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"É, sim", pensou a velha, "os fantasmas são terríveis. Bem, onde estava eu? Ah, sim... mil irão para a loteria do sábado que vem. E com os ganhos comprarei... comprarei uma dentadura para mim! Eeee, que maravilha será!", ela teve vontade de exclamar, quase desmaiando de prazer reprimido. Toda a sua vida, toda a sua vida desde os catorze anos, quando a coronha de um rifle nfanchu havia esmagado os seus dentes, numa das constantes revoluções contra a dinastia Tsing estrangeira, ela fora apelidada de Um Dente Só. Sempre odiara o apelido. Mas, agora... "Que os deuses sejam testemunhas! Vou comprar uma dentadura com os meus ganhos do sábado que vem... e também vou comprar e acender duas velas no templo mais próximo em troca desta sorte maravilhosa."

— Estou tonta, Irmã Mais Moça — falou, realmente tonta de êxtase. — Quer me buscar um copo de água?

A outra mulher se afastou, resmungando. Um Dente Só sentou-se por um momento, e permitiu-se um imenso sorriso, passando a língua pelas gengivas. "Eeee, quando eu ganhar, se ganhar bastante, vou mandar pôr um dente de ouro, bem no centro, para me fazer lembrar. Yang Dente de Ouro, como soa bem!", pensou, esperta demais para murmurar em voz alta, embora estivesse completamente só. "É, Honorável Yang Dente de Ouro, do Império Yang de Construções..."

68

18hl5m

Suslev estava encolhido desconfortavelmente no banco da frente do carrinho de Emie Clinker, e subiam com dificuldade a ladeira. Todas as vidraças estavam embaçadas, a chuva, ainda mais forte. Lama e pedras que desciam das encostas íngremes tornavam a superfície da estrada perigosa. Já haviam visto dois acidentes de pouca monta.

— Pombas! Puxa vida! Talvez seja melhor você passar a noite Iá em casa, velho amigo — disse Clinker, dirigindo com dificuldade.

— Não, hoje não — falou Suslev, com irritação. — Já lhe falei que prometi a Ginny, e esta é a minha última noite.

Desde a noite da batida, Suslev estava alucinado de raiva, alimentada por um medo a que não estava acostumado... medo da convocação para o QG da polícia, pela manhã, medo das repercussões catastróficas do cabograma decifrado e interceptado, medo do provável desprazer do Centro quanto à perda de Voranski, de ser mandado para fora de Hong Kong, da destruição do seu equipamento de rádio, do caso Metkin, e agora da chegada de Koronski e do possível seqüestro de Dunross. "Coisas demais deram errado nesta viagem", pensou, gelado, "estou há tempo demais no jogo para ter alguma ilusão." Até mesmo sua conversa telefônica com Crosse durante o quinto páreo não o havia acalmado.

— Não se preocupe, é apenas um pedido de rotina, Grigóri. Só umas perguntinhas sobre o Voranski, Metkin, etc. — dissera Crosse, disfarçando a voz.

— Khristos, o que é o etcétera?

— Não sei, foi Sinders que mandou, não eu.

— É melhor me dar cobertura, Roger.

— Já está coberto. Escute, esse possível seqüestro é uma idéia muito ruim.

— Eles querem que seja feito, portanto ajude o Arthur a fazer os preparativos, certo? A não ser que você possa adiar a minha partida, poremos o plano em execução quando for ordenado.

— Eu sou contra. Esta é a minha jurisdição, e eu...

— O Centro aprova, e nós o faremos, se for ordenado!

— Suslev queria mandar que Roger Crosse calasse a boca, mas tomou cuidado para não ofender o melhor agente deles na Ásia.

— Podemos nos encontrar logo mais à noite?

— Não, mas eu ligo para você. Que tal o quatro, às dez e meia?

"Quatro" era o código atual deles para o apartamento 32 do Sinclair Towers; "dez e meia" na verdade significava nove e meia da noite.

— É prudente?

Escutara a risada seca e confiante.

— Muito prudente. Os idiotas voltariam? Claro que é prudente. Eu garanto!

— Está bem. Arthur estará Iá. Devemos fixar o plano. Clinker desviou-se para evitar um táxi que vinha forçando a passagem e soltou um palavrão, depois engrenou de novo o carro para prosseguir, espiando pelo pára-brisa embaçado. Ao lado dele, Suslev esfregava o vidro, tentando limpá-lo.

— Tempo amaldiçoado — falou, com o pensamento noutro lugar. "E quanto ao Travkin? Que bosta burro e sem mãe, cair depois de cruzar a linha de chegada! Pensei que tinha vencido, idiota decadente! Nenhum cossaco de verdade jamais seria apanhado daquele jeito. Então, agora está fora da jogada, ele e sua princesa caquética e aleijada, de ossos partidos.

"Agora, como vamos atrair o Dunross ao apartamento amanhã, ao invés de terça-feira, como Travkin combinou? Tem que ser hoje ou amanhã. No máximo até amanhã à noite. O Arthur tem que dar um jeito, ou o Roger. Eles são as chaves para o plano Dunross.

"É preciso obter aquelas pastas (ou o Dunross), antes de partir. Ou uma coisa ou a outra. São a minha única proteção real contra o Centro."

Bartlett e Casey saltaram da limusine da Struan diante do Hilton, o porteiro sikh resplandecente, de turbante, segurando um guarda-chuva desnecessário... o vasto toldo já os protegia dos lençóis de água.

— Estarei aqui, senhor, quando estiverem prontos — disse o chofer Lim.

— Ótimo. Obrigado — replicou Bartlett. Subiram os degraus e tomaram a escada rolante até o saguão.

— Está muito quieta, Casey — disse ele. Durante todo o percurso desde o hipódromo, mal haviam dito uma palavra um ao outro, ambos entregues aos próprios pensamentos.

— Você também, Linc. Pensei que não queria conversar. Parecia distraído. — Ela ensaiou um sorriso. — Talvez tenha sido a emoção.

— Foi um grande dia.

— Acha que o tai-pan vai conseguir? A compra de controle da General Stores?

— A segunda-feira dirá. — Bartlett foi até o balcão da recepção. — O sr. Banastasio, por favor?

O assistente de gerente eurasiano e bonitão falou:

— Um momento, por favor. Ah, sim, ele mudou de quarto de novo. Agora está no 832.

Passou a Bartlett um telefone direto, e Bartlett discou.

— Pronto?

— Vincenzo? Linc. Estou aqui embaixo.

— Ei, Linc, que bom ouvir sua voz! Casey está com você?

— Claro.

— Querem subir?

— Estamos a caminho.

Bartlett voltou para junto de Casey.

— Tem certeza de que quer que eu vá junto?

— Ele pediu que fosse. — Bartlett foi na frente, em direção ao elevador, pensando em Orlanda e no encontro deles, mais tarde, pensando em Biltzmann, em Gornt e na viagem a Taipé no dia seguinte, e se deveria ou não perguntar a Dunross se podia levá-la. "Que merda, como a vida ficou complicada de repente!" — Vai demorar só uns minutos — disse —, depois vamos tomar coquetéis com o tai-pan. O fim de semana vai ser interessante. E a semana que vem.

— Vai jantar fora hoje à noite?

— Vou. Devemos tomar café juntos amanhã. Seymour está precisando se situar direito, e, como vou passar fora dois dias, acho melhor colocarmos as cartas na mesa.

Entraram no elevador, junto com mais um monte de gente. Casey conseguiu evitar ser pisoteada e enfiou o salto do sapato no peito do pé de sua atacante.

— Ah, desculpe — disse com meiguice, depois murmurou um "Dew neh loh moh", que Peter Marlowe lhe ensinara à tarde, alto o bastante para a mulher ouvir. Notou o súbito rubor da mulher, que saltou apressadamente no mezanino, e Casey soube que obtivera uma grande vitória. Divertida, lançou um olhar para Bartlett, mas ele estava imerso em seus pensamentos, fitando o espaço, e ela se perguntou qual seria o problema real. Orlanda?

Saltaram no oitavo andar. Ela acompanhou Bartlett pelo corredor.

— Sabe do que se trata, Linc? O que Banastasio quer?

— Ele disse que só queria dar um alô e bater um papinho. Bartlett apertou a campainha. A porta se abriu. Banastasio era um homem bonitão, de cabelos grisalhos e olhos muito escuros. Recebeu-os com cordialidade.

— Ei, Casey, emagreceu... está linda! Uma bebida? Fez um gesto de mão na direção do bar, que continha de tudo. Casey preparou um martíni para si mesma, depois de abrir uma lata de cerveja para Bartlett, imerso em pensamentos. "Peter Marlowe tem razão. O tai-pan também. E o Linc também. Só o que tenho a fazer é decidir. Até quando? Muito breve. Hoje, amanhã? Sem dúvida até o jantar de terça-feira. Absolutamente, cem por cento, pra valer, e nesse meio tempo, talvez eu deva começar algumas incursões diversivas."