— Que coisa terrível! — exclamou Casey. Dunross deu de ombros.
— As babás fazem isso com as crianças.
— Nem todas, graças a Deus — disse Gavallan.
— Eu nunca tive uma que prestasse. Ou uma gan sun que fosse má.
— O que é uma gan sun? — quis saber Casey.
— Quer dizer "corpo próximo", é o nome correto para uma amah. Na China de antes de 49, as crianças das famílias abastadas, da maioria das antigas famílias européias ou eurasianas daqui, sempre tinham a sua "corpo próximo" para cuidar delas... na maioria das vezes, ficavam com elas a vida toda. A maioria das gan sun faz voto de celibato. Pode-se sempre reconhecê-las pela trança comprida que usam costas abaixo. A minha gan sun chama-se Ah Tat. É uma velhota fabulosa. Ainda está conosco — falou Dunross.
Gavallan disse:
— A minha foi mais mãe para mim do que minha mãe de verdade.
— Com que então a Bruxa Struan era sua bisavó? — perguntou Casey a Linbar.
— Santo Deus, não! Não... eu não descendo de Dirk Struan — replicou, e ela notou suor na testa dele, e não entendeu. — Descendo do meio irmão dele, Robb Struan. Ele era sócio de Dirk. O tai-pan descende diretamente de Dirk, mas... mesmo assim... nenhum de nós descende da Bruxa.
— São todos parentes? — perguntou Casey, sentindo uma tensão curiosa na sala. Viu Linbar hesitar e olhar para Dunross, enquanto ela o fitava.
— Sim — disse ele. — Andrew é casado com minha irmã, Kathy. Jacques é primo, e Linbar... Linbar tem o nosso nome. — Dunross riu. — Muita gente em Hong Kong ainda se lembra da Bruxa, Casey. Sempre usava um vestido preto comprido com anquinhas e um chapéu gozado com uma pena comida de traças, tudo totalmente fora de moda, e carregava uma bengala preta de cabo de prata o tempo todo. Costumava ser levada pelas ruas numa espécie de palanquim com quatro carregadores. Não media muito mais de metro e meio, mas era redonda e durona como o pé de um cule. Os chineses morriam de medo dela, também. O apelido dela era "Honorável Velha Demônia Mãe Estrangeira com Mau-Olhado e Dentes de Dragão".
— É verdade — disse Gavallan, com uma risada curta. — Meu pai e minha avó a conheceram. Tinham a sua própria companhia mercantil aqui e em Xangai, Casey, mas foram mais ou menos liquidados na Grande Guerra, e se uniram à Struan em 1919. Meu velho me contava que, quando era menino, ele e os amigos costumavam seguir a Bruxa pelas ruas, e quando ela ficava especialmente zangada, tirava os dentes postiços e os abria e fechava para as crianças, como se fosse mordê-las. — Todos riram junto com ele, quando a imitou. — Meu velho jurava que os dentes tinham sessenta centímetros de altura e uma espécie de mola, e ficavam mordendo e mordendo.
— Ei, Andrew, eu tinha me esquecido disso — interrompeu Linbar, com um amplo sorriso. — Minha gan sun, a velha Ah Fu, conhecia bem a Bruxa Struan, e cada vez que se falava nela Ah Fu revirava os olhos e implorava aos deuses que a protegessem do mau-olhado e dos dentes mágicos. Meu irmão Kyle e eu... — parou, depois recomeçou, num tom de voz diferente — costumávamos implicar com Ah Fu sobre ela.
Dunross disse para Casey:
— Há um retrato dela lá na Casa Grande... dois, na verdade. Se estiver interessada, eu os mostrarei a você, qualquer dia.
— Ah, obrigada... gostaria, sim. Há algum de Dirk Struan?
— Vários. E um de Robb, seu meio irmão.
— Adoraria vê-los.
— Eu também — falou Bartlett. — Que diabo, nunca sequer vi um retrato dos meus avós, que dirá do meu tataravô. Sempre quis saber dos meus antepassados, como eram, de onde vieram. Não sei nada a seu respeito, exceto que meu avô parece que dirigiu uma companhia de fretagem no velho oeste, num lugar chamado Jerrico. Deve ser formidável a gente saber de onde vem. Vocês têm sorte. — Ele estivera sentado, prestando atenção nas correntes ocultas, fascinado por elas, buscando pistas para quando chegasse a hora de ter que decidir: Dunross ou Gornt. "Se for Dunross, Andrew Gavallan é um inimigo, e terá que pular fora", disse para si mesmo. "O jovem Struan odeia Dunross, o francês é um enigma, e o próprio Dunross é nitroglicerina, e tão perigoso quanto ela." — A sua Bruxa Struan me parece fantástica — disse. — E Dirk Struan também deve ter sido uma figura e tanto!
— Isso é que é uma obra-prima de eufemismo! — disse Jacques de Ville, os olhos escuros brilhando. — Ele foi o maior pirata da Ásia! Espere só... vai olhar para o retrato de Dirk e notar os traços de família! Nosso tai-pan e ele são a cara um do outro, e, ma foi, ele herdou todas as partes piores.
— Não amole, Jacques — respondeu Dunross, bem-humorado. Depois, para Casey: — Não é verdade. Jacques está sempre me gozando. Não sou nada parecido com ele.
— Mas descende dele.
— É. Minha bisavó era Winifred, a única filha legítima de Dirk. Casou-se com Lechie Struan Dunross, um membro do clã. Tiveram apenas um filho, que era meu avô, foi o tai-pan depois de Culum. Minha família, os Dunrosses, são os únicos descendentes diretos de Dirk Struan, ao que se saiba.
— Quer dizer a legítima? Dunross sorriu.
— Dirk teve outros filhos e filhas. Um deles, Gordon Chen, era de uma moça chamada Shen, na verdade. É a linhagem da família Chen de hoje. Há também a linhagem da família T'Chung, de Duncan T'Chung e Kate T'Chung, o filho e a filha que Dirk teve com a famosa May-may T'Chung. Bem, a lenda é esta, são lendas aceitas por aqui, embora ninguém possa prová-las ou deixar de prová-las. — Dunross hesitou, e as rugas à volta de seus olhos aumentaram com a profundidade de seu sorriso. — Em Hong Kong e Xangai, nossos antecessores eram, digamos, amistosos, e as moças chinesas eram tão bonitas quanto hoje. Mas eles raramente se casavam com as amantes, e a pílula é uma invenção muito recente... portanto, a gente nem sempre sabe com quem pode ser aparentado. Nós, bem, não discutimos esta espécie de coisa em público... bem à moda britânica, fingimos que não existe, embora todos saibamos que existe, e assim ninguém fica desmoralizado. As famílias eurasianas de Hong Kong em geral tomaram os nomes das mães, as de Xangai, os dos pais. Todos parecemos ter-nos adaptado ao problema.
— É tudo muito amigável — disse Gavallan.
— Às vezes — comentou Dunross.
— Quer dizer que John Chen é seu parente? — perguntou Casey.
— Se nos reportarmos ao Jardim do Éden, todos são aparentados entre si, suponho.
Dunross fitava o lugar vazio. "Não é típico de John sumir", pensou, inquieto, "e ele não é do tipo de se envolver em contrabando de armas, seja por que motivo for. Ou de ser tão burro a ponto de ser preso. Tsu-yan? Bem, ele é xangaiense, e pode ter entrado em pânico facilmente, se estiver metido nisso. John é conhecido demais para conseguir tomar um avião hoje de manhã sem ser notado. Portanto, não fugiu de avião. Teria que ser de barco... se é que realmente fugiu. Um barco para onde... Macau? Não, é um beco sem saída. Navio? Fácil demais", pensou, "se a fuga foi planejada, ou mesmo se não foi planejada e arranjada com uma hora de antecedência. Em qualquer dia do ano há trinta ou quarenta partidas marcadas para todas as partes do mundo, navios grandes e pequenos, sem falar nos mil juncos não programados, e, mesmo em fuga, alguns dólares aqui e ali, e seria uma facilidade sair às escondidas... sair ou entrar. Homens, mulheres, crianças. Drogas. Qualquer coisa. Mas não há motivo para se contrabandear para Hong Kong, exceto seres humanos, drogas, armas, bebidas alcoólicas, cigarros e gasolina... tudo o mais é livre de impostos e restrições.
"Exceto o ouro."
Dunross sorriu consigo mesmo. "Importa-se ouro legalmente, com licença, a trinta e cinco dólares a onça pelo trânsito para Macau, e o que acontece depois não é da conta de ninguém, mas é imensamente lucrativo." É, pensou, "e a reunião da junta da nossa Nelson Trading é hoje à tarde. Ótimo. Esse é um empreendimento comercial que nunca falha."