Brian Kwok riu. Foi uma risada contagiosa, e Armstrong riu com ele, acrescentando:
— Vá tomar no rabo de novo, por provocar o meu desabafo.
— Da mesma forma. Como é, quem vai ler primeiro, você ou eu?
Armstrong olhou para a pasta que tinha nas mãos. Era fina continha doze páginas datilografadas em espaço 1, e mais parecia um relatório confidencial de análise de notícias, com tópicos sob cabeçalhos diferentes. A página do índice dizia: "Parte 1: Previsão política e comercial do Reino Unido. Parte 2: O KGB na Ásia. Parte 3: Ouro. Parte 4: Progressos recentes da CIA".
Com ar cansado, Armstrong pôs os pés em cima da mesa e se acomodou mais confortavelmente na cadeira. Depois, mudou de idéia e entregou a pasta ao outro.
— Tome, leia você. Lê mais depressa do que eu, mesmo. Já estou cansado de ler sobre desgraças.
Brian Kwok pegou a pasta, mal contendo a impaciência, o coração batendo forte e pesadamente. Abriu-a e começou a ler.
Armstrong observava-o. Viu o rosto do amigo se modificar imediatamente e perder a cor. Aquilo o perturbara demais. Brian Kwok não se chocava com facilidade. Observou-o enquanto lia até o fim sem fazer comentário, depois voltava a reler um ou outro parágrafo, até que fechou a pasta, devagar.
— É tão ruim assim? — falou Armstrong.
— É pior. Parte dele... bem, se não fosse assinado por A. Medford Grant, eu diria que ele estava doido. Alega que a gia tem uma ligação séria com a Máfia, que estão tramando e já tramaram o assassinato de Castro, estão com força total no Vietnam, envolvidos em drogas e sabe lá Deus o que mais... tome... leia você mesmo.
— E quanto ao agente inimigo infiltrado, ao "toupeira"?
— Temos um toupeira, sem dúvida. — Brian reabriu a pasta e achou o parágrafo que queria. — Escute: "Não há dúvida de que atualmente existe um agente comunista de alto nível infiltrado na polícia de Hong Kong. Documentos altamente secretos que foram trazidos para o nosso lado pelo general Hans Richter (segundo em comando do Departamento de Segurança Interna da Alemanha Oriental), quando se bandeou para nós em março deste ano, afirmam claramente que o codinome do agente é 'Nosso Amigo', e que está na posição há pelo menos dez, ou talvez quinze anos. O contato dele é provavelmente um oficial do KGB em Hong Kong, fazendo-se passar por um empresário amigável em visita, vindo dos países da Cortina de Ferro, possivelmente por um banqueiro ou um jornalista, ou um marujo de um dos cargueiros soviéticos visitando Hong Kong ou sendo consertado aqui. Entre outras informações documentadas que agora sabemos que Nosso Amigo forneceu ao inimigo estão: todos os canais de rádio reservados, todos os números de telefone particulares do governador, chefe de polícia e altos escalões do governo de Hong Kong, juntamente com dossiês muito particulares sobre a maioria deles..."
— Dossiês? — interrompeu Armstrong. — Estão incluídos?
— Não.
— Merda! Continue, Brian.
— "...sobre a maioria deles; os planos de batalha secretos da polícia para enfrentar uma insurreição provocada pelos comunistas, ou uma repetição dos tumultos de Kowloon; cópias dos dossiês particulares de todos os policiais acima do posto de inspetor; os nomes dos seis principais agentes secretos nacionalistas do Kuomintang, operando em Hong Kong sob a autoridade atual do general Jen Tang-wa (Apêndice A); uma lista detalhada dos agentes do Serviço Especial de Informações em Kwantung, sob a autoridade geral do agente graduado Wu Fong Fong (Apêndice B)."
— Meu Deus! — Armstrong soltou uma exclamação abafada. — É melhor tirarmos o velho Fong Fong e o pessoal dele de lá, rapidinho.
— Wu Tat-sing está na lista? Kwok examinou o apêndice.
— Está. Ouça, o parágrafo termina assim: "...O comitê chegou à conclusão de que, até que este traidor seja eliminado, a segurança interna de Hong Kong está em perigo. Ignoramos por que esta informação ainda não foi passada adiante à própria polícia. Imaginamos que isso tenha ligação com a atual infiltração política soviética na administração do Reino Unido, em todos os níveis, o que permite a existência de Philbys e que informações como estas sejam omitidas, suavizadas ou até alteradas (o que foi material do Estudo 4/1962). Sugerimos que este relatório, ou parte dele, chegue imediatamente por vias indiretas aos ouvidos do governador ou do comissário de polícia de Hong Kong (se os considerar dignos de confiança)". — Brian Kwok ergueu os olhos, a mente em torvelinho. — Tem mais umas coisinhas aqui. Deus, a situação política no Reino Unido, e depois Sevrin... Leia. — Sacudiu a cabeça, desalentado. — Pombas, se isso é verdade... estamos atolados até o pescoço. Deus do céu!
Armstrong praguejou baixinho.
— Quem? Quem poderia ser o espião? Tem que ser lá de cima. Quem?
Depois de um grande silêncio, Brian disse:
— O único... o único que poderia saber disso tudo é o próprio Crosse.
— Ora, qual é, pela madrugada!
— Pense bem, Robert. Ele conhecia Philby. Não freqüentou Cambridge, também? Ambos têm origens semelhantes, estão na mesma faixa de idade, pertenceram à Inteligência durante a guerra... como Burgess e Maclean. Se Philby conseguiu tapear o mundo por todos esses anos, por que não Crosse?
— Impossível!
— Quem mais, senão ele? Não pertenceu à MI-6 a vida toda? Não passou um período trabalhando aqui, no começo dos anos 50, e não foi trazido de volta para organizar o nosso sei como setor separado da sb há cinco anos? Não tem sido o diretor, desde então?
— Isso não prova nada.
— É?
Fez-se um longo silêncio. Armstrong observava o amigo atentamente. Conhecia-o bem demais e sabia que falava sério.
— O que você sabe? — perguntou, inquieto.
— Digamos que Crosse seja homossexual.
— Você está completamente louco — explodiu Armstrong. — Ele é casado e... e pode ser um filho da mãe safado, mas nunca houve sequer um murmúrio a respeito disso, nunca.
— É, mas ele não tem filhos, a mulher mora quase permanentemente na Inglaterra, e, quando está aqui, dormem em quartos separados.
— Como sabe?
— A amab sabe, portanto, se eu quisesse saber, seria fácil descobrir.
— Isso não prova nada. Muita gente tem quartos separados. Está errado sobre Crosse.
— Digamos que eu pudesse apresentar-lhe provas?
— Que provas?
— Onde vai sempre passar parte da sua licença? Nas montanhas Cameron, na Malásia. Digamos que tenha um amigo ali, um jovem malaio, um conhecido pervertido.
— Eu precisaria de fotografias, e ambos sabemos que elas podem ser adulteradas — disse Armstrong, asperamente. — Precisaríamos de fitas gravadas, e ambos sabemos que também podem ser adulteradas. O jovem? Isso nada prova... é o truque mais antigo do mundo apresentar falso testemunho e falsas testemunhas. Nunca houve nem mesmo uma insinuação... e ainda que seja "gilete", isso nada prova... nem todos os pervertidos são traidores.
— Não. Mas todos os pervertidos são um excelente alvo para a chantagem. E se ele for, é altamente suspeito. Altamente suspeito. Certo?
Armstrong olhou à sua volta, inquieto.
— Ele pode ter posto escutas na sala.
— E se tiver?
— Se tiver e for verdade, pode acabar com a gente num piscar de olhos. Sendo verdade ou não.
— Pode ser... mas se ele for o espião, saberá que nós estamos sabendo, e se não for, rirá na nossa cara, e eu estou fora do sei. De qualquer maneira, Robert, ele não pode acabar com todos os chineses da força policial.
Armstrong fitou-o.
— O que quer dizer com isso?
— Talvez também haja uma pasta sobre ele. Talvez todo chinês, de cabo para cima, já a tenha lido.