— Boatos, boatos, sr. Haply — replicou Havergill, com ar despreocupado, e acrescentou, em meio a risadas: — Lembre-se: uma nuvem de mosquitos pode criar um barulho como o de um trovão! A economia de Hong Kong nunca esteve tão forte. Quanto à tão falada corrida ao Ho-Pak, acabou. O Victoria garante os clientes do Ho-Pak, garante a compra de controle da Struan-General Stores, e garante que continuará funcionando pelos próximos cento e vinte anos.
— Mas, sr. Havergill, não quer respon...
— Não se preocupe, sr. Haply. Deixemos os detalhes da... da proteção benevolente que proporcionamos ao Ho-Pak para serem discutidos na entrevista coletiva de segunda-feira.
— Prontamente, virou-se para o governador. — Se me dá licença, senhor, vou tornar a decisão pública.
Ouviram-se mais vivas quando ele começou a abrir caminho entre o povo, na direção da porta.
Alguém começou a cantar "Ele é um bom companheiro..." Todos se juntaram ao canto. O barulho tornou-se ensurdecedor. Dunross disse para Richard Kwang em cantonense, citando uma antiga expressão:
— Quando for o bastante, pare. Heya?
— Ah, é. É, sim, tai-pan. Sem dúvida. — O banqueiro deu um sorriso amarelo, entendendo a ameaça, lembrando a si mesmo a sua boa sorte, que Vênus Poon certamente se humilharia, agora que ele era um importante diretor da junta administrativa do Victoria. Abriu mais o sorriso. — Tem razão, tai-pan. "Dentro das portas vermelhas há muito desperdício de carne e vinho!" A minha perícia trará grandes benefícios ao nosso banco, heya?
Afastou-se, com ar importante.
— Meu Deus, mas que dia! — murmurou Johnjohn.
— É, sim, maravilhoso! Johnjohn, meu velho — falou McBride —, deve sentir muito orgulho do Paul.
— Mas claro!
Johnjohn olhava enquanto Havergill se afastava.
— Está se sentindo bem?
— Estou, sim, só que trabalhei até tarde.
Johnjohn passara a maior parte da noite acordado, calculando como poderiam efetuar com segurança a compra de controle, com segurança para o banco e para os depositantes do Ho-Pak. Arquitetara o plano, e de manhã passara horas exaustivas tentando convencer Havergill de que era a hora de inovar. — Podemos fazê-lo, Paul, e criar um tal renascimento de confiança...
— E abrir um precedente perigosíssimo! Não acho que sua idéia seja tão importante quanto imagina!
Havergill reconsiderara somente quando enxergara o enorme e imediato aumento de confiança decorrente do comunicado dramático de Dunross. "Não faz mal", pensou Johnjohn, cansado, "saímos todos lucrando. O banco, Hong Kong, o Ho-Pak. Sem dúvida seremos melhores para os investidores, os acionistas, os patrocinadores deles, muito melhores do que o Richard! Quando eu for o tai-pan, usarei o Ho-Pak como modelo para futuras operações de resgate. Com a nossa nova diretoria, o Ho-Pak será uma propriedade maravilhosa. Como qualquer um de uma dúzia de empreendimentos. Até como a Struan!"
Seu cansaço desapareceu. Seu sorriso ficou mais amplo. "Oh, chegue depressa, segunda-feira... quando o mercado abrir!"
Na tribuna da Struan, Peter Marlowe debruçava-se, melancólico, na amurada, observando a multidão Iá embaixo. A chuva cascateava da saliência que protegia as tribunas. Os três balcões em cantiléver dos sócios não-votantes não eram assim tão protegidos. Cavalos molhados eram conduzidos rampas abaixo por cavalariços molhados, que se juntavam aos milhares de espectadores, também molhados, que se afastavam.
— O que há, Peter? — perguntou Casey.
— Nada.
— Nenhum problema com a Fleur, espero?
— Não.
— Foi o Grey? Vi vocês dois discutindo.
— Não, não foi o Grey, embora ele seja um pé no saco, um grosso e francamente contra tudo o que tenha valor. — Marlowe deu um sorriso curioso. — Estávamos apenas discutindo o tempo.
— Claro. Você estava com uma cara deprimídíssima, há pouco. Perdeu o quinto?
— Perdi, mas não foi isso. Até que saí lucrando bastante, no todo. — O homem alto hesitou, depois indicou os reservados, e tudo o mais à sua volta. — Eu só estava pensando que há cinqüenta e tantos mil chineses aqui, e outros três ou quatro milhões Iá fora, e cada um deles tem uma tradição imensa, segredos maravilhosos e histórias fantásticas para contar, sem falar nos vinte e tantos mil europeus, superiores e inferiores, piratas, flibusteiros, contadores, donos de lojas, funcionários do governo... por que também escolheram Hong Kong? E sei que não importa o quanto eu tente, não importa o quanto eu leia, pergunte ou escute, nunca realmente saberei muita coisa sobre os chineses de Hong Kong ou sobre Hong Kong. Nunca. Apenas arranharei a superfície.
— É a mesma coisa em todo lugar — ela riu.
— Ah, mas não é, não. Este é o pot-pourri da Ásia. Olhe só aquele sujeito, ali, no terceiro reservado, o chinês rotundo. É multimilionário. A mulher dele é cleptomaníaca. Por isso, aonde quer que ela vá, ele manda o seu pessoal segui-la secretamente, e cada vez que rouba alguma coisa, os homens dele pagam o objeto roubado. Todas as lojas conhecem-nos, e é tudo muito civilizado... em que outro lugar no mundo se faria isso? O pai dele era um cule, cujo pai era um ladrão de estradas, cujo pai era um mandarim, cujo pai era um camponês... Um dos homens que está perto dele é outro multimilionário, ópio e contrabando para a China, e a mulher dele... ah, mas isso já é outra história.
— Que história? Ele riu.
— Algumas das mulheres têm histórias tão fascinantes quanto os maridos, às vezes até mais. Uma das que você conheceu hoje é ninfomaníaca e...
— Ora, Peter, qual é! É como disse a Fleur, você está inventando tudo.
— Talvez. É, mas algumas das senhoras chinesas são tão... predatórias quanto quaisquer outras da terra, "na moita".
— Chauvinista! Tem certeza?
— Bem, os boatos são... — Riram juntos. — Na verdade, os chineses são muito mais espertos que nós. Contaram-me que, aqui, as poucas mulheres casadas chinesas que gostam de "prevaricar" geralmente preferem arranjar um amante europeu, por medida de segurança... os chineses adoram uma fofoca, adoram um escândalo, e seria raro encontrar um chinês que transasse e guardasse um segredo desses, ou protegesse a honra de uma dama. A mulher teria medo, e com razão. Ser apanhada seria muito ruim, mas muito ruim mesmo. A lei chinesa é muito severa. — Pegou um cigarro. — Vai ver que é isso o que torna a coisa mais excitante.
— Ter um amante?
Ele a observava, imaginando o que diria se ele lhe contasse o seu apelido... murmurado para ele alegremente por quatro amigos chineses diferentes.
— É, as mulheres aqui dão as suas voltinhas, algumas delas. Olhe ali, naquela tribuna... o sujeito que está discursando, de blazer. Ele usa um "chapéu verde"... é a expressão chinesa que significa que é chifrudo, que a mulher dele tem um amante. Na realidade, no caso dela foi um amigo dele, chinês.
— Chapéu verde?
— É. Os chineses são maravilhosos! Têm um senso de humor espetacular! O sujeito publicou um anúncio num dos jornais chineses há alguns meses, dizendo: "Sei que uso um chapéu verde, mas a mulher do homem que o colocou em mim teve dois dos filhos dele com outros homens!"
Casey fitou-o, abismada.
— Quer dizer que ele assinou o anúncio?
— Assinou. Era um trocadilho feito com um dos nomes dele, mas todas as pessoas importantes sabiam de quem se tratava.
— E era verdade?
Peter Marlowe deu de ombros.
— Não importa. O outro sujeito ficou desmoralizado, e a mulher dele comeu o pão que o diabo amassou.
— Mas isso não é justo, não é nada justo.
— No caso dela, era.
— O que foi que ela fez?
— Teve dois filhos com outro...
— Ora, corta essa, sr. Contador de Histórias!
— Ei, olhe, Iá está o dr. Tooley!
Ela vasculhou a pista com o olhar, e então o viu.
— Ele não está com uma cara nada feliz.