Os escombros começaram a se acomodar de novo. Esperou, o coração batendo forte. Agora, podia enxergar um pouquinho melhor. Acima dele havia uma massa retorcida de vigas de aço e canos meio enfiados em concreto quebrado irregularmente, panelas, frigideiras e móveis quebrados. O piso em que estava deitado estava igualmente quebrado. A tumba era pequena, mal havia espaço para ele se pôr de pé. Estendendo o braço bom, não conseguiu tocar o teto improvisado. De joelhos, tentou de novo, depois ficou de pé, tateando, o pequenino espaço claustrofóbico.
— Não entre em pânico — falou em voz alta. Tateando e esbarrando nos afloramentos, circunavegou o espaço em que se encontrava. — Cerca de um metro e oitenta por um e meio — disse em voz alta, o som da sua voz encorajador. "Não tenham medo de falar em voz alta", dissera Spurgeon Roach.
Novamente a luz que se refletia no forno o atraiu. "Se estou perto do forno, ainda estou na cozinha. Vejamos, onde estava este forno, em relação ao resto?" Sentou-se e tentou reconstituir o apartamento, mentalmente. O forno fora embutido numa parede oposta à grande mesa de cortar, oposto à janela, perto da porta, e a grande geladeira estava ao lado da porta e do outro lado da...
"Porra, se estou na cozinha, tenho comida e cerveja, e posso passar facilmente uma semana! Deus, se eu tivesse alguma luz! Será que há uma lanterna elétrica? Fósforos? Fósforos e uma vela? Ei, espere aí, claro, havia uma lanterna na parede junto à geladeira! Ela falou que os fusíveis viviam queimando, e às vezes faltava luz e... e claro, havia fósforos na mesa da cozinha, montes deles, quando ela acendeu o gás. Gás."
Bartlett parou e farejou o ar. O nariz dele estava ferido e entupido, e ele tentou limpá-lo. Farejou de novo. Nenhum cheiro de gás. "Ótimo, ótimo", pensou, reconfortado. Orien-tando-se a partir do forno, tateou ao seu redor, de centímetro em centímetro. Não achou nada. Depois de mais uma meia hora seus dedos tocaram em algumas latas de comida, depois de cerveja. Logo estava com quatro latas. Ainda estavam geladas. Abrindo uma delas, sentiu-se bem melhor, bebericando-a, pou-pando-a... sabendo que talvez tivesse que esperar durante dias, achando o lugar muito lúgubre, na escuridão, o prédio rangendo, sem saber exatamente onde estava, o entulho caindo de quando em vez, sirenes de quando em vez, a água pingando, sons estranhos e apavorantes vindos de toda parte. Abruptamente, um vergalhão próximo gemeu, atormentado pelas milhares de toneladas acima dele, e baixou dois centímetros e meio. Bartlett prendeu a respiração. O movimento cessou. Sorveu de novo a sua cerveja.
"E agora, espero ou tento sair?", perguntou-se, inquieto. "Lembra como o velho Spurgeon era sempre evasivo na resposta? 'Depende, cara, depende', diria ele."
Mais rangidos acima. O pânico começou a aflorar, mas ele o conteve. Começou a falar em voz alta, para se tranqüilizar.
— Vamos recapitular. Agora tenho provisões para dois, três dias com facilidade. Estou em boa forma e posso durar três, quatro dias, fácil. Mas você, seu filho da mãe — disse para o entulho acima dele —, o que pretende fazer?
A tumba não lhe deu resposta.
Outro rangido de gelar a espinha. Depois uma voz fraca, bem acima e à direita. Recostou-se e fez concha com as mãos.
— Socoooorro! — gritou com cuidado, e esperou. As vozes ainda estavam Iá. — Socoooooorro!
Esperou, mas agora havia um vazio imenso. Esperou. Nada. O desapontamento começou a envolvê-lo.
— Pare com isso e espere!
Os minutos se arrastavam lentamente. Havia mais água pingando, muito mais do que antes. "Deve estar chovendo de novo", pensou. "Meu Deus! Aposto que foi um desabamento de terra! Claro, não se lembra das fendas nas ruas? Mas que merda de desabamento! Quem mais será que ficou preso? Deus, mas que confusão filha da puta!"
Arrancou um pedaço da camisa e deu-lhe um nó. Agora, poderia contar os dias. Um nó para cada dia. Seu relógio marcava vinte e duas e dezesseis quando sua cabeça desanuviara, agora eram vinte e três e cinqüenta e oito.
Novamente, toda a sua atenção se concentrou. Vozes fracas, porém mais próximas. Vozes chinesas.
— Socooooorro!
As vozes pararam. Então, muito de longe, ouviu:
— Onde você estáááá, heya?
— Aqui embaixo! Está me ouvindoooooo? Silêncio, depois mais longe ainda:
— Onde você estáááá?
Bartlett soltou um palavrão, agarrou a lata vazia de cerveja e começou a bater com ela numa viga. Parou de novo e escutou. Nada.
Voltou a sentar-se.
— Talvez tenham ido buscar ajuda. — Estendeu os dedos e tocou noutra lata de cerveja. Dominou o desejo urgente de abri-la. — Não entre em pânico e seja paciente. A ajuda está próxima. O melhor que posso fazer é esperar e...
Naquele momento toda a terra se retorceu e subiu ante a pressão com uma cacofonia atordoante de ruídos, as vigas protetoras acima deixando de ser seguras, o entulho descendo em avalancha. Protegendo a cabeça com as mãos, agachou-se e encolheu-se, cobrindo-se da melhor maneira possível. O movimento ruidoso pareceu durar uma eternidade. Depois cessou. Mais ou menos. Seu coração agora batia fortemente, o peito apertando, um gosto amargo de poeira na boca. Cuspiu-a fora e procurou uma lata de cerveja. Tinha sumido, junto com todas as outras latas. Soltou um palavrão, depois, cuidadosamente, ergueu a cabeça e quase bateu com ela no teto alterado da tumba. Agora, podia tocar o teto e as paredes sem se mexer. Facilmente.
Foi então que ouviu o sibilar. Sentiu o estômago se retorcer. Esticou a mão e sentiu a leve aragem. Agora podia sentir o cheiro do gás.
— É melhor tratar de ir-se mandando daqui, meu velho — resmungou, apavorado.
Orientando-se da melhor maneira possível, saiu daquele espaço. Agora que estava em movimento, em ação, sentia-se melhor.
A escuridão era opressiva, e era muito difícil fazer progressos. Não havia uma linha reta. Às vezes tinha que se desviar e descer de novo, para a esquerda, e depois para a direita, subir um pouco, descer um pouco sob os restos de uma banheira, sobre um cadáver ou parte de um cadáver, gemidos, e uma vez vozes muito distantes.
— Ondeestávocêêêêêê? — berrou, e esperou e depois foi se arrastando, de centímetro em centímetro, sendo paciente, não entrando em pânico. Depois de algum tempo, chegou a um espaço onde podia ficar de pé. Mas não ficou de pé, ficou deitado ali por um momento, ofegante, exausto. Ali havia mais luz. Quando sua respiração se normalizou, olhou para o relógio. Reuniu forças e continuou, mas seu caminho para cima estava novamente bloqueado. Outro caminho, mas ainda bloqueado. Deslizou sob uma pilastra quebrada e, ultrapassando-a, começou a rastejar para cima. Outro impasse. Com dificuldade, recuou e tentou outro caminho. E outro, sem nunca haver lugar suficiente para ficar de pé, agora completamente desorientado, sem saber se estava se aprofundando mais nos escombros. Depois parou para descansar e deitou-se na umidade da sua tumba, o peito estourando, o coração estourando, dedos sangrando, canelas sangrando, cotovelos sangrando.
— Não tem grilo, meu velho — falou em voz alta. — A gente descansa, depois recomeça...
Segunda-feira
86
00h45m
Soldados gurkhas com lanternas de mão caminhavam paciente e cuidadosamente por essa parte da superfície perigosa, inclinada, quebrada, chamando "Tem alguém aí?", depois parando para escutar. Além e ao redor, subindo e descendo a encosta, soldados, policiais, bombeiros e pessoas desesperadas faziam o mesmo.
Estava muito escuro. Os holofotes instalados Iá embaixo não conseguiam iluminar essa área, mais ou menos na metade dos escombros.
— Tem alguém aí? — chamou um soldado. Escutou atentamente, depois adiantou-se alguns metros. Lá para o lado esquerdo da fila, um deles tropeçou e caiu numa fenda. Aquele soldado estava muito cansado, mas riu com seus botões e ficou parado um momento, depois chamou para dentro da terra: