele ano Crosse também era um dos administradores. Todos os anos o comissário da polícia sugeria aos administradores que a polícia deveria ter sua própria tribuna, e todos os anos os administradores concordavam entusiasticamente, e nada acontecia.
Na tribuna dos sócios, Armstrong acendeu um cigarro. Seu rosto estava vincado, os olhos, cansados. O salão imenso e lotado ocupava metade do comprimento das tribunas. Foram até o bar e pediram bebidas, cumprimentando os outros sócios.
— Quem é aquela? — quis saber Sinders. Armstrong acompanhou-lhe o olhar.
— Aquela é um pouco da nossa cor local, sr. Sinders. — A voz dele era sardônica. — O nome dela é Vênus Poon, e é a nossa estrelinha máxima da tv.
Vênus Poon usava um casaco de vison comprido e estava cercada por um grupo de admiradores chineses.
— O sujeito à esquerda dela é Charles Wang; é um produtor de filmes multimilionário, proprietário de cinemas, cabarés, clubes noturnos, bares, garotas e um par de bancos na Tailândia. O velho miúdo que se parece com um bambu, e é tão resistente quanto um deles, é o Wu Quatro Dedos, um dos nossos piratas locais... o contrabando é o seu meio de vida, e é muito bom.
— É — concordou Crosse. — Quase o pegamos, há uns dois dias. Achamos que anda envolvido com heroína... e ouro, é claro.
— Quem é o nervosinho de terno cinza? O sujeito do lado de fora?
— Aquele é Richard Kwang, do desastre do Ho-Pak — falou Armstrong. — Ele é o atual, ou era o atual, digamos, coronel dela.
— Interessante. — Sinders concentrou-se em Vênus Poon. O vestido dela era decotado e provocante. — É, muito. E quem é aquela outra? Ali, junto com o europeu.
— Onde? Ah, aquela é Orlanda Ramos, portuguesa, o que aqui geralmente quer dizer eurasiana. Já foi amante de Quillan Gornt. Agora, não sei. O homem é Linc Bartlett, o "contrabandista de armas".
— Ah! Ela não é comprometida?
— Talvez.
— Parece dispendiosa. — Sinders sorveu a sua bebida e soltou um suspiro. — Deliciosa, mas cara.
— Eu diria que muito — disse Crosse, com ar de desagrado. Orlanda Ramos estava com várias mulheres de meia-idade, todas vestindo roupas assinadas, cercando Bartlett. — Um pouco exagerada para o meu gosto.
Sinders olhou para ele, surpreso.
— Há anos que não vejo tantas beldades... ou tantas jóias. Já houve algum assalto aqui?
Crosse arregalou os olhos.
— No Turf Club? Santo Deus, ninguém teria coragem! Armstrong abriu o seu sorriso amargo.
— Cada policial que presta serviço aqui, do mais alto ao mais baixo, passa a maior parte do tempo tentando bolar o assalto perfeito. A coleta final do dia deve ser de uns quinze milhões, no mínimo. Ainda não conseguimos. A segurança é boa demais, bem bolada demais... obra do sr. Crosse.
— Ah! Crosse sorriu.
— Quer comer alguma coisa, Edward? Que tal um sanduíche?
— Boa idéia. Obrigado.
— Robert?
— Não, senhor, obrigado. Se não se importa, vou estudar o programa da corrida, e depois os verei.
Armstrong estava dolorosamente cônscio de que, após o sétimo páreo, deviam voltar ao QG, onde Brian Kwok deveria ser submetido a outra sessão.
— Robert é um apostador dos brabos, Edward. Robert, faça-me um favor, acompanhe o sr. Sinders, mostre-lhe onde apostar, e peça um sanduíche para ele. É melhor eu ir ver se o governador está livre um momentinho... volto logo.
— Com prazer — disse Armstrong, detestando a idéia, o envelope com os quarenta mil dólares de h'eung yau que tirara da mesa, impulsivamente, queimando como fogo no bolso. "Porra! Sim ou não?", perguntava-se sem parar, tentando sombriamente decidir, e o tempo todo tentando afastar da mente o horror do seu amigo Brian e da próxima sessão... não, não mais o seu amigo, mas um agente inimigo altamente treinado e dedicado, um "peixe" enormemente valioso que haviam descoberto por milagre.
— Robert — disse Crosse, mantendo a voz deliberadamente bondosa —, você fez um bom trabalho, hoje. Muito bom.
— É — concordou Sinders. — Providenciarei para que o ministro saiba da sua ajuda, e, naturalmente, o comando.
Crosse dirigiu-se para o elevador. Aonde quer que fosse, era seguido por olhares chineses nervosos. No último andar, ignorou o reservado do governador e entrou no de Plumm.
— Alô, Roger! — cumprimentou-o Plumm, amavelmente. — Quer uma bebida?
— Um café seria ótimo. Como vão indo as coisas?
— Perdi a camisa, por enquanto, embora muitos de nós tenhamos acertado a primeira parte da loteria. E você?
— Acabei de chegar.
— Ah, então perdeu o teatro! — Plumm contou a Crosse sobre a proposta de compra de controle de Dunross. — Ian frustrou o plano de Pug.
— Ou fez-lhe uma excelente oferta — manifestou-se alguém.
— Verdade, verdade.
O reservado de Plumm estava lotado, como todas as demais tribunas particulares. Muito bate-papo e risos, bebidas e boa comida.
— O chá vai chegar daqui a meia hora. Vou dar uma passadinha na sala do comitê dos administradores, Roger. Quer ir comigo?
A sala do comitê ficava no fim do corredor, do outro lado de portas giratórias vigiadas. Era pequena, com uma mesa de doze cadeiras, um telefone, boas janelas dando para a pista e um balcãozinho. E estava vazia. Imediatamente, a fachada simpática de Plumm se desfez.
— Falei com Suslev.
— Foi?
— Está furioso com a batida de ontem no Ivánov.
— Posso imaginar. Foram ordens de Londres. Eu só soube hoje de manhã. Maldito Sinders!
Plumm fechou ainda mais a cara.
— Será que estão desconfiando de você?
— Ah, não. É só rotina. É só a Divisão Especial, a MI-6 e Sinders distendendo as asas. São uma turma muito reservada, e com razão. Não têm nada a ver com o sei. Continue.
— Ele me pediu que, se você viesse, lhe dissesse que estaria junto a uma cabine telefônica. — Plumm passou-lhe um pedaço de papel. — Eis o número. Estará aí exatamente na largada dos três próximos páreos. Por favor, ligue para ele... falou que era urgente. Que diabo, qual o motivo da batida?
— Foi só para assustar todo o pessoal do KGB a bordo, assustá-los o bastante para desentocar a Sevrin. Pressão. Assim como a ordem para o Suslev e o novo comissário apareceram no QG no domingo. Só para dar um susto.
— Pode apostar que o Suslev está assustado. — Um sorriso sardônico perpassou pelo belo rosto de Plumm. — O esfíncter dele vai ficar fora de forma pelo menos uns dez anos. Todos eles terão que dar um bocado de explicações. Quando o Armstrong invadiu "por acaso" a sala de rádio, o Vermelho Um foi acionado, e eles obediente e desnecessariamente destruíram todo o seu equipamento de interferência e de deci-fração, juntamente com os exploradores de radar sigilosos.
Crosse deu de ombros.
— O Ivánov está indo embora, e tem bastante equipamento para substituir os que foram danificados. Não foi culpa do Suslev, ou nossa. Podemos enviar um relatório contando ao Centro o que houve. Se quisermos.