— Alguns dos nossos costumes aqui são um tanto diferentes dos seus, Sr. Bartlett. Na maioria das vezes ela será bem-vinda... mas, às vezes, bem, pouparia muito embaraço se fosse excluída.
— Casey não fica embaraçada com facilidade.
— Não estava pensando no embaraço dela. Desculpe ser franco, mas, tudo somado, talvez fosse mais sensato.
— E se eu não "me sujeitar"?
— Provavelmente significará que vai perder uma oportunidade única, o que seria uma pena... principalmente se pretende ter uma associação a longo prazo com a Ásia.
— Pensarei no assunto.
— Desculpe, mas preciso de uma resposta agora.
— Precisa?
— Preciso.
— Então vá para o diabo! Dunross abriu um sorriso.
— Não vou, não. Como é, definitivamente: sim ou não? Bartlett desatou a rir.
— Já que não tenho outra escolha, pode contar comigo para ir a Taipé.
— Ótimo. Naturalmente, minha mulher cuidará da srta. Tcholok enquanto estivermos fora. Ela não se sentirá desprestigiada.
— Obrigado. Mas não precisa se preocupar com Casey. Que jeito vai dar no Armstrong?
— Não vou dar jeito nenhum nele. Apenas solicitar ao comissário assistente que me permita ficar responsável pelo senhor, ida e volta.
— Vou ficar em liberdade condicional, sob sua custódia?
— É.
— Como sabe que não vou sair da cidade? E se eu estiver mesmo contrabandeando as armas?
Dunross fitou-o.
— Talvez esteja. Talvez tente... mas posso trazê-lo de volta vivo ou morto, como dizem no cinema. Hong Kong e Taipé ficam dentro do meu feudo.
— Vivo ou morto, hem?
— Hipoteticamente, é claro.
— Quantos homens já matou na vida?
A atmosfera na sala se modificou, e os dois homens sentiram profundamente a mudança.
"Ainda não há nada de perigoso entre nós dois", pensou Dunross. "Ainda não."
— Doze — replicou, os sentidos alerta, embora a pergunta o houvesse pegado de surpresa. — De doze tenho certeza. Fui piloto de caça durante a guerra. Spitfires. Derrubei dois caças de um só passageiro, um Stuka e dois bombardeiros... Eram Dornier 17 e deveriam ter uma tripulação de quatro homens cada. Todos os aviões incendiaram-se ao cair. De doze tenho certeza, Sr. Bartlett. Claro que atiramos em muitos trens, comboios, concentrações de tropas. Por quê?
— Ouvi dizer que foi aviador. Acho que nunca matei ninguém. Estava construindo campos, bases no Pacífico, coisas assim. Nunca disparei uma arma com raiva.
— Mas gosta de caçar?
— Gosto. Participei de um safári no Quênia, em 1959. Matei um elefante e um grande antílope africano, e muitos animais para a panela.
— Acho que prefiro matar aviões, trens e barcos. Os homens, na guerra, são incidentais. Não são? — disse Dunross depois de uma pausa.
— Uma vez que o general foi posto em campo pelo governante, é claro. É um fato da guerra.
— Leu A arte da guerra, de Sun Tse?
— O melhor livro sobre a guerra que já li — falou Bartlett entusiasticamente. — Melhor que Clausewitz ou Liddel Hart, embora tenha sido escrito em 500 a.C.
— É? — Dunross recostou-se na cadeira, satisfeito por deixarem as mortes de lado. "Há anos que não me lembrava dessas mortes", pensou. "Não é justo para com aqueles homens, é?"
— Sabia que o livro de Sun Tse foi publicado em francês em 1782? Tenho uma teoria de que Napoleão tinha um exemplar dele.
— É certo que foi publicado em russo... e Mao sempre carregava consigo um exemplar supermanuseado — falou Dunross.
— O senhor o leu?
— Meu pai me forçou, tive que lê-lo no original... em chinês. E depois ele me fazia perguntas, muito seriamente.
Uma mosca começou a bater irritantemente contra a vidraça.
— Seu pai queria que fosse soldado?
— Não. Sun Tse, como Maquiavel, escreveu mais sobre a vida do que sobre a morte... e mais sobre a sobrevivência do que a guerra...
Dunross olhou para a janela, depois se levantou e foi até lá, destruindo a mosca com uma selvageria controlada que serviu como uma advertência a Bartlett.
Dunross voltou para a mesa.
— Meu pai achava que eu devia entender de sobrevivência, e saber como lidar com grandes grupos de homens. Queria que fosse digno de ser tai-pan, algum dia, embora achasse que eu nunca ia valer grande coisa.
Deu um sorriso.
— Ele também foi tai-pan?
— Foi. E muito bom. No começo.
— O que aconteceu?
Dunross deu uma risada sardônica.
— Querendo descobrir nossos segredos de família tão cedo, Sr. Bartlett? Bem, em resumo, tivemos uma diferença de opinião muito aborrecida e prolongada. Então, ele passou o cargo para o meu antecessor, Alastair Struan.
— Ele ainda vive?
— Vive.
— Quer dizer, em sua discrição britânica, que foi à luta com ele?
— Sun Tse é muito específico sobre ir à luta, Sr. Bartlett. É muito ruim guerrear, a não ser que seja necessário. Citando-o: "A suprema excelência do generalato consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar".
— O senhor o quebrou?
— Ele se retirou do campo, Sr. Bartlett, como homem sensato que era.
A fisionomia de Dunross endurecera. Bartlett o fitava. Os dois homens sabiam que, mesmo a contragosto, estavam traçando linhas de batalha.
— Estou contente por ter vindo a Hong Kong — disse o americano. — Estou contente por tê-lo conhecido.
— Obrigado. Quem sabe um dia não estará. Bartlett deu de ombros.
— Quem sabe. Entrementes, temos um negócio em estudos... bom para vocês, bom para nós. — Abriu um sorriso repentino, lembrando-se de Gornt e da faca de cozinha. — É. Estou contente por ter vindo a Hong Kong.
— O senhor e Casey aceitariam ser meus convidados hoje à noite? Vou dar uma festinha modesta, por volta das oito e meia.
— Traje a rigor?
— Dinner jacket, está bem?
— Ótimo. Casey falou que vocês gostam de black-tie e coisa e tal. — Foi então que Bartlett notou o quadro na parede: uma tela antiga de uma linda chinesinha barqueira carregando um garotinho inglês, com os cabelos louros presos numa trança. — É um Quance? Um Aristotle Quance?
— É, é sim — disse Dunross, mal disfarçando a surpresa. Bartlett aproximou-se e examinou o quadro.
— Este é o original?
— É. Entende muito de arte?
— Não, mas Casey me falou de Quance quando vínhamos para cá. Disse que é quase como um fotógrafo, um historiador dos tempos antigos.
— É mesmo.
— Se me lembro direito, este aqui é o retrato de uma moça chamada May-may, May-may T'Chung, e a criança é um dos filhos que teve com Dirk Struan?
Dunross ficou calado, fitando as costas de Bartlett. Bartlett olhou mais de perto.
— É difícil enxergar os olhos. Então o garoto é Gordon Chen, o futuro Sir Gordon Chen?
Virou-se e olhou para Dunross.
— Não sei ao certo, Sr. Bartlett. Esta é uma das histórias que correm.
Bartlett observou-o por um momento. Os dois homens combinavam bem, Dunross um pouquinho mais alto, mas Bartlett de ombros mais largos. Ambos tinham olhos azuis, os de Dunross levemente mais esverdeados, os de ambos bem espaçados em rostos vividos.
— Gosta de ser o tai-pan da Casa Nobre? — perguntou Bartlett.
— Gosto.
— Não sei ao certo quais os poderes de um tai-pan, mas na Par-Con posso contratar e despedir quem quiser, e posso fechar a companhia, se me der na telha.
— Então, é um tai-pan.
— Então, também gosto de ser tai-pan. Quero pôr um pé na Ásia, o senhor, nos Estados Unidos. Juntos podemos enfiar toda a costa do Pacífico numa sacola e carregá-la, nós dois.
"Ou preparar uma mortalha para um de nós", pensou
Dunross, gostando de Bartlett, a despeito de saber que era perigoso gostar dele.
— Tenho o que lhe falta, o senhor tem o que me falta.
— É — concordou Dunross. — E agora o que nos falta é almoçar.