— Como é que Philby, Klaus Fuchs, Sorge, Rudolf Abel, Blake e todos os outros foram possíveis?
— Por quanto tempo precisariam dele? Sinders deu de ombros, fitando-o.
Dunross devolveu o olhar. O silêncio chegava a doer.
— Destruiu os originais?
— Não, e devo admitir que também notei uma diferença entre todas as cópias que lhe entreguei e o original que vocês interceptaram. Estava planejando ligar para o Alan e perguntar o porquê da diferença.
— Com que freqüência entrava em contato com ele?
— Uma ou duas vezes por ano.
— O que sabia a respeito dele? Quem lhe sugeriu o nome dele?
— Sr. Sinders, estou disposto a responder às suas perguntas, sei que é meu dever responder a elas, mas hoje a hora não é apropriada, porque...
— Talvez seja, sr. Dunross. Não estamos com pressa.
— Ah, concordo. Mas, infelizmente, tenho convidados à minha espera, e minha associação com Alan não tem nada a ver com a minha proposta. Minha proposta exige um simples sim ou não.
— Ou um talvez. Dunross fitou-o atentamente.
— Ou um talvez.
— Pensarei no que o senhor disse.
Dunross sorriu com seus botões, curtindo o "gato e rato" das negociações, consciente de que estava lidando com mestres. Deixou o silêncio pesar novamente, até o momento exato.
— Muito bem. Alan disse que ficaria por minha conta. No momento nem sei do que se trata. Dou-me conta de que estou fora do meu ambiente, e não deveria estar envolvido em assuntos do sei ou da MI-6. Não foi escolha minha. Vocês interceptaram minha correspondência particular. Meu trato com Alan foi bem claro: eu tinha a declaração dele por escrito de que tinha permissão para estar a meu serviço, e que acertaria tudo antecipadamente com o governo. Eu lhe darei cópias da nossa correspondência, se quiser, através dos canais competentes, com as cláusulas corretas de sigilo. Meu entusiasmo pela minha oferta diminui a cada minuto que passa. — A sua voz tornou-se mais dura. — Talvez não importe para o sei ou para a MI-6 que Hong Kong inteira apodreça, mas para mim importa. Portanto, estou fazendo a oferta pela última vez. — Levantou-se. — Ela é válida até oito e trinta.
Nenhum dos dois outros homens se moveu.
— Por que oito e trinta, sr. Dunross? Por que não meia-noite ou meio-dia de amanhã? — perguntou Sinders, serenamente. Continuava a fumar o seu cachimbo, mas Dunross notou que o ritmo tinha sido interrompido no momento em que ele lançara o desafio. "Bom sinal", pensou.
— É quando terei que ligar para Tiptop. Obrigado por me terem recebido — disse Dunross, dirigindo-se para a porta.
Crosse, sentado atrás da escrivaninha, lançou um olhar para Sinders. O homem mais velho fez um sinal de cabeça. Obedientemente, Crosse apertou o botão. As trancas deslizaram silenciosamente. Dunross parou de chofre, espantado, mas logo se recobrou, abriu a porta e saiu sem fazer comentários, fechan-do-a atrás de si.
— Sacana controlado — falou Crosse, com admiração.
— Controlado demais.
— Não demais. Ele é tai-pan da Casa Nobre.
— E um mentiroso, mas hábil, e está disposto a nos levar no bico. Será que ele destruiria "a coisa"?
— Sim. Mas não sei se a hora H é oito e trinta. — Crosse acendeu um cigarro. — Estou inclinado a pensar que sim. Devem tê-lo pressionado enormemente... naturalmente presumiram que estamos interrogando o cliente. Tiveram tempo de sobra para estudar as técnicas soviéticas, e têm também seus próprios macetes. Devem imaginar que também somos razoavelmente eficientes.
— Estou inclinado a pensar que ele não tem mais nenhuma pasta, e que "a coisa" é genuína. Se vem da parte do Alan, deve ter um valor especial. O que você aconselha?
— Repito o que disse ao governador: se pudermos ficar com o cliente até segunda ao meio-dia, extrairemos dele tudo de importância.
— Mas, e quanto a eles? O que poderá contar a nosso respeito, quando se recuperar?
— Agora já sabemos da maior parte. Com respeito a Hong Kong, sem dúvida, poderemos cobrir qualquer problema de segurança, daqui por diante. É política padrão do sei jamais permitir a qualquer pessoa conhecer totalmente os planos principais e...
— Exceto você. Crosse sorriu.
— Exceto eu. E você, no Reino Unido, é claro. O cliente sabe um bocado, mas não tudo. Podemos cobrir tudo por aqui, modificar códigos, etc. Não se esqueça de que a maior parte do que ele passou adiante era rotina. O perigo real que ele representava já acabou. Foi descoberto, felizmente a tempo. Tão certo como Deus criou os peixinhos do mar, ele teria sido o primeiro comissário chinês, e provavelmente acabaria como chefe do sei. Isso teria sido catastrófico. Não podemos recuperar os dossiês particulares, Fong-fong e outros, os planos de levantes e contra-insurreições. Um levante é um levante, e só pode haver um número determinado de planos de contingência. Quanto à Sevrin, ele não sabe mais do que nós sabíamos antes de pegá-lo. Talvez o pacote de Alan nos possa fornecer chaves, possivelmente chaves às perguntas que devíamos fazer-lhe.
— Isso também me ocorreu instantaneamente. Como já disse, o sr. Dunross é controlado demais. — Sinders acendeu outro fósforo, deixou-o queimar por um momento, depois juntou-o ao fumo já usado. — Acredita nele?
— Quanto às pastas, não sei. Sem dúvida acredito que ele tenha "algo", e que Alan retornou dos mortos. Lamento nunca tê-lo conhecido. É. O tal "algo" bem que podia ser mais importante que esse cliente... depois da segunda ao meio-dia. Ele está praticamente no bagaço.
Desde que haviam voltado, o interrogatório de Brian Kwok continuara, na sua maior parte palavras ocas e incoerentes, mas aqui e ali detalhes de valor. Mais notícias das armas atômicas, nomes e endereços de contatos em Hong Kong e Cantão, medidas de segurança em Hong Kong e amostras de informações sobre a Real Polícia Montada, junto com uma reiteração imensamente interessante da vasta infiltração soviética no Canadá.
— Por que no Canadá, Brian? — indagara Armstrong.
— A fronteira setentrional, Robert... A cerca mais fraca do mundo, quase inexistente. Riquezas tão grandes no Canadá... ah, quem me dera! Tinha essa garota com quem quase me casei, disseram que o meu dever... se os soviéticos podem arrebentar os canadenses... são tão confiantes e maravilhosos, Iá... Quer me dar um cigarro?... ah, obrigado... Posso beber alguma coisa? Então temos aparelhos de contra-espionagem para destruir os aparelhos soviéticos e descobrir... e há o México, também... Os soviéticos estão agindo com força ali... É, eles têm agentes por toda parte... sabia que Philby...
Uma hora fora suficiente.
— É curioso ele ter cedido com tanta rapidez — comentou Sinders.
Crosse ficou chocado.
— Garanto que ele não está sendo controlado, não está mentindo, que está contando absolutamente tudo em que acredita, o que aconteceu, e continuará agindo assim até...
— Mas claro — disse Sinders, com uma ponta de irritação. — Eu quis dizer que é curioso um homem da qualidade dele desabar tão depressa. Diria que há anos que ele vem oscilando, que sua dedicação, atualmente, era inexistente ou muito pequena, e provavelmente estava pronto para passar para o nosso lado, mas não sabia como se libertar. Uma pena. Poderia ter sido valioso para nós. — O homem mais velho soltou um suspiro e acendeu outro fósforo. — Depois de algum tempo, isso sempre acontece com os toupeiras deles, profundamente entocados nas nossas sociedades. Existe sempre algum gesto de bondade, uma namorada ou um amigo, liberdade ou felicidade que vira todo o mundo deles de ponta-cabeça, os pobres sacanas. É por isso que venceremos, no final. Até mesmo na Rússia vão virar as mesas, e o KGB vai ter o que merece, dos russos, e é esse o motivo da pressão, agora. Nenhum soviético na face da terra pode sobreviver sem ditadura, polícia secreta, injustiça e terror. — Bateu o cachimbo no cinzeiro. O que restava do fumo estava molhado na base. — Não concorda, Roger?