— Ei, irmão, não quer dizer que todo e qualquer cão capitalista cheira mal, e que a Casa Nobre e a Casa de Chen têm os que mais fedem a bosta? — disse, caçoando.
— Ah, Irmão, não sabe ainda, bem dentro da sua cabeça, que os ventos da mudança estão varrendo o mundo? E que a China, sob a orientação imortal do presidente Mao, e do Pensamento de Mao, lide...
— Guarde a sua doutrinação para si mesmo — disse Brian Kwok friamente, voltando a falar em inglês. — A maioria dos pensamentos de Mao é tirada dos escritos de Sun Tse, Confúcio, Marx, Lao-Tse e outros. Sei que ele é um poeta... um grande poeta... mas usurpou a China, e agora ali não existe liberdade. Nenhuma.
— Liberdade? — replicou desafiadoramente o homenzinho. — O que significa a liberdade por alguns anos, quando, sob a liderança do presidente Mao, a China voltou a ser a China, e retomou o seu lugar de direito no mundo? Agora, a China é temida por todos os capitalistas nojentos! Até mesmo pela Rússia revisionista.
— É. Concordo. E por isso eu agradeço a ele. Entrementes, se não gosta daqui, volte para Cantão e vá trabalhar até gastar os colhões no seu paraíso comunista, e dew neh loh moh para todos vocês, comunistas... e seus seguidores da mesma estirpe!
— Você devia ir para lá, para ver por si mesmo. É pura propaganda que o comunismo é ruim para a China. Não lê os jornais? Agora não há ninguém passando fome.
— E quanto aos vinte e tantos milhões que foram assassinados após a tomada do poder? E quanto a toda a lavagem cerebral?
— Mais propaganda! Só porque freqüentou escolas inglesas e canadenses, e fala feito um porco capitalista, não quer dizer que seja um deles. Lembre-se das suas origens.
— Lembro. E muito bem.
— Seu pai errou quando o mandou embora!
Todos sabiam que Brian Kwok nascera em Cantão, e que, aos seis anos de idade, fora a Hong Kong para estudar. Foi um estudante tão bom que, em 1937, aos doze anos, ganhou uma bolsa de estudos para uma excelente escola particular em Londres, e seguiu para lá, e depois, em 1939, com o começo da Segunda Guerra Mundial, toda a escola foi transferida para o Canadá. Em 1942, aos dezoito anos, formou-se em primeiro lugar como monitor, e entrou para a Real Polícia Montada do Canadá, no setor à paisana, no imenso Bairro Chinês de Vancouver. Falava cantonense, mandarim, sei yap, e serviu com distinção. Em 1945, solicitou transferência para a Real Polícia de Hong Kong. Com a aprovação relutante da RPMC, que queria que continuasse lá, voltou a Hong Kong.
— Você está perdendo tempo trabalhando para eles, Brian — continuou o dr. Meng. — Devia servir às massas e trabalhar para o partido!
— O partido assassinou meu pai e minha mãe, e a maioria da minha família, em 43!
— Nunca se provou isso! Nunca. Foram boatos. Talvez os demônios do Kuomintang o tenham feito... havia caos àquela época em Cantão. Eu estava lá, eu sei! Talvez os porcos japoneses tenham sido os responsáveis... ou as tríades... quem sabe? Como pode estar certo?
— Estou certo, por Deus.
— Houve alguma testemunha? Não! Você mesmo me contou! — A voz de Meng era áspera, e ele ergueu os olhos míopes para Kwok. — Ayeeyah, você é chinês, use a sua educação para a China, para as massas, não para o amo capitalista.
— Vá tomar no rabo!
O dr. Meng riu, e os óculos caíram para cima do nariz.
— Espere só, superintendente Kar-shun Kwok. Um dia, seus olhos se abrirão. Um dia verá toda a beleza da coisa.
— Enquanto isso não ocorre, trate de me arranjar umas respostas!
Brian Kwok saiu com largas passadas do laboratório e subiu o corredor até o elevador, com a camisa grudada às costas. "Gostaria que chovesse", pensou.
Entrou no elevador. Outros policiais o cumprimentaram, e ele retribuiu o cumprimento. Saltou no terceiro andar e caminhou pelo corredor até o seu gabinete. Armstrong estava à sua espera, lendo preguiçosamente um jornal chinês.
— Oi, Robert — disse ele, satisfeito ao ver o outro. — O que há de novo?
— Nada. E com você?
Brian Kwok contou-lhe o que o dr. Meng dissera.
— Aquele sacana e os seus "possivelmente"! A única coisa sobre a qual é enfático é um cadáver... e mesmo assim tem que verificar umas duas vezes.
— É... ou sobre o presidente Mao.
— Ah, tocou de novo esse disco quebrado?
— Foi. — Brian Kwok sorriu. — Disse-lhe que voltasse para a China.
— Jamais irá embora.
— Eu sei. — Brian ficou olhando para uma pilha de papéis na sua mesa, e soltou um suspiro. Depois, falou: — Não faz o gênero do pessoal daqui cortar uma orelha tão cedo.
— Não, não se for um seqüestro de verdade.
— Como?
— Podia ser uma vingança, e o seqüestro ser só um disfarce — falou Armstrong, o rosto gasto endurecendo. — Concordo com você e Dunross. Acho que já o mandaram desta para melhor.
— Mas, por quê?
— Talvez John estivesse tentando fugir, talvez tenha começado uma luta, e eles ou ele entraram em pânico, e antes que eles ou ele soubessem o que se passava, eles ou ele o esfaquearam ou o acertaram na cabeça com um instrumento rombudo. — Armstrong suspirou e espreguiçou-se para aliviar a pressão nos ombros. — De qualquer modo, meu caro, nosso Grande Pai Branco quer isso resolvido rapidamente. Honrou-me com um telefonema para dizer que o governador ligara-lhe pessoalmente para expressar sua preocupação.
Brian Kwok praguejou baixinho.
— Notícias ruins correm depressa! Nada ainda nos jornais?
— Não, mas toda a Hong Kong já sabe, e teremos um vento em brasa soprando nos nossos traseiros amanhã de manhã. O Sr. Maldito Lobisomem... assistido pela imprensa bexiguenta... malvada e não-cooperativa de Hong Kong... nos causará somente aborrecimentos, temo eu, até que prendamos o filho da mãe, ou os filhos da mãe.
— É. Mas nós vamos pegá-lo, ora se vamos!
— É. E que tal uma cerveja... ou melhor, um gim com tônica bem grande? Bem que me agradaria.
— Boa idéia. Seu estômago está ruim de novo?
— Está. Mary diz que são todos os bons pensamentos que guardo dentro de mim.
Riram juntos e dirigiram-se para a porta; já estavam no corredor quando o telefone tocou.
— Ignore o danado, não atenda, só pode ser problema — disse Armstrong, sabendo que nem ele nem Brian deixariam de atender.
Brian Kwok pegou o telefone e ficou petrificado. Era Roger Crosse, superintendente-chefe, diretor do Serviço Especial de Informações.
— Pronto, senhor?
— Brian, quer subir imediatamente?
— Sim, senhor.
— Armstrong está com você?
— Está, sim, senhor.
— Traga-o, também.
O telefone foi desligado.
— Sim, senhor. — Recolocou o fone no gancho, sentindo as costas molhadas de suor. — Deus está nos chamando, e rapidinho.
O coração de Armstrong bateu descompassado.
— Quem, eu? — Juntou-se a Brian, que se dirigia para o elevador. — Para que diabo ele me quer? Não pertenço mais ao sei.
— Não nos cabe perguntar por quê, cabe-nos apenas cagar nas calças quando ele murmura. — Brian Kwok apertou o botão do elevador. — O que estará havendo?
— Tem que ser importante. Será o continente?
— Chu En-lai derrubou Mao e os moderados estão no poder?
— Sonhador! Mao vai morrer no posto, a Divindade da China.
— A única coisa boa que se pode dizer de Mao é que é chinês em primeiro lugar, e comuna em segundo. Amaldiçoados comunas!
— Ei, Brian, quem sabe os soviéticos não estão criando caso de novo na fronteira! Outro incidente?
— Quem sabe. É. A guerra está chegando... é, a guerra entre a Rússia e a China. Mao está certo nisso, também,
— Os soviéticos não são assim tão estúpidos.
— Não faça apostas, meu velho. Já disse e repeti antes, os soviéticos são o inimigo do mundo. Vai haver guerra... logo você vai me dever mil dólares, Robert.