— Concordei, negócio fechado. Pensei: "O que tenho a perder? Eu com os meus míseros três quartos de milhão e ela com o seu saldo zero tomarmos a Randolf Opticals em seis meses, ora, é um negócio e tanto". E assim apertamos as mãos, de homem para mulher. — Bartlett riu. — Era a primeira vez que fazia um negócio daqueles com uma mulher, sem mais nem menos... e nunca me arrependi.
— Obrigado, Linc — disse Casey, meigamente, e todos sentiam inveja de Bartlett.
"E o que aconteceu depois que você despediu Toffer?", pensava Dunross, juntamente com os outros. "Foi então que começou o seu caso?"
— E a compra do controle? — perguntou a Bartlett. — Foi tranqüila?
— Foi nojenta, mas as lições que aprendi, que aprendemos, renderam mil por cento. Em cinco meses já tínhamos o controle. Casey e eu havíamos conquistado uma companhia cinqüenta e três vezes e meia maior que a nossa. Um minuto antes da hora H eu estava com quatro milhões de dólares no vermelho no banco, e praticamente na cadeia, e na hora seguinte assumira o controle. Puxa, mas foi uma batalha e tanto! Em um mês e meio tínhamos reorganizado a companhia, e agora a Divisão Randolf da Par-Con rende cento e cinqüenta milhões por ano, e suas ações estão lá em cima. Foi uma Blitzkrieg clássica, e estabeleceu o padrão para as Indústrias Par-Con.
— E esse George Toffer, Casey? Como o despediu?
Casey desviou os olhos castanho-amarelados de Linc e fixou-os em Dunross, e ele pensou: "Santo Deus, gostaria de possuir você".
— No momento em que assumimos o controle, eu... — Interrompeu-se quando o único telefone na sala tocou, e houve uma tensão repentina no ambiente. Todos, até mesmo os garçons, imediatamente desviaram sua atenção integral para o telefone... exceto Bartlett. Os rostos de Gavallan e de De Ville estavam completamente sem cor. — O que foi? — perguntou Casey.
Dunross quebrou o silêncio.
— É uma das normas da casa. Não se completa nenhuma ligação durante o almoço, a não ser que seja uma emergência... uma emergência pessoal... para um de nós.
Todos fitaram Lim enquanto largava a bandeja do café. Parecia que ele levava uma eternidade para cruzar o aposento e pegar o telefone. Todos tinham mulheres, filhos, famílias, e todos imaginavam que morte ou que tragédia seria, e "Por favor, Deus, que o telefonema seja para algum outro", lembran-do-se da última vez que o telefone tocara, há dois dias. Para Jacques. E no mês passado, para Gavallan. A mãe dele estava morrendo. Todos haviam recebido telefonemas, ao longo dos anos. Todos ruins.
Andrew Gavallan estava certo de que o telefonema era para ele. Sua mulher, Kathren, irmã de Dunross, estava no hospital, esperando o resultado de testes exaustivos. Há semanas que estava doente, sem motivo aparente. "Meu Deus", pensou, "controle-se", cônscio dos olhares dos outros sobre a sua pessoa.
— Weyyyy? — Lim escutou por um momento, depois virou-se e estendeu o aparelho. — É para o senhor, tai-pan.
Os outros voltaram a respirar, e observaram Dunross, que caminhava ereto para o telefone.
— Alô?... Oh... O quê?... Não... não, vou já para aí... Não, não façam nada, vou já para aí. — Notaram o ar de choque dele ao repor o fone no gancho, em meio ao silêncio mortal. Depois de uma pausa, falou: — Andrew, diga a Claudia para adiar minhas reuniões de diretoria de hoje à tarde. Você e Jacques, continuem com Casey. Era Phillip. Infelizmente, o pobre John Chen foi seqüestrado.
E saiu da sala.
8
14h35m
Dunross saltou do carro e entrou apressado pela porta aberta da imensa mansão em estilo chinês que ficava encravada na crista da montanha chamada Mirante de Struan. Passou por um criado aparvalhado, que fechou a porta às suas costas, e entrou na sala de estar, em estilo vitoriano, espalhafatosa, entulhada de quinquilharias e móveis que não combinavam.
— Alô, Phillip — falou. — Lamento tanto. Pobre John! Onde está a carta?
— Aqui. — Phillip pegou-a de cima do sofá, enquanto se levantava. — Mas primeiro olhe para aquilo.
Apontou para uma caixa de sapatos de papelão amassada numa mesa de mármore ao lado da lareira.
Enquanto atravessava a sala, Dunross notou Dianne, a mulher de Phillip Chen, sentada numa cadeira de espaldar alto, na outra extremidade do aposento.
— Oh, alô, Dianne, lamento o que aconteceu — repetiu. Ela deu de ombros, impassível.
— Joss, tai-pan. — Tinha cinqüenta e dois anos, era eurasiana, a segunda mulher de Phillip Chen, uma matrona atraente e cheia de jóias, que usava um cheong-sam marrom-escuro, um colar de jade de valor inestimável e um anel de brilhantes de quatro quilates... entre muitos outros anéis. — Joss — repetiu.
Dunross assentiu, antipatizando com ela ainda mais do que habitualmente. Espiou o conteúdo da caixa, sem tocá-lo. No meio de folhas de jornal soltas e amassadas, viu uma caneta que reconheceu como sendo de John Chen, uma carteira de motorista, algumas chaves num chaveiro, uma carta endereçada a John Chen, Sinclair Towers, 14A, e um saquinho de plástico com um pedaço de pano meio enfiado dentro. Com uma caneta que tirou do bolso Dunross abriu a carteira de motorista. John Chen.
— Abra o saquinho de plástico — disse Phillip.
— Não. Poderia danificar as impressões digitais que nele houver — disse Dunross, sentindo-se cretino, mas mesmo assim dizendo as palavras.
— Ah... tinha me esquecido disso. Merda. Claro, impressões digitais! As minhas estão... claro que abri o saco. As minhas devem estar nele... em toda parte.
— O que há nele?
— É... — Phillip Chen se aproximou, e antes que Dunross pudesse detê-lo, tirou o pano de dentro do saco, sem tocar novamente no plástico. — Não pode haver digitais no pano, não é? Olhe!
O pano continha a maior parte de uma orelha humana, o corte limpo e bem-feito, e não irregular. Dunross praguejou baixinho.
— Como foi que a caixa chegou? — indagou.
— Chegou por mensageiro. — Phillip Chen voltou a embrulhar a orelha com mãos trêmulas, recolocando-a na caixa. — Abri... abri a caixa, como qualquer pessoa o faria. Foi entregue há cerca de meia hora.
— Por quem?
— Não sabemos. Era apenas um rapaz, disse a criada. Um rapaz de moto. Ela não o reconheceu nem tomou nota da placa. Recebemos muitas encomendas por mensageiro. Não havia nada fora do comum... exceto o "Sr. Phillip Chen, assunto de grande importância, para ser aberto pessoalmente", escrito do lado de fora do embrulho, e que ela não notou imediatamente. Quando abri o embrulho e li a carta... bem, foi só um rapaz que disse "Encomenda para o Sr. Phillip Chen" e foi embora.
— Já chamaram a polícia?
— Não, tai-pan, você disse para não fazer nada. Dunross foi até o telefone.
— Já falou com a mulher do John?
— Por que o Phillip deve dar-lhe as más notícias? — disse Dianne imediatamente. — Ela vai ter um ataque de destelhar a casa, pode apostar. Ligar para Barbara? Ah, não, caro tai-pan, não... só depois que tivermos informado a polícia. Eles que contem a ela. Sabem como fazer essas coisas.
A repulsa de Dunross aumentou.
— É melhor mandá-la vir para cá rapidamente.
Ligou para a chefatura de polícia e perguntou por Armstrong. Não estava. Dunross deixou o nome, e depois pediu para falar com Brian Kwok.
— Sim, tai-pan?
— Brian, pode vir para cá imediatamente? Estou na casa de Phillip Chen, aqui no Mirante de Struan. John Chen foi seqüestrado.
Contou-lhe sobre o conteúdo da caixa.
Houve um silêncio chocado, depois Brian Kwok falou:
— Vou já para aí. Não toque em nada e não deixe que ele fale com ninguém.
— Está certo.
Dunross desligou o aparelho.
— Dê-me a carta agora, Phillip.
Segurou-a com cuidado, pelas pontas. Os caracteres chineses estavam escritos com nitidez, mas não por uma pessoa instruída. Leu-a devagar, conhecendo a maioria dos caracteres.