— Ele contou a Wo Sang Chi aonde iria?
— Não. Wo Sang Chi nos disse que imaginara que tivesse ido para casa, mas depois acrescentou: "Quem sabe foi visitar a namorada?" Perguntamos quem era, mas ele disse que não sabia. Depois de muito insistirmos, falou que parecia lembrar um nome, Flor Fragrante, mas nada de endereço ou telefone... só isso.
— Flor Fragrante? Isso poderia se aplicar a uma infinidade de damas da noite.
— Sim, senhor.
Crosse ficou imerso em pensamentos, por um momento.
— Por que motivo Dunross iria querer eliminar John Chen?
Os dois policiais fitaram boquiabertos o seu superior.
— Ponha isso no seu cérebro de ábaco, Brian.
— Sim, senhor, mas não há motivo. John Chen não representa ameaça para Dunross, de modo algum... mesmo que se tornasse o representante nativo. Na Casa Nobre, o tai-pan detém todo o poder.
— É?
— Ê. Por definição. — Brian Kwok hesitou, desconcertado de novo. — Bem, senhor, sim... eu... na Casa Nobre, sim.
Crosse voltou a atenção para Armstrong.
— E então?
— Nenhum motivo que eu possa imaginar, senhor. Ainda.
— Bem, continue tentando.
Crosse acendeu um cigarro, e Armstrong sentiu violentamente ânsia de fumar. "Nunca vou manter minha promessa", pensou. "Sacana maldito, Crosse, a cruz-que-todos-temos-que-carregar! Que diabo está pensando?" Viu Crosse oferecer-lhe um maço de Sênior Service, a marca que costumava fumar. "Não se iluda", pensou, "a marca que você ainda fuma."
— Não, senhor, obrigado — ouviu-se dizer, agulhadas de dor no estômago, no corpo todo.
— Não está fumando, Robert?
— Não, senhor, parei... estou tentando parar.
— Admirável! Por que motivo Bartlett iria querer eliminar John Chen?
Novamente, os dois policiais o fitaram, embasbacados. Depois Armstrong perguntou, com voz rouca:
— Sabe por quê, senhor?
— Se soubesse, por que lhes perguntaria? Cabe a vocês descobrir. Há uma ligação num canto qualquer. Coincidências demais, a coisa está certinha demais, simples demais... e fedendo demais. É, isso está me cheirando a envolvimento do KGB, e quando isso acontece nos meus domínios, devo confessar que fico irritado.
— Sim, senhor.
— Então, até agora tudo bem. Ponham a sra. Phillip Chen sob vigilância. É bem provável que esteja implicada, de alguma forma. As vantagens para ela são realmente bastante compensadoras. Sigam Phillip Chen também, por um ou dois dias.
— Isso já foi feito, senhor. Com os dois. Quanto a Phillip Chen, não é que suspeite dele, mas só porque acho que eles farão o de costume: não cooperar, ficar na moita, negociar em segredo, pagar em segredo e soltar um suspiro de alívio quando tudo estiver terminado.
— Exatamente. Por que será que esses sujeitos, não importa o quanto sejam educados, acham que são muito mais espertos do que nós, e não nos ajudam a fazer o trabalho que somos pagos para fazer?
Brian Kwok sentiu os olhos de aço penetrantes sobre si, e o suor escorreu pelas suas costas. "Controle-se", pensou. "Esse sacana não passa de um demônio estrangeiro, incivilizado, comedor de bosta, coberto de merda, sem mãe, saturado de dew neh loh mob, descendente de um macaco."
— É um velho costume chinês, que certamente o senhor conhece — retrucou, cortesmente —, desconfiar de todos os policiais, de todos os funcionários do governo... eles têm quatro mil anos de experiência, senhor.
— Concordo com a hipótese, mas com uma exceção. Os britânicos. Provamos, sem margem de dúvida, que somos dignos de confiança, podemos governar, e, de um modo geral, nossa burocracia é incorruptível.
— Sim, senhor.
Crosse fitou-o por um momento, tirando baforadas do seu cigarro. Depois, falou:
— Robert, sabe o que disseram ou conversaram John Chen e a srta. Tcholok?
— Não, senhor. Ainda não pudemos interrogá-la... passou o dia inteiro na Struan. Poderia ter importância?
— Vai à festa de Dunross, logo mais à noite?
— Não, senhor.
— Brian?
— Sim, senhor.
— Ótimo. Robert, estou certo de que Dunross não vai se importar se eu o levar comigo, venha me buscar às oito. Todas as pessoas que contam em Hong Kong estarão lá... você pode ficar de ouvidos abertos e enfiar o nariz em qualquer canto. — Sorriu do seu comentário, e não se importou porque nenhum dos dois sorriu com ele. — Leiam agora o relatório. Volto logo. E Brian, por favor, não falhe hoje à noite. Seria realmente muito chato.
— Sim, senhor. Crosse saiu da sala.
Quando ficaram a sós, Brian Kwok enxugou a testa.
— Esse sacana me aterroriza.
— A mim, também, meu chapa. Sempre aterrorizou.
— Será que mandaria mesmo uma equipe invadir a Struan? — perguntou Brian Kwok, incrédulo. — O âmago dos âmagos da Casa Nobre?
— Claro. Até lideraria a equipe, pessoalmente. Este é o seu primeiro período no sei, meu rapaz, portanto você não o conhece como eu. Aquele sacana lideraria uma equipe de assassinos até o inferno, se achasse isso suficientemente importante. Aposto que foi ele próprio que pegou a pasta. Santo Deus, atravessou a fronteira duas vezes, que eu saiba, para bater papo com um agente amistoso. Foi sozinho, imagine só!
Brian soltou uma exclamação abafada.
— E o governador sabe disso?
— Acho que não. Teria uma hemorragia, e se a MI-6 soubesse, ele seria assado vivo, e Crosse seria mandado para a Torre de Londres. Ele conhece segredos demais para se arriscar desse jeito... mas é o Crosse, e não há nada que se possa fazer a respeito.
— Quem era o agente?
— O nosso homem em Cantão.
— Wu Fong Fong?
— Não, um novo; pelo menos era novo no meu tempo. Do exército.
— Capitão Ta Quo Sa? Armstrong deu de ombros.
— Esqueci. Kwok sorriu.
— É isso aí.
— Mesmo assim, o fato é que Crosse atravessou a fronteira. Ele faz as suas próprias leis.
— Puxa vida, você nem pode ir a Macau porque pertenceu ao sei há dois anos, e ele cruza a fronteira. É louco de se arriscar assim.
— É. — Armstrong começou a imitar Crosse. — "E como é que os comerciantes sabem das coisas antes de nós, meu caro rapaz? "É simples" — disse, respondendo a si mesmo, e sua voz voltou ao normal. — Eles gastam dinheiro. Gastam porradas de dinheiro, enquanto nós só temos brisa para gastar. Ele sabe disso, eu sei, e o mundo todo sabe. Santo Deus, como é que o FBI, a CIA, o KGB ou a CIA coreana trabalham? Gastando dinheiro! Diabos, mas é fácil ter Alan Medford Grant na sua equipe. Dunross o contratou. Um adiantamento de dez mil libras, isso compraria um bocado de relatórios. É mais do que o suficiente, quem sabe foi até menos. Quanto nos pagam? Duas mil libras por ano por trezentos e sessenta e seis dias de vinte e cinco horas, e um patrulheiro ganha quatrocentas libras. Imagine a burocracia que teríamos que enfrentar para obter dez mil libras secretas para comprar informações de um homem. Onde o FBI, a CIA e o maldito KGB estariam, se não tivessem fundos ilimitados? Diabos — acrescentou com azedume —, levaríamos seis meses para obter o dinheiro, se conseguíssemos obtê-lo, enquanto Dunross e cinqüenta outros tiram esse dinheiro da "caixinha". — O grandalhão ficou largado na cadeira, olheiras escuras, olhos vermelhos, as maçãs do rosto marcadas pela luz do teto. Lançou um olhar para a pasta em cima da mesa, à sua frente, mas sem tocá-la, imaginando as notícias tenebrosas que devia conter. — É fácil para os Dunrosses do mundo — comentou.
Brian Kwok concordou, enxugou as mãos e guardou o lenço.
— Dizem que Dunross tem um fundo secreto, o fundo do tai-pan, iniciado por Dirk Struan com o dinheiro obtido quando incendiou e saqueou Foochow, um fundo que apenas o tai-pan atual pode usar para esse tipo de coisa, para h'eung yau, pagamentos especiais, qualquer coisa... quem sabe até um assassinatozinho. Dizem que chega a milhões.