— Espero que Travkin esteja bem. Ouvi dizer que Tooley foi examiná-lo.
— Foi uma queda feia.
— É. Terrível.
Ambos haviam sido submetidos às perguntas severas de Tooley sobre a sua saúde, sabendo que o espectro do tifo, talvez da cólera, e certamente da hepatite, ainda pesava sobre eles.
— Joss! — disse Peter Marlowe, com firmeza.
— Joss! — ela fizera eco, tentando não se preocupar com Linc. "É pior para um homem", pensou, lembrando-se do que Tooley dissera: "A hepatite pode escangalhar o seu fígado... e a sua vida, para sempre, se você for homem".
Após um momento, ela falou:
— As pessoas aqui parecem ser muito mais excitantes, Peter. Será por causa da Ásia?
— Provavelmente. Os costumes aqui são tão diferentes! E aqui em Hong Kong temos a nata. Acho que a Ásia é o centro do mundo, e Hong Kong, o núcleo. — Peter Marlowe acenou para alguém em outro reservado, que acenou para Casey. — Lá está outro admirador seu.
— Lando? É um homem fascinante.
Casey passara algum tempo com ele entre os páreos.
— Precisa vir a Macau, srta. Tcholok. Talvez possamos jantar juntos amanhã. Às sete e meia seria conveniente? — perguntara Mata, com o seu maravilhoso encanto do Velho Mundo, e Casey compreendera direitinho o que ele queria dizer.
Durante o almoço, Dunross advertira-a quanto a ele.
— É um bom sujeito, Casey — dissera o tai-pan, delicadamente. — Mas, aqui, para uma quai loh estranha, especialmente tão linda quanto você, numa primeira viagem à Ásia, bem, às vezes é melhor se lembrar de que ter mais de dezoito anos nem sempre é o bastante.
— Saquei, tai-pan — dissera ela, com uma risada. Mas, à tarde, ela se deixara magnetizar por Mata, na segurança da tribuna do tai-pan. Sozinha, suas defesas estariam levantadas, como sabia que estariam na noite seguinte.
— Depende, Lando — dissera —, gostaria muito de jantar com você. Vai depender da hora em que eu voltar do passeio de barco... não sei se o tempo vai permitir.
— Com quem vai? Com o tai-pan?
— Só com uns amigos.
— Ah. Bem, se não for no domingo, minha cara, quem sabe na segunda-feira? Há várias oportunidades comerciais para você, aqui ou em Macau, para você e o sr. Bartlett, se quiserem, e para a Par-Con. Posso ligar para você amanhã às sete, para saber se está livre?
"Posso cuidar dele, de um jeito ou de outro", pensou ela, tranqüilizando-se, "embora tenha de ficar de olho no vinho, e quem sabe até no garçom, para evitar que me dêem alguma droga excitante."
— Peter, os homens aqui, os que estão a fim de uma mulher... dar-lhe-iam alguma droga excitante?
— Está se referindo ao Mata? — perguntou ele, estreitando os olhos.
— Não, falo de um modo geral.
— Duvido que um chinês ou um eurasiano agisse assim com uma quai loh, se é isso o que está perguntando. — Franziu a testa. — Diria, contudo, que é melhor você bancar a circunspecta, com eles e com os europeus. Claro, para falar sem rodeios, você estaria no topo da lista deles. Tem o que é preciso para deixar a maioria deles numa tonteira orgiástica.
— Obrigadíssima! — Debruçou-se no balcão, curtindo o elogio. "Queria que o Linc estivesse aqui. Seja paciente." — Quem é aquele? — perguntou. — O velho olhando obscena-mente para a mocinha? Lá no primeiro balcão. Olhe, pôs a mão no traseiro dela!
— Ah, aquele é um dos nossos piratas locais... Wu Quatro Dedos. A moça é Vênus Poon, uma estrela local de tv. O rapaz que está conversando com eles é o sobrinho dele. Dizem que, na verdade, é filho dele. Tem um diploma de administração de Harvard, um passaporte americano, e é vivíssimo. O velho Quatro Dedos é outro multimilionário, dizem que contrabandista, ouro e qualquer outra coisa, com uma mulher oficial e três concubinas de idades diferentes. E agora está atrás de Vênus Poon. Ela era amante de Richard Kwang. Era. Mas, quem sabe, agora, com a compra de controle do Victoria, ela largue Quatro Dedos e volte para ele. Quatro Dedos mora num junco nojento em Aberdeen, e armazena a sua imensa fortuna. Ah, olhe ali! O homem e a mulher enrugados com quem o tai-pan está conversando.
Ela acompanhou o olhar dele para a segunda tribuna depois da deles.
— Aquela é a tribuna de Shitee TChung — falou. — Shitee é descendente direto de May-may e Dirk, através do filho deles, Duncan. O tai-pan já lhe mostrou os retratos de Dirk?
— Já. — Um pequeno arrepio a percorreu ao se lembrar da faca da Bruxa enfiada no quadro que representava o pai, Tyler Brock. Pensou em contar a ele, mas resolveu não fazê-lo. — Há uma grande semelhança — falou.
— Sem dúvida! Quem me dera eu pudesse ver a Galeria Longa! Bem, aquele casal de velhos com quem ele está conversando mora num cortiço, um prédio sem elevador, num sexto andar, num apartamento de dois cômodos, Iá em Glessing's Point. São donos de um imenso lote de ações da Struan. Todos os anos, antes de cada assembléia anual da diretoria, o tai-pan, seja ele quem for, tem que ir de chapéu na mão pedir permissão para votar as ações deles. A permissão é sempre dada, isso faz parte do acordo original, mas, mesmo assim, ele tem que ir pessoalmente.
— Por que motivo?
— Para prestigiá-los. E por causa da Bruxa. — Uma sombra de sorriso. — Ela era uma mulher fantástica, Casey. Ah, como gostaria de tê-la conhecido! Durante a Revolta dos Boxers, em 1889-1900, quando a China estava em outra das suas conflagrações, a Casa Nobre teve todos os seus bens em Pequim, Tien-tsin, Foochow e Cantão destruídos pelos terroristas boxers, que eram mais ou menos patrocinados e certamente encorajados por Tseu-Hi, a velha imperatriz viúva. Eles se chamavam de "Os Punhos Harmoniosos e Virtuosos", e seu grito de batalha era "Protejam a dinastina Tsing e matem todos os demônios estrangeiros!" Falemos a verdade, as potências européias e o Japão tinham realmente dividido muito a China. De qualquer modo, os boxers atacavam todas as empresas estrangeiras, as colônias, as áreas desprotegidas, e as dizimavam. A Casa Nobre estava enrascadíssima. Naquela época, o tai-pan nominal era novamente o velho Sir Lochlin Struan, último filho de Robb Struan, nascido com um braço defeituoso. Foi tai-pan logo depois de Culum. A Bruxa indicou-o quando ele tinha dezoito anos, logo depois da morte de Culum. Depois, indicou-o de novo, após Dirk Dunross, e o manteve preso à barra de sua saia até que ele morreu, em 1915, com setenta e dois anos.
— Onde arranja todas essas informações, Peter?
— Invento-as — disse ele, imponentemente. — De qualquer maneira, a Bruxa precisava de um bocado de dinheiro, e depressa. O avô de Gornt comprara um bocado de ações da Struan, e tinha "baixado o pau". Não havia uma fonte normal de finanças, lugar algum onde ela pudesse pedir um empréstimo, pois toda a Ásia, todas as hongs estavam igualmente em dificuldades. Mas o pai daquele sujeito, o pai daquele com quem o tai-pan está conversando, era o Rei dos Mendigos em Hong Kong. Mendigar antigamente costumava ser um grande negócio, aqui. De qualquer maneira, esse homem veio procurá-la, segundo contam:
"— Vim comprar uma quinta parte da Casa Nobre — dissera o homem, com grande dignidade —, está à venda? Ofereço duzentos mil taéis de prata.
"Era a quantia exata de que ela necessitava para salvar a pele. Para manter as aparências, eles barganharam, e ele acabou aceitando um décimo, dez por cento — um acordo incrivelmente justo —, ambos sabendo que ele poderia obter trinta ou quarenta por cento pela mesma quantia, pois a essa altura a Bruxa estava desesperada. Ele não exigiu outro contrato além do carimbo dela, e sua promessa de que, uma vez por ano, ela, ou o tai-pan, viria até ele ou seus descendentes, onde quer que eles vivessem, para pedir permissão para votar as ações.
"— Contanto que o tai-pan peça, o direito de voto será concedido.
"— Mas, por quê, Honorável Rei dos Mendigos? Por que me salvar dos meus inimigos? — perguntara ela.