Após uma pausa, ele disse:
— Você estará no Japão daqui a duas semanas?
Riko ergueu os olhos para ele, que sentiu o espírito se contrair ante tanta beleza.
— Sim, se você quiser — disse ela.
— Eu quero.
75
14h30m
O Sea Witch estava atracado ao largo do porto de barcos de Sha Tin, onde haviam ancorado para almoçar. Logo que chegaram, o cozinheiro, Casey e Peter Marlowe tinham ido a terra, com Gornt no comando, para escolherem os pitus, camarões e peixes que ainda nadavam nos aquários. Depois, tinham seguido para o mercado movimentado para comprar legumes fresquinhos. O almoço fora composto de camarões passados na manteiga com brócolos frescos, depois peixe esfregado com alho e frito, servido com salada de verduras chinesas, também al dente.
O almoço fora animadíssimo, as garotas chinesas eram divertidas e alegres, todas falando os mais variados níveis de um inglês picante. Dunstan Barre estivera colérico e gozadérrimo, no que foi acompanhado pelos outros. Casey achou que os homens estavam diferentes, que estavam mais soltos e infantis, e julgou aquilo muito triste. A conversa se concentrara nos negócios, e naquelas poucas horas ela aprendera mais sobre as técnicas de Hong Kong do que em todas as leituras que fizera. Tornava-se cada vez mais claro que, a não ser que você estivesse "por dentro", o poder e as riquezas reais lhe escapariam.
— Ah, vocês se sairão muito bem aqui, Casey, você e o Bartlett — dissera Barre. — Se jogarem segundo as regras de Hong Kong, as estruturas fiscais de Hong Kong, e não as regras dos Estados Unidos, não é, Quillan?
— Depende. Se fecharem negócio com Dunross e a Struan, se é que a Struan e Dunross ainda existirão como entidade até a sexta-feira, obterão algum leite, mas nenhum creme.
— Com você nos sairemos melhor? — perguntara ela. Barre soltara uma risada.
— Muitíssimo melhor, Casey, mas ainda será leite e muito pouco creme!
— Digamos, Casey, que conosco o leite será homogeneizado — dissera Gornt afavelmente.
Agora, o cheiro delicioso de café recém-torrado e moído subia da cozinha do barco. A conversa à mesa era geral, brincadeiras trocadas entre todos, especialmente para diverti-la, sobre o comércio na Ásia, oferta e procura, e a atitude asiática em relação ao contrabando, com as moças chinesas tagarelando entre si.
Abruptamente, a voz de Grey, com uma nota cortante, interrompeu a conversa.
— É melhor perguntar ao Marlowe sobre isso, sr. Gornt. Ele sabe tudo sobre contrabando e chantagem, da nossa época em Changi.
— Qual é, Grey! — disse Peter Marlowe no súbito silêncio. — Sem essa!
— Pensei que você tivesse orgulho disso, você e seu amigão ianque, o contrabandista. Não tinham?
— Vamos parar com isso, Grey — disse Marlowe, de cara amarrada.
— Como quiser, meu velho. — Grey virou-se para Casey.
— Pergunte a ele.
— Esta não é a hora apropriada para reavivar antigas rixas, sr. Grey — disse Gornt. Manteve a voz calma, não deixou a satisfação transparecer no rosto, externamente o anfitrião perfeito.
— Ah, mas não é o que eu estava fazendo, sr. Gornt. O senhor estava falando em contrabando e mercado negro. Marlowe é perito no assunto, só isso.
— Vamos tomar café no convés? — convidou Gornt, levantando-se.
— Boa idéia. Uma xícara de café sempre cai bem depois da gororoba — disse Grey, usando a palavra deliberadamente, sabendo que os ofenderia, já pouco se importando, subitamente cansado das brincadeiras, odiando a todos e ao que representavam, detestando ser o homem que estava sobrando ali, querendo uma das garotas, qualquer uma. — Marlowe e o amigo ianque dele costumavam torrar os grãos no campo enquanto o resto de nós morria de fome — disse ele, a fisionomia crua.
— Aquilo nos deixava malucos. — Olhou para Peter Marlowe, o ódio agora sem disfarce. — Não é?
Depois de uma pausa, Peter Marlowe disse:
— Todos tinham café, às vezes. Todos torravam os grãos de café.
— Não como vocês dois. — Grey virou-se para Casey.
— Eles tomavam café todos os dias, ele e seu amigo ianque. Quanto a mim, era o chefe da polícia militar do campo, e só o tomava uma vez por mês, se tivesse sorte. — Voltou a olhar para Marlowe. — Como é que vocês conseguiam café e comida enquanto o resto de nós morria de fome?
Casey notou a veia saltando na testa de Peter Marlowe, e se deu conta, horrorizada, de que quem cala consente.
— Robin... — começou ela, mas Grey a interrompeu, a voz debochada.
— Por que não responde, Marlowe?
No silêncio que se seguiu, todos olharam de Grey para Peter Marlowe, que se enfrentavam. Até mesmo as garotas ficaram alerta, sentindo a tensão na cabine.
— Meu caro — interrompeu Gornt, usando deliberadamente a nuance de sotaque que sabia irritaria Grey —, isso sem dúvida já são águas passadas e não importa mais. É domingo à tarde e somos todos amigos.
— Eu acho que importa, sendo ou não domingo à tarde, e Marlowe e eu não somos amigos, e jamais fomos! Ele é "gente bem", eu não sou. — Grey imitou o sotaque que abominava.
— É, mas a guerra mudou tudo, e nós, trabalhadores, jamais nos esqueceremos!
— Você se considera um trabalhador, e a mim, não? — perguntou Peter Marlowe, a voz áspera.
— Somos os explorados, vocês, os exploradores. Como em Changi!
— Mude esse disco quebrado, Grey! Changi era outro mundo, outro local, outra época e...
— Era a mesma coisa que em todos os lugares. Havia os que mandavam e os que eram mandados, os trabalhadores e os que sugavam os trabalhadores. Como você e o Rei.
— Quanta besteira!
Casey estava perto de Grey e tomou-lhe o braço.
— Vamos tomar café, está bem?
— Claro — disse Grey. — Mas, primeiro, pergunte a ele, Casey. — Grey se manteve firme, ciente de que, finalmente, encurralara seu inimigo diante dos seus pares. — Pergunte a ele, sr. Gornt. Qualquer um de vocês...
Todos ficaram parados, em silêncio, encabulados por Peter Marlowe e chocados com as acusações implícitas... Gornt e Plumm intimamente divertidos e fascinados. Então, uma das moças dirigiu-se para a escada e retirou-se discretamente. As outras a seguiram. Casey também gostaria de ter-se retirado, mas não o fez.
— Agora não é hora, sr. Grey — ouviu Gornt dizer suavemente, e ficou feliz por ele estar ali para acabar com aquilo.
— Quer fazer a gentileza de mudar de assunto? Por favor?
Grey olhou para todos eles, fitando por último o seu adversário.
— Está vendo, Casey, nenhum deles tem peito de perguntar... pertencem todos à classe dele, a tão falada classe alta, e cuidam dos que são iguais a eles.
Barre enrubesceu.
— Escute aqui, meu velho, não acha... Peter Marlowe falou, com voz inexpressiva:
— É fácil parar com essa bobagem. Não se pode equiparar Changi... ou Dachau, ou Buchenwald, com a normalidade. Simplesmente não dá. Havia regras diferentes, padrões diferentes. Éramos soldados, prisioneiros de guerra, a maioria adolescentes. Changi foi a gênese, tudo novo, tudo de ponta-cabeça, tudo...
— Você transou com mercado negro?
— Não. Era intérprete de malaio para um amigo que era comerciante, e há uma grande diferença entre comércio e mercado negro, e...
— Mas era contra as regras do campo, a lei do campo, e isso o torna mercado negro, certo?
— Comerciar com os guardas era contra as regras inimigas, regras japonesas.
— E conte a eles como o Rei comprava o relógio, o anel ou a caneta de um infeliz por uma ninharia, a última coisa que ele possuía no mundo, e a vendia por um preço alto, e sempre roubava, sempre roubava no preço, sempre roubava, não é?
Peter Marlowe devolveu-lhe o olhar.
— Leia o meu livro. Nele...