Grant continuara dizendo "que se acreditava que Guillio fosse Vincenzo Banastasio, um escroque importante e atual chefão da família Sallapione. Isso está sendo verificado pelas nossas fontes americanas. Não sabemos se o agente inimigo infiltrado na polícia (tratamos disso em detalhes em outra seção) faz ou não parte da Sevrin, mas presumimos que sim.
"Na nossa opinião, a China será forçada a buscar um aumento cada vez maior do comércio com o Ocidente, para contrabalançar a hegemonia imperialista soviética e para preencher o vácuo e o caos criados pela retirada súbita, em 1960, de toda a ajuda técnica e financeira dos soviéticos. As forças armadas da China precisam desesperadamente se modernizar. As colheitas têm sido ruins. Portanto, todas as formas de materiais estratégicos e equipamentos militares encontrarão um mercado fácil por muitos anos, assim como a comida, alimentos básicos. A compra de títulos a termo de arroz americano é um investimento de longo alcance recomendado.
"Tenho a honra de ser, senhor, seu servo obediente, A. M. G., Londres, 15 de agosto de 1963."
"Jatos, tanques, porcas, parafusos, foguetes, motores, caminhões, gasolina, pneus, material eletrônico e alimentos", pensou Dunross, animadíssimo. "Uma variedade ilimitada de mercadorias, fáceis de obter, fáceis de transportar por navio, e nada no mundo como uma guerra para dar lucro, se a gente sabe comerciar. Mas a China não está comprando agora, mesmo que esteja precisando, não importa o que Grant diga.
"Quem pode ser Arthur?
"E na Struan, quem? Santo Deus! John Chen e Tsu-yan, e armas contrabandeadas, e agora um agente do KGB lá dentro. Quem? E quanto a..."
Ouviu uma leve batidinha na porta.
— Entre — falou, reconhecendo o modo de bater da mulher.
— Ian, são quase oito horas — disse Penelope. — Achei melhor avisá-lo. Sabe como você é.
— Sei.
— Que tal o dia de hoje? Horrível o que aconteceu com John Chen, não é? Leu os jornais, não leu? Vai descer?
— Vou. Champanha?
— Obrigada.
Ele serviu uma taça para ela, e voltou a encher a sua.
— Ah, Penn, a propósito, convidei um sujeito que conheci hoje à tarde, ex-membro da RAF. Pareceu-me um cara simpático... Peter Marlowe.
— Piloto de caças?
— É. Mas de Hurricanes, não Spits. Vestido novo?
— É.
— Está bonita — disse ele.
— Obrigada, mas não estou. Sinto-me tão velha! Mas obrigada. — Sentou-se na outra poltrona de braços, seu perfume tão delicado quanto suas feições. — Peter Marlowe, é o nome dele?
— É. O pobre infeliz foi preso em Java, em 42. Foi prisioneiro de guerra durante três anos e meio.
— Oh, pobre homem. Foi abatido?
— Não, os japoneses destruíram o aeroporto antes que ele pudesse escapar. Talvez tenha tido sorte. Os Zeros pegaram dois aviões em terra, e os dois últimos pouco depois de terem levantado vôo... os pilotos morreram queimados. Parece que aqueles Hurricanes eram os últimos dos Poucos¹... o resto de toda a defesa aérea do Extremo Oriente. Que estrago, aquele!
¹ Referência à frase de Churchilclass="underline" "Nunca tantos deveram tanto a tão poucos". (N. da T.)
— Terrível.
— É. Graças a Deus nossa guerra foi na Europa. — Dunross observou-a. — Ele disse que passou um ano em Java, depois os japoneses o mandaram para Cingapura, num destacamento de trabalho.
— Para Changi? — perguntou, a voz diferente.
— É.
— Ah!
— Passou dois anos e meio ali. — "Changi", em malaio, queria dizer "trepadeira", e Changi era o nome da cadeia em Cingapura usada pelos japoneses, na Segunda Guerra Mundial, como um dos seus nefastos campos para prisioneiros de guerra.
Ela pensou por um momento, depois deu um sorriso nervoso:
— Será que ele conheceu Robin lá?
Robin Grey era irmão dela, seu único parente vivo; seus pais haviam morrido num ataque aéreo a Londres, em 1943, pouco antes de seu casamento com Dunross.
— Marlowe disse que sim, que parecia recordar-se dele, mas era evidente que não queria falar daquela época, portanto não puxei mais pelo assunto.
— Posso imaginar. Disse a ele que Robin era meu irmão?
— Não.
— Quando é que Robin deve voltar para cá?
— Não sei ao certo. Dentro de alguns dias. Esta tarde o governador me disse que a delegação está agora em Pequim. — Uma delegação comercial parlamentar britânica, com deputados dos três partidos (Conservador, Liberal e Trabalhista), fora convidada em Londres por Pequim para debater todas as formas de comércio. A delegação chegara a Hong Kong fazia duas semanas e seguira diretamente para Cantão, onde todas as negociações comerciais eram realizadas. Era muito raro alguém receber um convite, muito menos uma delegação parlamentar, e mais raro ainda o convite incluir uma ida a Pequim. Robin Grey era um dos membros, representando o Partido Trabalhista. — Penn, querida, não acha que devíamos receber Robin, dar uma festa para ele? Afinal, há anos que não o vemos, e esta é a primeira vez que ele vem à Ásia... não acha que está na hora de esquecer o passado e fazer as pazes?
— Ele não receberá convites para a minha casa. Para nenhuma das minhas casas.
— Não acha que devia relaxar um pouco? Afinal, águas passadas não movem moinhos.
— Não, eu o conheço, você não. Robin tem a vida dele, nós temos a nossa. Há anos que eu e ele chegamos a este acordo. Não tenho a menor vontade de revê-lo. É horrível, perigoso, desbocado e um chato de galocha.
Dunross riu.
— Concordo que seja odioso, e detesto suas opiniões políticas... mas é apenas um entre meia dúzia de deputados. Esta delegação é importante. Tenho que entretê-los de alguma forma, Penn.
— Pois faça-o, Ian. Mas não aqui, de preferência. Ou então me avise com bastante antecedência, para eu ter algum mal-estar, e providenciar para que as crianças também tenham. É uma questão de prestígio, e ponto final. — Penelope sacudiu a cabeça, afastando o mau humor. — Deus! Não vamos deixar que ele estrague esta noite! O que esse Marlowe está fazendo em Hong Kong?
— É escritor. Quer escrever um livro sobre Hong Kong. Mora nos Estados Unidos, agora. A mulher dele também vem. Ah, a propósito, convidei também os americanos, Linc Bartlett e Casey Tcholok.
— Ah! — Penelope Dunross achou graça. — Ora, afinal quatro ou quarenta pessoas a mais não farão nenhuma diferença... não conheço a maioria mesmo, e Claudia organizou tudo com sua eficiência de sempre. — Arqueou uma sobrancelha. — Vejam só! Um contrabandista de armas entre os piratas! Isso não vai nem causar uma pequena comoção.
— E ele é?
— Todo mundo diz que sim. Não leu o artigo do Mirror de hoje à tarde, Ian? Ah Tat está convencida de que o americano dá azar. Informou a todos os empregados, às crianças e a mim, o que torna a coisa oficial. Ah Tat contou a Adryon que o astrólogo dela pediu que ela dissesse a você para ficar alerta contra a má influência vinda do Leste. Ah Tat está certa de que isso se refere aos ianques. Ainda não veio fazer fofoca no seu ouvido?
— Ainda não.
— Deus, como gostaria de poder tagarelar em cantonense como você e as crianças. Diria àquela harpia velha para guardar para si suas superstições e opiniões... ela é uma péssima influência...