"Mas a fome causa revolução. Sempre. A fome sempre fará com que as massas se sublevem contra o governo. Então, o que poderemos fazer? Mantê-los acorrentados (a todos) até esmagarmos os Estados Unidos e o Canadá e tomarmos conta dos seus trigais. Então, nosso sistema duplicará a colheita deles.
"Não se tente enganar", falou consigo mesmo, agoniado. "Nosso sistema agrícola não funciona. Nunca funcionou. Um dia funcionará. Nesse meio tempo, não conseguimos nos alimentar. Aqueles lavradores de merda, sem mãe, deviam..."
— Pare com isso — resmungou Suslev, em voz alta —, você não é responsável, o problema não é seu. Cuide dos seus próprios problemas e tenha fé no partido e no marxismo-leninismo.
Os ovos já estavam prontos, e ele preparou torradas. A chuva fustigava as janelas abertas. Cessara havia uma hora a torrente que durara a noite inteira, mas do outro lado da rua e acima do cortiço do lado oposto havia nuvens escuras. "Vem mais chuva por aí", pensou, "muito mais. Nesta droga de lugar ou há a maldita seca ou a maldita enchente!" Uma rajada de vento fustigou um dos barracos improvisados de papelão ensopado no telhado, fazendo com que desabasse. Imediatamente tiveram início os consertos estóicos, crianças que mal conseguiam andar já ajudando.
Com mãos hábeis, apreciando a ordem, ele arrumou um lugar para si à mesa, cantarolando ao compasso da música do rádio. "Está tudo jóia", tranqüilizou-se. "Dunross irá à festa, Koronski fornecerá os meios, Plumm, o cliente, Roger, a proteção, e só o que tenho a fazer é ir ao qg da polícia por cerca de uma hora, depois voltar calmamente para o meu navio. Com a maré da meia-noite, mando Hong Kong à merda, deixando os Lobisomens a enterrar os mortos..."
Os cabelos da sua nuca ficaram todos arrepiados ao ouvir a sirene de um carro de polícia que se aproximava. Ficou paralisado. Mas a sirene continuou o seu caminho. Logo o ruído desapareceu. Estoicamente, sentou-se e começou a comer. E então o telefone secreto tocou.
72
7h30m
O pequeno helicóptero Bell sobrevoou a cidade, logo abaixo da cerração, e continuou subindo as encostas para ultrapassar o funicular do Pico e os múltiplos prédios altos que pontilhavam os morros íngremes. Agora, o helicóptero estava quase na camada inferior das nuvens.
Cuidadosamente, o piloto subiu mais trinta metros, diminuiu a velocidade e ficou pairando, depois viu a pista de pouso nublada nos terrenos da Casa Grande, perto de um grande jacarandá. Imediatamente, baixou para aterrar. Dunross já estava à espera. Abaixou-se para evitar as hélices em movimento, entrou no lado esquerdo do aparelho e colocou o cinto de segurança e os fones de ouvido.
— Bom dia, Duncan — cumprimentou, ao microfone. — Pensei que não fosse conseguir chegar até aqui.
— Nem eu — falou o homem mais velho, e Dunross ajustou o volume do fone de ouvido, para escutar melhor. — Duvido que consigamos voltar, tai-pan. A cerração está baixando muito depressa de novo. Melhor irmos logo, se é que vamos. Assuma o controle.
— Lá vamos nós.
Suavemente, a mão esquerda de Dunross torceu a garra do acelerador, inverteu suavemente a marcha e levantou a alavanca, enquanto a mão direita movia a alavanca de controle para a direita, para a esquerda, para a frente, para trás, fazendo um circulozinho suave, tateando e buscando o bolsão de ar que estava se formando direitinho... a mão esquerda controlando a velocidade, a subida ou a descida, a direita, a direção, os pés nos pedais do leme de direção, mantendo firme o aparelho instável, impedindo a força de torção. Dunross adorava dirigir helicópteros. Era um desafio muito maior do que pilotar aviões de asas fixas. Exigia muito mais concentração e perícia, e ele esquecia seus problemas enquanto voava, purificando-se. Mas raramente voava sozinho. O céu era para os profissionais ou para aqueles que voavam diariamente. Por isso ele sempre tinha um piloto-instrutor ao lado, mas a presença do outro homem não empanava o seu prazer.
Suas mãos sentiram o bolsão aumentando, e logo o helicóptero ergueu-se do chão alguns centímetros. Instantaneamente, ele corrigiu o leve desvio para a direita, causado por uma rajada de vento. Verificou os instrumentos, atento aos perigos, olhar Iá fora, ouvidos atentos à música do motor. Quando tudo estava estável, aumentou a inversão; enquanto erguia a alavanca esquerda, moveu a alavanca de controle um pouco para a frente e para a esquerda, compensando com os pés, e fez uma curva derrapante para a esquerda, ganhando altura e velocidade para descer montanha abaixo.
Logo que o aparelho se estabilizou, ele apertou o botão de transmissão da alavanca de controle, comunicando-se com o controle de tráfego aéreo em Kai Tak.
— Cuidado com a ré — disse Mac.
— Pronto. Desculpe.
Dunross corrigiu uma fração depressa demais, e se xingou, depois colocou o helicóptero em posição direitinho, voando macio, a trezentos metros acima do nível do mar, dirigindo-se para o outro lado da baía, para Kowloon, os Novos Territórios e a área da subida do morro.
— Vai mesmo subir o morro, tai-pan?
— Duvido, Duncan — falou ao microfone. — Mas queria dar o nosso passeio, de qualquer maneira. Há uma semana que espero por ele.
Duncan Maclver dirigia o pequeno negócio de helicópteros do aeroporto. A maior parte do seu comércio era local, especialmente pesquisas encomendadas pelo governo. Às vezes a polícia o contratava, ou o Corpo de Bombeiros, ou a alfândega. Era um homem baixo, antigo membro da raf, com um rosto vincado, olhos muito amplos e vivos, que se moviam constantemente.
Logo que Dunross estabilizou o aparelho, Maclver inclinou-se para a frente e colocou círculos de papelão sobre os instrumentos, para forçar Dunross a voar apenas pelo tato e pelo ouvido, para escutar a arfagem e o tom; mais devagar significava que o motor estava dando mais de si, que estavam subindo — cuidado para não perder velocidade —, e mais depressa significava que estavam mergulhando, perdendo altitude.
— Tai-pan, olhe só para Iá. — Maclver apontou para a cicatriz que cortava uma das encostas logo antes de Kowloon; abria uma trilha por uma das imensas favelas. — Há deslizamentos de terra por toda parte. Ouviu o noticiário das sete?
— Ouvi.
— Deixe-me pegar o controle um minuto.
Dunross tirou as mãos e os pés dos controles. Maclver deu um lindo mergulho para chegar mais perto da favela e examinar os estragos. Eram grandes. Talvez duzentos barracos estivessem espalhados e soterrados. Outros, junto ao deslizamento, estavam agora mais precários do que antes. A fumaça dos incêndios que sempre acompanhavam os deslizamentos ainda pairava como uma cortina.
— Meu Deus! Que coisa terrível!
— Acordei de madrugada hoje. O Corpo de Bombeiros me pediu que os ajudasse na Colina Três, acima de Aberdeen. Há dois dias houve um deslizamento ali, e uma criança quase ficou soterrada. Ontem à noite houve novo desabamento no mesmo local. Muito perigoso. A área atingida mede sessenta metros por quinze, mais ou menos. Uns duzentos ou trezentos barracos sumiram, mas houve apenas dez mortos... uma sorte danada! — Maclver sobrevoou em círculo por um momento, tomou nota num bloquinho, depois levou o helicóptero de volta para a altitude e curso anteriores. Assim que ele ficou firme e estabilizado, falou: — É todo seu.