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Instantaneamente, a atmosfera da sala se modificou. Lim e os outros criados hesitaram, chocados. Todos os olhares se dirigiram para Dunross. Bartlett achou que tinha ido longe demais, e Casey teve certeza disso. Estivera observando Dunross. A expressão dele não se modificara, mas os olhos, sim. Todos na sala sabiam que o tai-pan fora pressionado como por um adversário num jogo de pôquer. Jogue ou passe. Até a próxima terça-feira.

Ficaram esperando. O silêncio parecia pesar. E pesar.

Então, Dunross o rompeu.

— Dou-lhe a resposta amanhã — falou, com voz calma, e o momento passou. Todos suspiraram intimamente, os garçons continuaram seu trabalho e todos se descontraíram. Exceto Linbar. Ainda podia sentir as palmas das mãos molhadas de suor, porque somente ele, entre todos, conhecia o fio que corria por dentro de todos os descendentes de Dirk Struan — um ímpeto de violência repentino, estranho, quase primitivo —, e quase o vira vir à tona então, quase, mas não viera. Desta feita, fora embora. Mas o fato de saber que existia, e a sua proximidade, o aterrorizavam.

Ele próprio descendia do ramo de Robb Struan, meio irmão e sócio de Dirk Struan. Portanto não tinha o sangue de Dirk Struan nas veias. Ressentia-se disso amargamente, e detestava Dunross ainda mais por deixá-lo doente de inveja.

"A maldição da Bruxa Struan caia sobre você, maldito Ian Dunross, e sobre todos os seus descendentes", pensou, e estremeceu involuntariamente, ao pensar nela.

— O que foi, Linbar? — perguntou Dunross.

— Oh, nada, tai-pan — respondeu, quase morrendo de susto. — Nada... só um pensamento repentino. Desculpe.

— Que pensamento?

— Estava só pensando na Bruxa Struan.

A colher de Dunross ficou parada no ar, e os outros olharam para ele.

— Não é um pensamento que faça bem à digestão.

— Não, senhor.

Bartlett olhou para Linbar, depois para Dunross.

— Quem é a Bruxa Struan?

— Um esqueleto — replicou Dunross, com uma risada seca. — Temos muitos esqueletos escondidos nos armários da família.

— E quem não tem? — falou Casey.

— A Bruxa Struan foi o nosso eterno bicho-papão... ainda é.

— Não agora, tai-pan, sem dúvida — falou Gavallan. — Já morreu faz quase cinqüenta anos.

— Pode ser que morra conosco, com Linbar, Kathy e eu, com a nossa geração, mas duvido. — Dunross lançou um olhar estranho para Linbar. — Será que a Bruxa Struan vai sair do seu caixão hoje à noite para nos engolir?

— Juro por Deus que nem gosto de brincar assim com ela, tai-pan.

— Maldita seja a Bruxa Struan — disse Dunross. — Se estivesse viva, eu lhe rogaria uma praga cara a cara.

— Acho que sim. É — riu-se Gavallan. — Gostaria de ter visto a cena.

— Eu também. — Dunross riu com ele, até que viu a expressão de Casey. — Ah, é só bravata, Casey. A Bruxa Struan era um demônio dos infernos, se formos acreditar em metade das lendas sobre ela. Era a mulher de Culum Struan, filho de Dirk Struan, o nosso fundador. O nome dela era Tess, Tess Brock, e era a filha do inimigo ferrenho de Dirk, Tyler Brock. Culum e Tess fugiram para se casar em 1841, segundo a história. Ela estava com dezesseis anos e era uma beleza, e ele era o herdeiro da Casa Nobre. É uma história à la Romeu e Julieta... só que eles viveram, e o casamento deles não diminuiu em nada o ódio mortal entre Dirk e Tyler, ou entre os Struans e os Brocks. Ao contrário, aumentou e complicou tudo. Ela nasceu Tess Brock em 1825, e morreu Bruxa Struan em 1917, aos noventa e dois anos de idade, desdentada, careca, embriagada, malvada e mesquinha até o último dia de sua vida. Como é estranha a vida, heya?

— É. Incrível, às vezes — disse Casey, pensativa. — Por que será que as pessoas mudam tanto ao envelhecer?... Ficam azedas e amargas. Especialmente as mulheres.

"É costume", Dunross podia ter respondido de pronto, "e porque os homens e as mulheres envelhecem de modo diferente. É injusto... mas é um fato imutável. Uma mulher vê as rugas e a flacidez começando, e a pele não mais fresca e firme, mas seu homem ainda tem boa aparência e é solicitado, e depois ela vê os brotinhos e fica aterrorizada de perdê-lo, e acaba perdendo-o porque ele fica cheio das lamúrias dela e da agonia auto-infligida da automutilação... e também por causa do seu instinto incontrolável e inato em direção à juventude..."

"Ayeeyah, não há afrodisíaco no mundo como a juventude", o velho Chen-Chen (pai de Phillip Chen) e mentor de Ian sempre dizia. "Nenhum, jovem Ian, nenhum. Nenhum, nenhum, nenhum. Ouça. O yang necessita dos sumos do yin, mas sumos jovens, ah, sim, têm que ser jovens, os sumos, para aumentar a sua vida e nutrir o yang... oh, oh, oh! Lembre-se, quanto mais velho se tornar o seu Talo Masculino, mais precisará de juventude, mudança e entusiasmo juvenil para atuar exuberantemente, e, quanto mais, melhor! Mas lembre-se também de que a Caixa Formosa que se aninha entre as coxas dela, embora incomparável, adorável, deliciosa, fantástica, oh, tão doce, e oh, tão satisfatória, que é... cuidado! Ah!, também é uma armadilha, uma emboscada, uma câmara de torturas, e o seu caixão!" Depois, o velho, bem velhinho, dava risada e sua barriga subia e descia, e as lágrimas lhe escorriam pelo rosto. "Ah, os deuses são maravilhosos, não são? Dão-nos o céu na terra, mas é um verdadeiro inferno quando não conseguimos fazer o nosso monge de um olho só erguer a cabeça para entrar no paraíso! Joss, meu filho! Esta é a nossa sorte... ansiar pela Ravina Gulosa até que ela nos devore, mas oh, oh, oh..."

"Deve ser muito difícil para as mulheres, especialmente as americanas", pensou Dunross, "esse trauma de envelhecer, a inevitabilidade de acontecer tão cedo, cedo demais... pior na América do que em qualquer outra parte do mundo.

"Por que lhe dizer uma verdade, que já deve saber no seu âmago?", perguntou-se Dunross. "Ou ainda dizer mais, que a moda americana exige um esforço para se agarrar a uma juventude eterna que nem Deus, o Diabo ou o cirurgião podem lhe dar. Não se pode ter vinte e cinco anos aos trinta e cinco, nem ter a juventude dos trinta e cinco aos quarenta e cinco, nem ter quarenta e cinco aos cinqüenta e cinco anos. Desculpe, sei que é injusto, mas é a verdade.

"Ayeeyah, agradeço fervorosamente a Deus — se houver um Deus —, agradeço a todos os deuses grandes e pequenos por ser homem, e não mulher. Tenho pena de você, moça americana dos nomes bonitos."

Mas Dunross respondeu, simplesmente:

— Suponho que seja porque a vida não é nenhum mar de rosas, e somos alimentados de baboseiras e valores errados ao crescer... não como os chineses, que são sensatos... Meu Deus, como são incrivelmente sensatos! No caso da Bruxa Struan, talvez fosse o sangue ruim dos Brocks. Acho que era o joss dela: seu destino, sua sorte ou seu azar. Ela e Culum tiveram sete filhos, quatro homens e três mulheres. Todos os homens tiveram morte violenta, dois de "fluxo", provavelmente de peste, aqui em Hong Kong, um foi assassinado a facadas em Xangai, e o último morreu afogado perto de Ayr, na Escócia, onde ficam as terras da nossa família. Isso bastaria para deixar qualquer mãe meio louca, isso e o ódio e a inveja que a cercaram, e a Culum, a vida toda. Mas quando se acrescenta a isso tudo os problemas de morar na Ásia, a passagem da Casa Nobre para os filhos de outras pessoas... bem, dá para entender. — Dunross pensou um momento, depois acrescentou: — Conta a lenda que ela dominou Culum Struan a vida inteira, e tiranizou a Casa Nobre até o dia de sua morte, e todos os tai-pans, todas as noras, todos os genros, e até todas as crianças. Até mesmo depois da morte. Lembro-me de uma babá inglesa que tive, possa a sua alma arder no inferno para sempre, que me dizia: "É melhor se comportar, Patrãozinho Ian, ou vou invocar o espírito da Bruxa Struan, e ela vai devorá-lo..." Eu não teria mais do que cinco ou seis anos.