— E o que aconteceu a esse homem, a esse sujeito que você chama de Rei? Depois da guerra?
Pugmire interrompeu com uma risada.
— Um dos sacanas no nosso campo, que era negociante, acabou virando um danado dum milionário. Aconteceu o mesmo com esse Rei?
— Não sei — replicou Peter Marlowe.
— Não o viu mais, Peter? — indagou Casey, surpresa. — Não voltou a vê-lo nos Estados Unidos?
— Não, nunca. Tentei encontrá-lo, mas nunca tive sorte.
— É o que geralmente acontece, Casey — disse Gornt, com naturalidade. — Quando se deixa um regimento, todas as dívidas e amizades são canceladas.
Estava muito satisfeito. "Tudo está saindo perfeito", falou com seus botões, pensando na cama de casal no seu camarote, e sorriu para ela, do outro lado do convés. Ela retribuiu o sorriso.
Riko Anjin Gresserhoff entrou no saguão do Victoria and Albert. Estava cheio de gente que tomava o chá cedo, ou que almoçava tarde. Enquanto se dirigia para o elevador, um tremor a percorreu, os olhares incomodando-a... não os olhares habituais de luxúria dos europeus, ou os olhares de aborrecimento das suas mulheres... mas olhares chineses e eurasianos. Jamais sentira antes um ódio tão generalizado. Era uma sensação estranha. Era a primeira vez que saía da Suíça, além das viagens para o colégio na Alemanha e duas viagens a Roma com a mãe. O marido só a levara para o exterior uma vez, para Viena, por uma semana.
"Não gosto da Ásia", pensou, abafando outro estremecimento. "Mas afinal, não é a Ásia, é apenas Hong Kong, sem dúvida é apenas aqui, o povo daqui. E sem dúvida eles têm razão de demonstrar antagonismo. Será que vou gostar do Japão? Serei uma estranha, mesmo Iá?"
O elevador chegou e ela subiu à sua suíte no sexto andar, mas o camareiro não abriu a porta para ela. Sozinha e com a porta trancada, sentiu-se melhor. A luz vermelha de recados no telefone estava piscando, mas ela a ignorou, tirando rapidamente os sapatos, chapéu, luvas e casaco, colocando-os imediatamente num amplo armário, ao lado das demais roupas, arrumadas e organizadas, assim como os três pares de sapatos. A suíte era pequena mas graciosa; uma sala de estar, quarto e banheiro. Havia flores da Struan sobre a mesa, e uma vasilha de frutas do hotel.
Ela desembrulhou caprichosamente o pacote de presente. Encontrou uma caixa preta de veludo, retangular, e abriu-a. Sentiu-se inundada pela emoção. O pingente vinha numa corrente fina de ouro, o jade verde com reflexos de um verde mais claro, na forma de uma cornucópia. A luz se refletia na superfície polida. Prontamente ela o colocou, examinando-o ao espelho, admirando a pedra que repousava no seu peito. Nunca recebera jade anteriormente.
Por baixo do papelão preto, coberto de veludo, estava o envelope. Era um envelope comum, não da Struan, o lacre igualmente comum, vermelho. Com grande cuidado, ela enfiou um cortador de papel sob o lacre e examinou as páginas, uma por uma, com a testa ligeiramente franzida. Apenas um amontoado de números e letras, e um símbolo ocasional. Um sorrisinho satisfeito tocou-lhe os lábios. Achou a pasta com os papéis de carta do hotel e, acomodando-se confortavelmente à escrivaninha, começou a copiar as páginas, uma a uma.
Quando acabou, fez uma verificação. Colocou as cópias num envelope do hotel e fechou-o, os originais noutro envelope, um comum, que tirara da bolsa. Depois pegou um novo pedaço de lacre vermelho, acendeu um fósforo e encostou a cera que se derretia nos dois envelopes, lacrando-os, certificando-se de que o lacre no envelope dos originais fosse de padrão igual ao que Dunross fizera. O telefone tocou, sobressaltando-a. Ficou olhando para ele, com o coração batendo forte, até que parasse. Novamente relaxada, voltou ao seu trabalho, certificando-se de que não tivessem ficado marcas reveladoras no bloco que usara, examinando-o sob a luz. Logo que ficou satisfeita, selou o envelope que continha as cópias e endereçou-o para: R. Anjin, caixa postal 154, agência central, Sydney, Austrália. Em seguida, colocou os dois envelopes na bolsa.
Cuidadosamente, verificou novamente se não tinha deixado escapar nada, depois foi até uma pequena geladeira perto do bar bem provido, apanhou uma garrafa de água mineral com gás e bebeu um pouco.
O telefone tocou de novo. Ela ficou olhando para ele, bebericando a água mineral, a mente funcionando sem parar, fazendo verificações, pensando no seu almoço com Dunross, perguntando-se se fora sensato aceitar o convite dele para tomar coquetéis, logo mais, e depois ir jantar com ele e os amigos. "Será que haverá mesmo amigos ou vamos ficar sozinhos? Será que gostaria de ficar sozinha com aquele homem?"
Seus pensamentos se voltaram para o homenzinho desmazelado, ligeiramente calvo, chamado Hans Gresserhoff, e para os quatro anos de vida que tivera com ele, semanas sozinha, dormindo sozinha, acordando sozinha, andando sozinha, sem amigos de verdade, saindo raramente, o marido estranhamente reservado, aconselhando-a a não fazer amigos, querendo que ela ficasse sozinha, e sempre segura, calma, paciente. Essa era a parte mais difícil de suportar, pensou ela. Paciência sozinha, paciência juntos, dormindo ou acordada. Paciência e calma exterior. Quando o tempo todo ela era como um vulcão, desesperada para entrar em erupção.
Não havia dúvidas de que ele a amava. Tudo o que ela sentia por ele era giri, dever. Ele lhe dava dinheiro, e a vida dela era serena, nem rica nem pobre... equilibrada, como o país da escolha deles. As chegadas e partidas dele nunca eram programadas. Quando estava com ela, sempre a desejava, queria ficar perto dela. As relações sexuais deles o satisfaziam, mas não a ela, embora fingisse, para dar prazer a ele. "Mas, afinal", disse consigo mesma, "você não tem outro homem para estabelecer uma comparação.
"Ele era um bom homem, e foi como contei ao tai-pan. Tentei ser uma boa mulher para ele, obedecê-lo em tudo, respeitar o desejo de minha mãe, cumprir o meu giri para com ela e com ele. E agora?"
Baixou os olhos para a aliança e torceu-a no dedo. Pela primeira vez desde que se haviam casado, ela a tirou e a olhou de perto na palma da mão. Pequena, vazia e desinteressante. Tantas noites vazias, chorando, esperando, esperando, esperando. Esperando por quê? Por filhos proibidos, amigos proibidos, viagens proibidas. Não proibidos como o faria um japonês: Kin jiru! Mas de uma maneira tão sutil...
— Não acha, minha querida — dizia ele —, não acha que seria melhor você não ir para Paris enquanto eu estiver fora? Podemos ir da próxima vez em que eu vier...
Ambos sabiam que jamais iriam.
Aquela vez em Viena fora terrível. Fora no primeiro ano. Tinham ido passar Iá uma semana.
— Preciso sair esta noite — dissera ele, logo na primeira noite. — Por favor, fique no quarto, coma no quarto até eu voltar.
Dois dias se passaram, e quando ele voltou estava pálido e abatido, assustado, e imediatamente, na escuridão da noite, eles haviam tomado o seu carro alugado e fugido para a Suíça, indo pelo caminho mais longo, o caminho errado, subindo as montanhas do Tirol, os olhos dele vigiando constantemente os espelhos retrovisores, para o caso de estarem sendo seguidos, sem se falarem até terem cruzado novamente a fronteira em segurança.
— Mas por quê, por quê, Hans?
— Por nada! Por favor. Você não deve fazer perguntas, Riko. Foi o seu acordo... o nosso acordo. Lamento quanto às férias. Iremos para Wengen ou Biarritz, e será formidável, Iá será formidável. Por favor, lembre-se do seu gin e de que a amo do fundo do coração.
"Amor!
"Não compreendo esta palavra", pensou, de pé à janela, olhando para o porto, as nuvens escuras, a luz ruim. "É estranho que em japonês não tenhamos tal palavra. Apenas dever e nuances de dever, afeição e nuances de afeição. Não Liebe. Ai? Ai quer dizer na verdade respeito, embora algumas pessoas a usem no lugar de Liebe."
Riko se pegou pensando em alemão, e sorriu. Na maioria das vezes pensava em alemão, embora ao almoço, com o tai-pan, tivesse pensado em japonês. "Faz tanto tempo que não falo a minha própria língua! Qual é a minha própria língua? O japonês? É a língua que meus pais e eu falávamos. Alemão? É a língua da nossa parte da Suíça. Inglês? É a língua do meu marido, embora ele alegasse que o alemão era a sua língua natal.