— Camarada coman...
Virou-se com violência para Boradinov e xingou-o em russo. O homem mais moço empalideceu e parou, apavorado.
— Vodca! Mais duas — pediu. — Por favor. A garçonete as trouxe.
— Meu nome Sally. Qual o seu, heya?
— Vá à merda — rosnou Boradinov.
— Dew neh loh moh para o seu vá à merda, heya? Você sr. Merda? Não gosto sua cara, sr. Merda, portanto vá à merda sem dizer palavrão.
Ela agarrou a garrafa de vodca e se preparou para continuar a batalha.
— Peça desculpas a ela — disse Suslev bruscamente, sem querer encrenca, sem ter certeza de que ela não era uma agente disfarçada, o bar ficando tão perto do QG da polícia.
Boradinov ficou chocado.
— O quê?
— Peça-lhe desculpas, seu bosta sem mãe!
— Desculpe — resmungou Boradinov afogueado. A garota achou graça.
— Ei, grandalhão, quer fuque-fuque?
— Não — retrucou Suslev. — Apenas mais vodca.
Crosse saltou do carro de polícia e entrou apressado no Edifício Struan, debaixo da chuva leve. Às suas costas as ruas estavam cheias de guarda-chuvas, trânsito congestionado, as calçadas superlotadas, gente que ia e vinha trabalhar, já que o domingo não era um dia de folga geral. Saltou no vigésimo andar.
— Bom dia, superintendente Crosse. Sou Sandra Yi, secretária do sr. Dunross. Por aqui, por favor.
Crosse acompanhou-a pelo corredor, os olhos notando o seu traseiro coberto pelo cheong-sam. Ela abriu uma porta para ele, que entrou.
— Alô, Edward — ele cumprimentou Sinders.
— Você também chegou cedo, como de costume. — Sinders bebia uma cerveja. — Velho hábito do exército, hem, a hora certa é cinco minutos adiantado?
Atrás dele, na luxuosa sala de reunião de diretoria, havia um bar bem suprido. E café.
— Quer tomar algo, senhor? Já preparei bloody marys — falou Sandra Yi.
— Obrigado, basta o café. Preto. Ela o serviu e se retirou.
— Como correu a coisa? — perguntou Crosse.
— O nosso visitante? Bem, tudo bem. Diria que o es-fíncter dele está em péssimas condições. — Sinders sorriu. — Gravei a sessão. Você poderá escutá-la depois do almoço. Ah, é, o almoço. Roger, pode-se comer peixe com batatas fritas em Hong Kong?
— Claro. É o que vamos comer.
Crosse abafou um bocejo. Passara a maior parte da noite revelando e tirando cópias do rolo de filme que usara na caixa-forte. Pela manhã, lera e relera as páginas verdadeiras de Alan com enorme interesse, entendendo por que Dunross fora tão circunspecto, e concordando com ele. Alan valia o quanto ganhava, fosse Iá quanto fosse, pensou. Não havia dúvida de que aquelas pastas valiam uma fortuna.
O relógio suspenso por argolas bateu as horas, agradavelmente. Meio-dia. A porta se abriu e Dunross entrou.
— Bom dia. Obrigado por terem vindo até aqui. Cortesmente, os outros dois se levantaram e apertaram-lhe a mão.
— Mais café?
— Não, obrigado, sr. Dunross.
Enquanto Crosse observava atentamente, Dunross tirou um envelope lacrado do bolso e ofereceu-o a Sinders. O homem mais velho pegou-o, sopesando-o na mão. Crosse notou que seus dedos tremiam ligeiramente.
— Naturalmente leu o conteúdo, não, sr. Dunross?
— Li, sr. Sinders.
— E?
— E nada. Veja por si mesmo.
Sinders abriu o envelope. Fitou a primeira página, depois folheou todas as onze. De onde estava, Crosse não podia ver o que havia nos pedaços de papel. Em silêncio, Sinders entregou-lhe o primeiro deles. As letras, números e símbolos do código não tinham sentido para ele.
— Parece que foram recortados de algum lugar. — Crosse olhou para Dunross. — Não é?
— E quanto ao Brian?
— Onde os arranjou, Ian?
Crosse notou que o olhar de Dunross se alterou um pouco.
— Mantive a minha parte da troca. Vão manter a sua? Sinders se sentou.
— Não concordei com uma troca, sr. Dunross. Apenas concordei em que era possível que se atendesse ao seu pedido.
— Quer dizer que não vão soltar Brian Kwok?
— É possível que ele esteja onde o senhor quer que esteja, na hora em que quer.
— Não pode ser mais preciso?
— Desculpe.
Fez-se um longo silêncio. O tique-taque do relógio enchia o aposento. Ouvia-se também o ruído da chuva. Outra rajada de vento e chuva veio e se foi. A chuva vinha caindo esporadicamente, desde a manhã. Os boletins meteorológicos previam que logo a tempestade passaria. Mas os reservatórios, apesar de toda a chuva, mal haviam sido tocados.
Dunross pediu:
— Quer me dizer as probabilidades? Precisamente. Por favor?
— Primeiro, três perguntas: o senhor próprio recortou estes papéis de algum lugar?
— Sim.
— De onde e como?
— Alan me dera instruções por escrito. Eu devia usar um isqueiro sob o quadrante inferior direito de algumas páginas que ele me mandara, um relatório datilografado inócuo. Quando aqueci as páginas, as letras datilografadas desapareceram, e o que surgiu foi isso que vocês viram. Quando acabei, novamente seguindo as instruções dele, recortei os pedaços pertinentes e destruí o resto. E a carta dele.
— Guardou cópias?
— Dos onze pedaços? Sim.
— Tenho que lhe pedir que me sejam entregues.
— O senhor as receberá quando completar o nosso trato — falou Dunross, com voz agradável. — Bem, quais são as probabilidades?
— Por favor, dê-me as cópias.
— Darei, quando cumprir a sua parte. Segunda-feira, ao pôr-do-sol.
Os olhos de Sinders ficaram ainda mais frios.
— As cópias, agora, faça o favor.
— Quando o senhor cumprir a sua parte. É irrevogável. Agora, quais as probabilidades?
— Meio a meio — falou Sinders, testando-o.
— Ótimo. Obrigado. Já providenciei para que na terça de manhã todas as onze páginas sejam publicadas no China Guardian e em dois jornais chineses, um nacionalista e um comunista.
— Então agirá assim por seu próprio risco. O governo de Sua Majestade não aprecia coação.
— Eu o ameacei? Não, absolutamente. Essas letras e números são uma confusão sem sentido, exceto, talvez... talvez para um perito decifrador de códigos. Talvez. Talvez isso tudo seja apenas uma piada de um morto.
— Posso impedi-lo segundo a Lei dos Segredos Oficiais.
— Sem dúvida, pode tentar — concordou Dunross. — Mas haja o que houver, com ou sem Lei dos Segredos Oficiais, se eu quiser, essas páginas serão publicadas em algum lugar da terra esta semana. Isso também é irrevogável. Alan deixou o assunto nas minhas mãos. Mais alguma coisa, sr. Sinders?
Sinders hesitou.
— Não. Não, obrigado, sr. Dunross. Igualmente cortês, Dunross virou-se e abriu a porta.
— Desculpe, tenho que voltar ao trabalho. Obrigado por terem vindo.
Crosse deixou Sinders sair na frente e acompanhou-o até o elevador. Sandra Yi, à mesa de recepção, já havia apertado o botão para eles.
— Ah, com licença, senhor — disse ela para Crosse —, sabe me dizer quando o superintendente Kwok vai voltar à colônia?
— Não tenho certeza — respondeu Crosse, fitando-a. — Posso perguntar, se desejar. Por quê?
— Íamos jantar juntos na sexta-feira à noite, e nem a governanta dele nem o seu escritório souberam informar.
— Terei prazer em perguntar.
A campainha tocou no painel telefônico.
— Oh, obrigada, senhor. Alô, Struan — disse ao telefone.
— Um momentinho. — Começou a completar a ligação. Crosse ofereceu um cigarro a Sinders enquanto esperavam, vendo os números do elevador se aproximando. — Sua ligação para o sr. Alastair, tai-pan — disse Sandra Yi, ao telefone. A campainha tocou de novo no painel. — Alô — atendeu Sandra Yi.