Dianne soltou uma exclamação abafada.
— Vai haver uma alta?
— Vai. Vamos liderá-la. A hora é essa, todos em Hong Kong estão prontos. Vamos fornecer os meios, vamos ser os líderes, e com um bom empurrão aqui e ali, vai haver uma disparada.
Fez-se um grande silêncio. Dunross ficou observando a avareza no rosto dela.
Seus dedos brincavam com as contas de jade. Viu Phillip fitando a distância, sabia que parte da sua mente de homem de negócios estava nas várias notas promissórias que ele, Phillip, subscrevera pela Struan, e que venciam num período de treze a trinta dias: doze milhões de dólares americanos para as Indústrias de Navegação Toda de Yokohama, pelos dois cargueiros gigantes, seis milhões e oitocentos mil para o Orlin International Merchant Bank, e setecentos e cinqüenta mil para Tsu-yan, que cobrira um outro problema para ele. Mas a maior parte da mente de Phillip estaria concentrada nos vinte milhões de Bartlett e na alta das ações... na duplicação que ele previra arbitrariamente.
Duplicação?
De jeito nenhum... não, não havia a menor chance disso.
A não ser que houvesse uma alta desenfreada. A não ser que houvesse uma alta!
Dunross sentiu o coração bater mais rápido.
— Se houver uma alta... Santo Deus, Phillip, podemos ter sucesso!
— É, é, concordo. Hong Kong está no ponto. Ah, sim. —
Os olhos de Phillip Chen brilharam, seus dedos tamborilaram na mesa. — Quantas ações, tai-pan?
— Todo tos...
Excitada, Dianne interrompeu Dunross.
— Phillip, na semana passada meu astrólogo disse que este ia ser um mês importante para nós! Uma alta da Bolsa! Era a isso que devia estar se referindo.
— É verdade, lembro que você me contou, Dianne. Oh, oh, oh! Quantas ações, tai-pan? — perguntou de novo.
— Todo tostão disponível! Esta vai ser a grande oportunidade. Mas só a família até sexta-feira. Exclusivamente, até sexta-feira. Depois que a Bolsa fechar, deixarei transpirar a conclusão do negócio com Bartlett...
— Eeee — sibilou Dianne.
— É. Durante o fim de semana direi "nada a comentar"; certifique-se de que não possam localizá-lo, Phillip, e na segunda de manhã todo mundo estará indócil na pista. Ainda direi "nada a comentar", mas na segunda compraremos abertamente. Então, logo depois que se encerrar o expediente comercial de segunda, anunciarei a confirmação da transação. E aí, na terça...
— Vai começar a alta!
— É.
— Oh, dia feliz — coaxava Dianne, radiante. — E cada amah, camareiro, cule ou comerciante perceberá que a sorte está do seu lado, e tirará suas economias, e comprará, e todas as ações dispararão. Que pena que não vai haver um editorial amanhã... melhor ainda, um astrólogo num dos jornais... que tal o Fong Cem Anos... ou... — Estava quase vesga, de tão excitada. — E quanto a o astrólogo, Phillip?
Ele a fitou, chocado.
— O Velho Cego Tung?
— Por que não? Um pouco de h'eung yau na palma da sua mão... ou a promessa de algumas ações escolhidas. Heya?
— Bem, eu...
— Deixe comigo. O Velho Cego Tung me deve um ou dois favores, mandei-lhe um bocado de clientes! É. E ele não vai estar longe da verdade anunciando que os desígnios do céu prevêem a maior alta na história de Hong Kong, vai?
9
5h25m
O patologista da polícia, dr. Meng, ajustou o foco do microscópio e examinou a lasca de carne que cortara da orelha. Brian Kwok observava-o, impaciente. O médico era um can-tonense pequeno e pedante, com óculos de lentes grossas encarapitados na testa. Finalmente, ergueu os olhos, e os óculos caíram convenientemente sobre seu nariz.
— Bem, Brian, pode ter sido cortada de uma pessoa viva, e não de um cadáver... possivelmente. Possivelmente dentro das últimas oito ou dez horas. A machucadura... aqui, olhe aqui atrás — o dr. Meng mostrou delicadamente a descoloração atrás e em cima —, isso certamente indica para mim que a pessoa estava viva na hora do corte.
— Por que a machucadura, dr. Meng? O que a causou? O corte?
— Podia ter sido causada por alguém que estivesse segurando firmemente o espécime — falou o dr. Meng, cautelosamente — enquanto era removido.
— Pelo quê? Faca, navalha, canivete, ou um cutelo chinês... cutelo de cozinha?
— Por um instrumento cortante. Brian Kwok soltou um suspiro.
— E isso poderia matar alguém? O choque? Uma pessoa como John Chen?
O dr. Meng formou um triângulo com os dedos.
— Poderia, possivelmente. Possivelmente não. Ele tem problemas cardíacos?
— O pai disse que não; ainda não falei com o médico particular dele, o sacana está de férias, mas John sempre demonstrou gozar de boa saúde.
— Esta mutilação provavelmente não mataria um homem saudável, mas ele se sentiria muito desconfortável por uma ou duas semanas. — O doutor abriu um sorriso. — Muito desconfortável, mesmo.
— Meu Deus! — exclamou Brian. — Não pode me dizer nada que me ajude?
— Sou um patologista forense, Brian, não um vidente.
— Não dá para me dizer se a orelha é eurasiana... ou apenas chinesa?
— Não. Não, com este espécime seria quase impossível. Mas certamente não é anglo-saxã, indiana ou negróide. — O dr. Meng tirou os óculos e fitou com olhar míope o superintendente alto. — Isto poderia possivelmente causar uma agitação e tanto na Casa de Chen, heya?
— É, e na Casa Nobre. — Brian Kwok pensou por um momento. — Na sua opinião, este Lobisomem, este maníaco, diria que ele é chinês?
— A escrita pode ser de uma pessoa instruída. Igualmente, pode ser de um quai loh fingindo ser uma pessoa instruída. Mas se ele ou ela era uma pessoa instruída, isso não significa necessariamente que a mesma pessoa que cometeu a ação tenha escrito a carta.
— Sei disso. Quais as probabilidades de que John Chen esteja morto?
— Pela mutilação?
— Pelo fato de que o Lobisomem, ou mais provavelmente os Lobisomens, mandaram a orelha sem sequer dar início às negociações.
O homenzinho sorriu e falou, secamente:
— Está se referindo ao ditado do velho Sun Tse "Mate um para aterrorizar dez mil"? Não sei. Não faço especulações sobre coisas tão imponderáveis. Calculo apenas as probabilidades dos cavalos, Brian, ou da Bolsa de Valores. Que tal a Golden Lady de John Chen no sábado?
— Tem grandes chances. Definitivamente. E a Noble Star de Struan, o Pilot Fish de Gornt, e mais ainda, a Butter-scotch Lass de Richard Kwang. Nesta favorita é que vou apostar. Mas Golden Lady é uma lutadora. Vai começar com três contra um. Corre muito, e a pista lhe vai ser favorável. Seca. Não dá nada na pista molhada.
— Ah, e algum sinal de chuva?
— É possível. Dizem que vem temporal por aí. Até um chuvisco pode fazer diferença.
— Então, é melhor que não chova até domingo, heya?
— Não vai chover este mês... só se tivermos uma sorte enorme.
— Bem, se chover, chove, e se não chover, não chove, e daí! O inverno já vem vindo... então esta maldita umidade irá embora. — O dr. Meng deu uma olhada para o relógio de parede. Eram cinco e trinta e cinco da tarde. — Que tal um traguinho rápido antes de irmos para casa?
— Não, obrigado. Ainda tenho umas coisinhas para fazer. Mas que abacaxi danado, esse!
— Amanhã verei se posso arrumar algumas pistas no pano, no papel de embrulho ou nas outras coisas. Quem sabe as impressões digitais serão de alguma ajuda — acrescentou o médico.
— Não estou apostando nisso. Essa história toda me cheira mal, me cheira muito mal, mesmo.
O dr. Meng concordou, e sua voz perdeu a suavidade.
— Qualquer coisa ligada à Casa Nobre e à sua marionete, a Casa de Chen, cheira mal, não é?
Brian Kwok passou a conversar em sei yap, um dos principais dialetos da província de Kwantung, falado por muitos dos cantonenses de Hong Kong.