— Sim, camarada comandante?
— Quanto tempo vai demorar para escrever as instruções?
— Alguns minutos. Posso fazê-lo agora, se desejar, mas terei que voltar ao hotel para pegar as substâncias químicas.
— Quantos tipos diferentes deverão ser usados?
— Três: um para fazer dormir, outro para acordar, e o último, o Pentothal V6. A propósito, ele deve ser mantido em temperatura baixa até ser usado.
— Apenas o último é aplicado na veia?
— É.
— Ótimo, então anote tudo. Agora. Tem papel? Koronski fez que sim, e tirou um pequeno caderno de
notas do bolso da calça.
— Prefere em russo, inglês, ou taquigrafia?
— Russo. Não há necessidade de escrever a técnica de acordar-dormir-acordar. Eu a usei muitas vezes. Só a última fase, e não cite nominalmente o Pentothal-V6, chame-o apenas de remédio. Compreendeu?
— Perfeitamente.
— Ótimo. Quando tiver acabado, coloque-o ali. — Indicou uma pequena pilha de jornais usados sobre o sofá comido de traças. — Ponha-o no segundo de cima para baixo. Apanharei depois. Quanto às substâncias químicas, há um banheiro de homens no andar térreo do Hotel Nove Dragões. Prenda-as com adesivo à parte de dentro da tampa, no último reservado da direita... e por favor, esteja no seu quarto às nove da noite, para o caso de eu precisar de algum esclarecimento. Está claro?
— Sem dúvida.
Suslev se levantou. Imediatamente Koronski fez o mesmo, estendendo-lhe a mão.
— Boa sorte, camarada comandante.
Suslev fez um sinal de cabeça cortês, apropriado a um inferior, e se retirou. Foi até o fim do corredor, atravessou uma porta empenada e subiu uma escada até o telhado. Sentiu-se melhor ao ar livre. O cheiro do quarto e o cheiro de Koronski o haviam desagradado. O mar o chamava, o oceano amplo e limpo, o cheiro de algas marinhas. "Será bom estar novamente no mar, longe da terra. O mar, o oceano e o navio mantêm a sanidade da gente."
Como a maioria dos telhados em Hong Kong, aquele estava lotado das mais diversas moradias improvisadas, o espaço alugado... a única alternativa para as encostas de lama superlotadas de favelas que ficavam nos Novos Territórios e nas colinas de Kowloon ou Hong Kong. Cada centímetro de espaço na cidade fora ocupado havia muito pelo vasto fluxo de imigrantes. A maioria das favelas era ilegal, como todas as moradias nos telhados, e conquanto as autoridades as proibissem e deplorassem, essas transgressões eram sabiamente ignoradas, pois para onde mais iriam aqueles infelizes? Não havia esgotos, água, nem a mais elementar higiene, mas ainda era melhor do que nas ruas. Do alto dos telhados, o método de se desfazer das coisas era arremessá-las para baixo. Os yan de Hong Kong sempre caminhavam no centro da rua, e nunca na calçada, mesmo que houvesse uma.
Suslev foi se abaixando por sob os varais de roupa, pisando o lixo trazido pelo mar, indiferente às obscenidades automáticas que o acompanhavam, divertindo-se com os molecotes que corriam à sua frente, gritando "Quai loh... quai loh!", rindo juntos, estendendo as mãos. Ele era yan de Hong Kong demais para dar-lhes algum dinheiro, embora sua pobreza e bom humor o emocionassem; assim, apenas xingou-os cordialmente e tocou de leve algumas cabeças tosadas.
No outro extremo do telhado, a entrada para o cortiço de Ginny Fu se projetava como um funil antigo. A porta estava entreaberta. Ele desceu.
— Alô, Gregy — falou Ginny Fu, ofegante, abrindo a porta da frente para ele. Estava vestida como ele mandara, num traje desmazelado de cule, com um grande chapéu de palha cônico descendo-lhe pelas costas, o rosto e as mãos sujos. — Que tal estou? Como artista de cinema, heya?
— Greta Garbo em pessoa — disse ele, com uma risada, enquanto ela corria para os seus braços e lhe dava um grande abraço.
— Quer mais "fuque-fuque" antes de partirmos, heya?
— Niet. Tempo de sobra nas próximas semanas. De sobra, heya? — Pousou-a no chão. Dormira com ela de madrugada, mais para provar sua virilidade do que por desejo. "Esse é o problema", pensou. "Não há desejo. Ela é enfadonha." — Bem, você entendeu o plano, heya?
— Oh, sim — disse ela, com imponência. — Vou até o barracão 7 e junto-me aos cules, carrego os fardos para navio. No navio, vou para a porta em frente à escada, entro e dou papel. — Tirou-o do bolso para mostrar que estava em segurança. No papel estava escrito em russo "cabine 3". Boradinov a estaria esperando. — Na cabine 3 posso usar banheiro, vestir roupas que você comprou, e esperar. — Outro grande sorriso. — Heya?
— Excelente!
As roupas tinham sido baratas, e comprá-las evitava levar bagagem. Era muito mais simples sem bagagem. Bagagem chamaria a atenção. Nada sobre ela devia ser notado.
— Certeza não precisa levar nada, Gregy? — perguntou, ansiosa.
— Não, só maquilagem, coisas de mulher. Tudo no bolso, compreendeu?
— Claro — respondeu, altiva. — Sou idiota?
— Ótimo. Então pode ir indo. Mais uma vez ela o abraçou.
— Ah, obrigado férias, Gregy... vou ser melhor do mundo — falou, e foi embora.
O encontro com Koronski dera-lhe fome. Foi até a geladeira velha e achou os chocolates que buscava. Comeu um deles, depois acendeu o fogão e começou a fritar uns ovos. Sua ansiedade começou a voltar. "Não se preocupe", ordenou a si mesmo. "O plano vai dar certo, você porá as mãos no tai-pan, e tudo será rotina no quartel-general da polícia.
"Deixe essas coisas de lado. Pense na Ginny. Talvez no mar não seja tão enfadonha. Ela ocupará as noites, algumas noites. O tai-pan, os dias, até atracarmos. A essa altura ele estará vazio, ela desaparecerá numa nova vida, esse perigo terá deixado de existir para sempre, e eu irei para a minha dacha, onde a diaba da Zergueiev estará esperando, e nós brigaremos, e ela me dirá todos os palavrões até que eu perca a paciência, e lhe arranque as roupas do corpo, talvez use o chicote de novo, e ela lutará e lutará até que eu entre nela à força e goze, goze levando-a comigo às vezes, Khristos, como eu adoraria que fosse sempre. Depois dormir, sem saber quando ela me matará enquanto durmo. Mas ela já foi avisada. Se alguma coisa me acontecer, meus homens a entregarão aos leprosos no leste de Vladivostok, com o resto da família dela."
O rádio deu o noticiário das sete em inglês:
"Bom dia. Aqui fala a Rádio Hong Kong. Espera-se mais chuva forte. O Victoria Bank confirmou oficialmente que assumirá todas as dívidas dos clientes do Ho-Pak, e pede a estes que façam fila pacificamente se necessitarem do dinheiro na segunda-feira.
"Durante a noite houve numerosos deslizamentos de terra e lama por toda a colônia. Os lugares mais atingidos foram as favelas acima de Aberdeen, Sau Ming Ping, e Sui Fai Terrace, em Wanchai, onde seis grandes deslizamentos de terra afetaram prédios naquela área. Ao todo, trinta e três pessoas pereceram, e teme-se que ainda haja muitas outras soterradas.
"Não há nenhuma novidade quanto ao brutal assassinato e seqüestro do sr. John Chen pela quadrilha dos Lobisomens. Foram oferecidas recompensas de cem mil dólares por informações que conduzam à sua captura.
"Notícias de Londres confirmam que as colheitas deste ano na URSS fracassaram novamente..."
Suslev não ouviu o resto do noticiário. Sabia que as notícias de Londres eram verdadeiras. Previsões altamente secretas do KGB haviam revelado que as colheitas ficariam mais uma vez abaixo do que era necessário até para a subsistência.
"Khristos, por que diabo não conseguimos nos alimentar?", tinha vontade de gritar, tendo visto de perto a fome, a intumescência e as dores, além das histórias pavorosas que o pai e a mãe lhe tinham contado.
"Então vai haver a fome mais uma vez, mais uma vez o apertar dos cintos, ter que comprar trigo do exterior, usando a nossa moeda estrangeira ganha a duras penas, nosso futuro em perigo, perigo terrível, a comida o nosso calcanhar-de-aquiles. Nunca o bastante. Nunca técnicos, tratores, fertilizantes ou dinheiro bastante, todo o dinheiro de verdade indo para armas, exércitos, aeroplanos e navios, em primeiro lugar, muito mais importante ficarmos fortes o bastante para nos protegermos dos porcos capitalistas e dos porcos revisionistas chineses e levarmos a guerra até eles, destroçando-os antes que nos destrocem, mas nunca comida o bastante para nós e para nossos Estados-tampão: os Bálcãs, a Hungria, a Tchecoslováquia, a Polônia, a Alemanha Oriental, as terras bálticas. Por que é que aqueles filhos da mãe podem alimentar-se, na maioria das vezes? Por que é que falsificam os dados relativos a suas colheitas e nos tapeiam, mentem e roubam de nós? Nós os protegemos, e o que fazem? Amarram a cara e nos odeiam, e no entanto, sem nossos exércitos e o KGB para manterem os dissidentes revisionistas nojentos na linha, eles fomentariam rebeliões (como na Alemanha Oriental e Hungria) e virariam as massas estúpidas contra nós.