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— Daria a vida pelas crianças.

— Sei que é a sua gan sun, e que praticamente o criou, e que se acha uma dádiva de Deus para o clã dos Dunrosses. Mas, no que me diz respeito, é uma vaca velha rabugenta e detestável, eu a odeio. — Penelope sorriu docemente. — Ouvi dizer que a moça americana é bonita.

— Atraente... não bonita. Andrew está cortando um dobrado com ela.

— Acredito. Uma dama falando de negócios! Aonde vamos parar, neste nosso grande mundo! Ela é capaz?

— Ainda é cedo para dizer. Mas é muito esperta. Está criando... irá criar situações constrangedoras, sem dúvida.

— Já viu Adryon hoje?

— Não... o que foi? — perguntou, reconhecendo imediatamente seu tom de voz.

— Andou mexendo de novo no meu armário... metade das minhas melhores meias sumiu, o resto está espalhado, meus lenços de seda estão todos remexidos, minha blusa e meu cinto novos desapareceram. Mexeu até no meu melhor Hermes... essa garota é o fim da picada!

— Com dezenove anos, não é uma garota — disse ele, cansadamente.

— É o fim da picada! Perdi a conta das vezes que falei com ela!

— Falarei de novo.

— Não vai adiantar nada.

— Eu sei.

Ela riu junto com ele.

— Ela é uma parada!

— Tome. — Entregou a ela um estojo fino. — Feliz vigésimo!

— Oh, obrigada, Ian. O seu está lá embaixo. Você o... — Interrompeu-se e abriu o estojo. Continha uma pulseira de jade entalhado, o jade encravado em filigrana de prata, finíssima, antiqüíssima... uma peça de colecionador. — Ah, que lindo! Obrigada, Ian. — Colocou-a no pulso, sobre a corrente fina de ouro que usava, e ele não notou prazer verdadeiro ou desapontamento verdadeiro no seu tom de voz, embora estivesse atento às nuanças. — É uma beleza — falou, debruçando-se para a frente e roçando os lábios no rosto dele. — Obrigada, querido. Onde o conseguiu? Em Formosa?

— Não, aqui na Cat Street. Na loja de Wong Chun Kit, ele ga...

A porta se escancarou, e uma garota entrou atropelada-mente. Era alta, esguia e claríssima, e disse, depressa e sem fôlego:

— Espero que não haja problemas. Convidei um rapaz para hoje à noite e acabo de receber seu telefonema confirmando que virá e que vai chegar atrasado. Mas achei que não faria mal. Ele é legal, um barato.

— Pelo amor de Deus, Adryon — disse Dunross, suavemente —, quantas vezes já lhe disse para bater antes de irromper sala adentro, e quer por favor falar inglês? Que diabo é um barato?

— Bom, grande, legal, um barato. Desculpe, papai, mas você é mesmo muito careta, porque "legal" e "um barato" estão na moda, até mesmo em Hong Kong. Até já. Tenho que correr, depois da festa eu vou sair... vou chegar tarde, portanto não...

— Espere um mi...

— Essa blusa é minha, a minha blusa nova — explodiu Penelope. — Adryon, tire-a imediatamente! Já lhe disse umas cinqüenta vezes para não mexer no meu armário!

— Ora, mamãe — retrucou Adryon, com a mesma brusquidão —, você não está precisando dela, não posso usá-la esta noite? — O tom de voz dela mudou. — Por favor! Puxa, por favor! Papai, fale com ela. — Passou a falar em perfeito cantonense de amah: — Honorável Pai... por favor, ajude sua Filha Número Um a obter o impossível de obter, senão eu chorarei, chorarei, chorarei oh ko... — Depois, no mesmo fôlego, voltando ao inglês: — Mamãe... você não precisa dela, e vou tomar cuidado, juro. Por favor!

— Não.

— Vamos, por favor, eu tomo cuidado, prometo.

— Não.

— Mamãe!

— Bem, se você pro...

— Puxa, obrigada.

A garota riu de orelha a orelha, virou-se e saiu correndo, batendo a porta atrás de si.

— Puta que o pariu — disse Dunross, com azedume —, mas por que as portas sempre têm que bater atrás dela?

— Bem, pelo menos agora ela não bate de propósito. — Penelope soltou um suspiro. — Acho que não agüentaria passar por aquilo tudo de novo.

— Nem eu. Graças a Deus Glenna é razoável.

— É puramente temporário, Ian. Ela também puxou ao pai, como Adryon.

— Hum! Eu não tenho um gênio dos diabos — disse ele, vivamente. — E já que estamos falando no assunto, estou torcendo para que Adryon tenha encontrado um sujeito decente para trazer, ao invés do palhaço de costume. Quem é esse que vem hoje?

— Não sei, Ian. Também estou sabendo disso agora.

— Eles são sempre um horror! O gosto dela em matéria de homem é um espanto... Lembra-se daquele pateta de cabeça de melão com braços neolíticos por quem estava "loucamente apaixonada"? Santo Deus, mal tinha quinze anos e...

— Tinha quase dezesseis.

— Como era o nome dele? Ah, é, Byron. Byron, pela madrugada!

— Você não devia ter ameaçado estourar os miolos dele, Ian. Era só uma paixãozinha juvenil.

— Era mais uma paixão de gorila, por Deus — resmungou Dunross, com maior azedume. — Era um maldito gorila... Lembra-se do outro, daquele antes do desgraçado do Byron... aquele filho da mãe psiquiátrico... como se chamava?

— Victor. É, Victor Hopper. Foi ele que... é, estou lembrando, foi ele que perguntou se não faria mal se ele dormisse com Adryon.

— Ele o quê?

— Foi, sim. — Sorriu para ele, não tão inocentemente. — Não lhe contei, na época... achei que seria melhor.

— Ele o quê?

— Não fique irritado agora, Ian. Isso aconteceu há quatro anos. Eu disse a ele que não, não no momento, que Adryon tinha apenas catorze anos, mas sim, certamente, quando tivesse vinte e um anos. Aquele foi outro que morreu no nascedouro.

— Santo Deus! Ele perguntou se po...

— Pelo menos perguntou, Ian! Já é alguma coisa. Tudo isso é tão comum! — Levantou-se, serviu mais champanha para ele e para si mesma. — Você tem apenas mais uns dez anos de purgatório, e depois virão os netos. Feliz aniversário de casamento, e o melhor das coisas britânicas para você!

Ela riu, encostou a taça na dele, bebeu e sorriu para ele.

— Está certa, mais uma vez — retrucou ele, devolvendo o sorriso, gostando muito dela.

Tantos anos, anos bons. "Tive sorte", pensou. "É. Fui abençoado, naquele primeiro dia." Estava no seu posto da RAF em Biggin Hill, numa manhã quente e ensolarada de agosto de 1940, durante a Batalha da Grã-Bretanha, e ela era do Corpo Auxiliar Feminino, recém-destacada para lá. Era o oitavo dia de guerra dele, sua terceira missão naquele dia, e a primeira vez que abatera alguém. Seu Spitfíre estava todo pontilhado de buracos de bala, partes da asa haviam sido derrubadas, a cauda parecia tatuada. Por todas as regras da sorte, devia estar morto, mas não estava, e o Messerschmitt e seu piloto estavam, e ele estava em casa, seguro, o sangue fervendo, tonto de medo e vergonha e alívio porque voltara, e o jovem que vira na outra cabine de piloto, o inimigo, incendiara-se berrando, enquanto descia em espiral.

— Alô, senhor — dissera Penelope Grey. — Bem-vindo, senhor. Tome.

Entregara-lhe uma xícara de chá quente e doce, e nada mais dissera, embora devesse ter começado imediatamente a interrogá-lo sobre os detalhes da missão... fazia parte do Serviço de Comunicações. Ela nada dissera, apenas sorrira, dando-lhe tempo para descer dos céus da morte para a vida, novamente. Ele não lhe agradecera, apenas tomara o chá, que fora o melhor que jamais bebera.

— Peguei um Messerschmitt — dissera, quando estava em condições de falar, a voz tão trêmula quanto os joelhos. Não se lembrava de ter se soltado dos cintos de segurança, de sair da cabine ou de entrar no caminhão junto com os outros sobreviventes. — Era um 109.

— Sim, senhor, o líder da Esquadrilha Miller confirmou a destruição do aparelho inimigo e disse que o senhor se aprontasse, pois deve voltar a subir a qualquer minuto. Vai levar o Poppa Mike Kilo, desta vez. Obrigada pelo avião derrubado, senhor, é um daqueles demônios a menos... ah, como gostaria de poder ir com vocês para ajudar a matar todos aqueles monstros...