— Vamos, Crossfire — murmurava —, vamos! Está em quinto, Linc, vamos, beleza, vamos...
Deu uma risadinha abafada, que Orlanda nem notou. Haviam combinado encontrar-se ali entre o terceiro e o quarto páreo.
— Você é sócia votante? — perguntara-lhe na véspera.
— Ah, não, meu querido. Vou apenas com amigos, velhos amigos da minha família. Quer mais uma bebida?
— Não, não, obrigado... é melhor eu ir andando.
Haviam-se beijado, e ele sentira novamente que ela correspondera integralmente. Aquilo o perturbara, deixara-o nervoso durante toda a travessia da baía, e durante a maior parte da noite. Por mais que tentasse, não estava fácil conter seu desejo por ela, e mantê-lo em perspectiva.
"Você está perdido, meu velho", falou com seus botões, observando-a tocar os lábios com a ponta da língua, os olhos concentrados, esquecida de tudo, exceto dos seus cinqüenta dólares no grande cavalo pardo, o favorito.
— Vamos... vamos... ah, ele está avançando, Linc... ah, está em segundo...
Bartlett olhou para os cavalos, que agora galopavam na reta finaclass="underline" Crossfire, o grande pardo, bem colocado atrás de Western Scot, um capão castanho que corria ligeiramente na liderança, a pista muito difícil... um cavalo caíra no terceiro páreo. Agora, um dos concorrentes deu uma arrancada, um capão, Winwell Stag, pertencente a Havergill, que Peter Marlowe indicara como vencedor, e vinha firme por fora, com Crossfire e Western Scot corpo a corpo bem à frente, todos os chicotes agora funcionando em meio ao vozerio crescente.
— Ande, vamos, vamos, vamos, Crossfire... ah, ele ganhou, ganhou!
Bartlett riu em meio ao pandemônio quando a alegria de Orlanda explodiu e ela o abraçou.
— Oh, Linc, que maravilha!
Dali a um momento, outra explosão de vozes quando os números vencedores apareceram no painel do totalizador, confirmando a sua ordem. Agora, todos esperavam pelo resultado final das apostas. Novos vivas ruidosos. Crossfire pagou 5 por 2.
— Não é muito — comentou.
— É sim, é sim, é sim! — Orlanda nunca lhe parecera tão linda, o chapéu dela uma graça, muito mais bonito do que o de Casey... ele o notara de pronto, e o elogiara. Ela se debruçou para a frente, apoiou-se na grade e olhou para o círculo do vencedor. — Lá está o proprietário, Vee Cee Ng, é um dos nossos xangaienses milionários, comerciante. Meu pai o conhecia bem.
Passou o binóculo para ele. Bartlett focalizou-o. O homem que trazia o cavalo com a guirlanda para o círculo do vencedor vestia roupas caras, era um chinês sorridente e encorpado, na casa dos cinqüenta anos. Depois Bartlett reconheceu Havergill, conduzindo o seu Winwell Stag, segundo colocado, derrotado por um focinho. No paddock viu Gornt, Plumm, Pugmire, e muitos dos administradores. Dunross estava perto da cerca, falando com um homem menor. O governador ia de grupo em grupo, com a mulher e o ajudante-de-ordens. Bartlett observava-os com uma pontinha de inveja, os proprietários, ali de pé, com bonés, guarda-chuvas e cadeirinhas portáteis, mulheres, e namoradas dispendiosas, cumprimentando-se entre si, todos sócios do clube exclusivo, a casa de força de Hong Kong, ali e nos reservados acima. "Tudo muito britânico", pensou, "tudo muito afável. Será que me encaixarei melhor do que o Biltzmann? Claro. A não ser que desejem que eu pule fora tanto quanto desejavam que ele pulasse. Serei um sócio votante facilmente. Foi o que Ian disse. Orlanda se encaixaria aqui? Claro. Como mulher ou namorada, dá no mesmo."
— Quem é aquele? — perguntou. — O homem que está falando com o tai-pan?
— Ah, é Aleksei Travkin, o treinador do tai-pan... Parou de falar quando Robert Armstrong aproximou-se deles.
— Boa tarde, sr. Bartlett — disse ele, polidamente. — Também apostou no vencedor?
— Não, não, esse eu perdi. Deixe-me apresentar-lhe a srta. Ramos; Orlanda Ramos, superintendente Robert Armstrong, do DIC.
— Alô — cumprimentou ela, sorrindo para Armstrong, e ele notou a sua cautela imediata. "Por que todos eles têm medo de nós, tanto os inocentes quanto os culpados?", perguntou a si mesmo, "quando tudo o que pretendemos é fazer com que as leis deles sejam cumpridas, tentar protegê-los dos bandidos e dos ímpios? Ê porque todo mundo infringe alguma lei, mesmo uma pequenina, cada dia, a maioria dos dias, porque muitas das leis são cretinas... como as nossas leis de apostas. Portanto, todos são culpados, até mesmo você, mocinha bonita, com o andar, oh, tão sensual, e o sorriso, oh, tão convidativo! Para o Bartlett. Qual o crime que cometeu hoje, para apanhar no laço esse pobre inocente?" Sorriu sardonicamente consigo mesmo. "Não tão inocente na maioria das coisas. Mas, contra alguém treinado por Quillan Gornt? Uma eurasiana linda e faminta, cujo único caminho é o da descida? Ayeeyah! Mas, ah, como gostaria de trocar de lugar! É, você com suas armas, dinheiro, gatas como Casey e essa aí, e encontros com a escória do mundo, como Banastasio, ah, sim... daria dez anos da minha vida, mais, porque hoje juro por Deus que abomino o que tenho que fazer, o que apenas eu posso fazer pela velha e querida Inglaterra."
— Apostou no favorito, também? — perguntava ela.
— Não, infelizmente não.
— Este é o segundo vencedor dela — disse Bartlett, cheio de orgulho.
— Ah, se está numa maré de sorte, quem é o seu candidato para o quinto?
— Venho tentando decidir, superintendente. Não tenho palpite... pode ser qualquer um. Qual o seu palpite?
— Falaram-me em Winning Billy. Mas também não consigo me decidir. Bem, boa sorte.
Armstrong retirou-se, dirigindo-se para o guichê de apostas. Apostara quinhentos no terceiro colocado, cobrindo as outras apostas. Sempre escolhia uma aposta principal e depois jogava com outras, na esperança de levar vantagem. Era o que acontecia, na maioria das vezes. Naquela tarde estava um pouco em desvantagem, mas não havia ainda tocado nos quarenta mil.
No corredor, hesitou. O Cobra, o inspetor-chefe Donald C. C. Smyth, afastava-se de um dos movimentados guichês dos vencedores, um maço de notas nas mãos.
— Alô, Robert. Como vai indo?
— Mais ou menos. Está numa boa de novo?
— Eu tento. — O Cobra achegou-se mais. — Como vai indo tudo?
— Andando.
Novamente Armstrong sentiu-se nauseado ao pensar em mais uma sessão do Quarto Vermelho, depois em ficar ali sentado, deixando a mente de Brian Kwok pôr para fora seus segredos mais escondidos, lutando contra o relógio que funcionava ininterruptamente... todos conscientes de que o governador estava pedindo permissão a Londres para fazer a troca.
— Você não está com boa cara, Robert.
— Não me sinto bem. Quem vai ganhar o quinto?
— Dei uma espremida no seu amigo Pé Torto, do Para. Falam em Pilot Fish. Ele deu a dica do Buccaneer no primeiro, embora, com essa pista, tudo possa acontecer.
— É. Alguma novidade sobre os Lobisomens?
— Nada. É um beco sem saída. Toda a área está sendo revistada, mas, com essa chuvarada, praticamente não há esperanças. Entrevistei Dianne Chen hoje de manhã... e a mulher de John Chen, Barbara. Só papo furado. Apostaria cinco dólares contra um alfinete torto de chapéu que elas sabem mais do que estão contando. Tive uma conversa ligeira com Phillip Chen, mas ele também não cooperou. O pobre infeliz está abaladíssimo. — O Cobra ergueu os olhos para ele. — Por acaso Mary tinha alguma pista sobre o John?
Armstrong devolveu-lhe o olhar.
— Ainda não tive oportunidade de perguntar a ela. Hoje à noite... se me derem algum sossego.
— Não darão. — O rosto de Smyth se enrugou com um sorriso retorcido. — Aposte os seus quarenta em Pilot Fish.
— Que quarenta?
— Um passarinho me contou que um certo ninho de ovos de ouro fugiu de seu galinheiro... se me desculpa a metáfora. — O homem mais baixo deu de ombros. — Não se preocupe, Robert, divirta-se. Acabando esse, há muito mais. Boa sorte.