— Sim, senhor.
— Ótimo. Ainda bem.
Crosse recostou-se na sua cadeira, balançando-a. Seus olhos não se desgrudavam dos dois homens. Ambos se perguntavam quem dera a dica, e por quê.
"Não pode ter sido a CIA", pensava Brian Kwok. "Teria interceptado a informação ela mesma, não precisa do sei para fazer seu trabalho sujo. Aqueles filhos da mãe malucos fariam qualquer coisa, pisariam em todo mundo", pensou, enojado. "Se não foram eles, quem?
"Quem?
"Deve ter sido alguém que pertence aos serviços de informações, mas que não pode, ou não pôde, interceptar o material, alguém que se dá bem, com segurança, com Crosse. Um funcionário consular? É possível, Johnny Mishauer, do Serviço Naval de Informações? Fora do seu campo. Quem? Não há muitos que... Ah, o sujeito do FBI, o protegido de Crosse! Ed Langan. Bem, e como Langan saberia desta pasta? Informações de Londres? É possível, mas o FBI não tem escritório lá. Se a dica veio de Londres, provavelmente a MI-5 ou 6 teriam sabido dela primeiro, e eles dariam um jeito de arranjar o material na fonte, e o teriam mandado por telex para nós, dando-nos o maior esporro por sermos incapazes no nosso próprio quintal. O avião do mensageiro pousou no Líbano? Parece que me lembro de um homem do FBI. Se não foi do Líbano ou de Londres, a informação deve ter vindo do próprio avião. Ah, um delator amistoso que estava presente e viu a pasta, ou a capa? Tripulação? Ayeeyah! Será que o avião era da twa ou da Pan Am? O FBI tem todo tipo de ligações, ligações estreitas... com todo tipo de empresas comuns, e acertadamente. Ah, sim. Há um vôo de domingo? Há. Pan Am, hora aproximada de chegada: vinte e trinta. Tarde demais para uma entrega noturna, na hora em que se chegasse ao hotel. Perfeito."
— É estranho que o mensageiro tenha vindo pela Pan Am e não pela boac... o vôo é muito melhor — disse, satisfeito com o modo oblíquo pelo qual sua mente funcionara.
— É, foi o que pensei — disse Crosse, serenamente. — Terrivelmente antibritânico da parte dele. Claro que a Pan Am sempre pousa na hora, enquanto com a pobre velha boac nunca se sabe, hoje em dia... — Fez um gesto de cabeça afável na direção de Brian. — Nota 10, de novo. É o primeiro da classe.
— Obrigado, senhor.
— O que mais você deduziu? Após uma pausa, Brian Kwok disse:
— Em troca da dica, o senhor concordou em dar a Langan uma cópia exata da papelada.
— E...?
— E lamenta ter cumprido o prometido. Crosse soltou um suspiro.
— Por quê?
— Só saberei depois de ter lido o que contém a pasta.
— Brian, você está realmente se superando, hoje. Ótimo. — Distraidamente, o diretor ficou brincando com a pasta, e os dois homens sabiam que ele os estava provocando, deliberadamente, mas nenhum sabia por quê. — Há uma ou duas coincidências muito curiosas em outras seções desta pasta. Nomes como Vincenzo Banastasio... locais de encontro como o Sinclair Towers... O nome Nelson Trading significa algo para qualquer um de vocês?
Ambos sacudiram a cabeça.
— Tudo muito curioso. Comunas à nossa direita, comunas à nossa esquerda... — Os olhos dele ficaram ainda mais duros.
— Parece que temos um homem mau nas nossas próprias fileiras, possivelmente a nível de superintendente.
— Impossível! — exclamou Armstrong, involuntariamente.
— Durante quanto tempo esteve conosco no sei, meu rapaz?
Armstrong quase se encolheu.
— Dois turnos, quase cinco anos, senhor.
— O espião Sorge era impossível, Kim Philby era impossível, santo Deus, Philby! — A súbita deserção para a Rússia soviética, em janeiro daquele ano, desse inglês, desse antigo agente destacado da MI-6, o serviço de informações militar britânico para espionagem e contra-espionagem além-mar, fizera correr ondas de choque por todo o mundo ocidental, especialmente porque, até recentemente, Philby fora primeiro-secretá-rio da embaixada britânica em Washington, responsável pela ligação com os departamentos de Estado e da Defesa dos Estados Unidos e a CIA sobre todos os assuntos de segurança, no mais alto nível. — Como, em nome de tudo o que é sagrado, podia ter sido um agente soviético por todos esses anos, e continuar despercebido? É impossível, não é, Robert?
— Sim, senhor.
— E no entanto continuou, e esteve por dentro dos nossos principais segredos durante anos. Sem dúvida, de 42 a 58. E onde começou a espionar? Deus nos ajude, em Cambridge, em 1931. Recrutado para o partido por outro arquitraidor, Burgess, também de Cambridge, e seu amigo Maclean, que ambos queimem no inferno por toda a eternidade. — Alguns anos antes, esses dois diplomatas do Ministério do Exterior, em importantes colocações (ambos haviam sido do Serviço de Informações, durante a guerra), haviam fugido abruptamente para a Rússia segundos antes de serem apanhados pelos agentes da contra-espionagem britânica, e o escândalo que se seguiu abalara os alicerces da Grã-Bretanha e de toda a OTAN. — Quem mais recrutaram eles?
— Não sei, senhor — respondeu Armstrong, cautelosamente. — Mas pode apostar que agora são todos VIPS no governo, no Ministério do Exterior, no setor da educação, na imprensa, especialmente na imprensa, e como Philby, todos muito bem entocados.
— Com as pessoas, nada é impossível. Nada. As pessoas são realmente terríveis. — Crosse deu um suspiro e endireitou levemente a pasta. — É. Mas é um privilégio pertencer ao sei, não é, Robert?
— Sim, senhor.
—. É preciso ser convidado, não é? Não se pode entrar como voluntário, pode?
— Não, senhor.
— Nunca lhe perguntei por que não ficou conosco, perguntei?
— Não, senhor.
— E então?
Armstrong gemeu intimamente e respirou fundo.
— É porque gosto de ser policial, senhor, não um homem de capa-e-espada. Gosto de trabalhar no DIC. Gosto de medir inteligência com o bandido, gosto da caçada e da captura, e depois de provar tudo no tribunal, segundo as regras... a lei, senhor.
— Ah, mas no sei não agimos assim, não é? Não estamos interessados em tribunais ou leis ou coisa nenhuma, só nos resultados?
— O SEI e a SB têm regras diferentes, senhor — disse Armstrong, com cuidado. — Sem eles, a colônia estaria liquidada.
— É, estaria sim. As pessoas são terríveis, e os fanáticos se multiplicam como vermes num cadáver. Você foi um bom agente secreto. Agora me parece que chegou a hora de pagar todas as horas e meses de treinamento cuidadoso que teve, às expensas de Sua Majestade.
O coração de Armstrong baqueou duas vezes, mas ele ficou calado, apenas prendeu a respiração, e agradeceu a Deus porque nem mesmo Crosse poderia transferi-lo do DIC contra a sua vontade. Ele detestara os períodos passados no sei — no começo, fora excitante, e o fato de ter sido escolhido representava um grande voto de confiança, mas logo perdeu a graça —, os ataques súbitos contra os bandidos, nas horas mortas, interrogatórios in camera, nenhuma preocupação sobre a existência de provas concretas, apenas resultados e uma ordem secreta e rápida de deportação assinada pelo governador, depois a viagem imediata até a fronteira, ou até um junco com destino a Formosa, sem apelação ou volta. Jamais.
— Não é o estilo britânico, Brian — sempre comentara com o amigo. — Sou a favor de um julgamento justo, público.
— E que diferença faz? Seja prático, Robert. Sabe que os sacanas são todos culpados... são o inimigo, agentes inimigos comunas que se valem de nossas regras para continuar aqui, destruindo-nos e à nossa sociedade... auxiliados por alguns advogados filhos da mãe que fariam qualquer coisa por trinta moedas de prata, ou menos. A mesma coisa no Canadá. Santo Deus, cortávamos um dobrado na RPMC, nossos próprios advogados e políticos eram o inimigo, e canadenses recentes, curiosamente sempre britânicos, líderes dos sindicatos socialistas que estavam sempre na dianteira de qualquer agitação. Que diferença faz, contanto que a gente se livre desses parasitas?