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Mas eles não eram monstros, pensou, pelo menos o primeiro piloto e o primeiro avião que abatera não haviam sido... apenas um jovem como ele próprio, quem sabe da mesma idade, que se incendiara berrando, que morrera berrando, uma folha caída em chamas, e naquela tarde, ou na próxima, ou em breve, seria a vez dele... inimigos demais, gente nossa de menos.

— Tommy voltou, Tom Lane?

— Não, senhor. Lamento, senhor. Ele... o líder da esquadrilha disse que o capitão-aviador Lane foi derrubado sobre Dover.

— Tenho pavor de ser derrubado, de pegar fogo — dissera ele.

— Ah, mas não vai, senhor, não o senhor. Eles não vão derrubá-lo. Eu sei. Não vai, senhor, não, o senhor não. Nunca irão pegá-lo, nunca, nunca, nunca — dissera ela, os olhos azuis muito claros, cabelos claros, rosto bonito, dezoito anos incompletos, mas forte, muito forte e muito confiante.

Ele acreditara nela, e sua fé o acompanhara durante mais quatro meses de missões — às vezes cinco missões por dia — e mais aviões derrubados, e, embora ela estivesse errada e mais tarde ele também tivesse sido acertado em pleno ar, ele sobreviveu. Apenas se queimou um pouquinho. E depois, quando saiu do hospital, impossibilitado para sempre de voltar a pilotar, eles se casaram.

— Nem parece que foram vinte anos — disse ele, contendo a sua felicidade.

— E mais dois antes — disse ela, contendo a sua felicidade.

— E mais dois na...

A porta se abriu. Penelope soltou um suspiro quando Ah Tat invadiu o aposento, falando pelos cotovelos em cantonense.

— Ayeeyah, meu Filho, mas você ainda não está pronto, os nossos honrados convidados chegarão a qualquer momento, e o nó de sua gravata ainda não foi dado, e aquele estrangeiro sem mãe trazido desnecessariamente de Kwantung Norte para a nossa casa para cozinhar... aquele rebento fedido de uma meretriz de um dólar de Kwantung Norte, de onde vêm os melhores ladrões e as piores prostitutas, e que se considera um cozinheiro... Ah!... Esse homem e a sua equipe igualmente desprezível estão sujando a nossa cozinha e roubando a nossa paz. Oh ko — continuou a velhinha enrugada, sem tomar fôlego, enquanto seus dedos encurvados subiam automaticamente e habilmente davam o nó na gravata dele — e isso não é tudo! A Filha Número Dois... a Filha Número Dois não quer botar o vestido que a Honorável Primeira Mulher escolheu para ela, e está tendo um ataque de raiva que se ouve em Java! Eeee, esta família! Tome, meu Filho — tirou do bolso um envelope de telex e passou-o a Dunross —, eis outra mensagem dos bárbaros dando mais parabéns por este dia feliz, e que sua pobre velha Mãe teve que trazer ela mesma, escada acima, com suas pobres e velhas pernas, porque os outros criados ociosos são vadios e preguiçosos...

Fez uma pausa momentânea para tomar fôlego.

— Obrigado, Mãe — agradeceu ele, cortesmente.

— Na época do seu Honorável Pai, os criados trabalhavam e sabiam o que fazer, e sua velha Mãe não tinha que aturar estranhos sujos na nossa Casa Grande! — Foi saindo, xingando ainda mais o pessoal do bufê. — Não se atrase, Filho, senão...

Ainda falava, mesmo depois de ter fechado a porta.

— O que há com ela? — indagou Penelope, desanimada.

— Está reclamando do pessoal do bufê, não gosta de estranhos... sabe como ela é.

Abriu o envelope, onde estava o telex dobrado.

— O que estava falando de Glenna? — perguntou a mulher, tendo reconhecido yee-chat, Segunda Filha, embora seu cantonense fosse mínimo.

— Só que estava tendo um ataque por causa do vestido que você escolheu para ela.

— O que há de errado nele?

— Ah Tat não disse. Olhe, Penn, quem sabe Glenna devesse ir logo para a cama... já está quase passando da hora de ela dormir e...

— Imagine! Só quando as galinhas criarem dentes. Até mesmo a Bruxa Struan não conseguiria evitar que Glenna comparecesse à sua primeira festa adulta, como ela diz. Você concordou, Ian, você concordou. Eu, não. Foi você!

— É, mas não ach...

— Não. Tem idade suficiente. Afinal, está com treze anos. — Penelope terminou calmamente o seu champanha. — Mesmo assim, agora vou ter uma palavrinha com a senhorita, pode deixar.

Levantou-se. Depois, notou a fisionomia dele, que fitava o telex.

— O que aconteceu?

— Um empregado nosso foi morto em Londres. Grant. Alan Medford Grant.

— Ah. Será que eu ò conhecia?

— Acho que foi apresentada a ele uma vez, em Ayrshire. Era um homenzinho com jeito de gnomo. Esteve numa das nossas festas no Castelo Avisyard... na nossa última viagem.

Ela franziu o cenho.

— Não me lembro. — Pegou o telex que ele lhe oferecia. Dizia: "Lamento informar-lhe que A. M. Grant foi morto em acidente de motocicleta hoje de manhã. Os detalhes seguirão quando eu os tiver. Lamento. Lembranças, Kiernan". — Quem é Kiernan?

— O assistente dele.

— Esse Grant... era amigo seu?

— De certo modo.

— É importante para você?

— É.

— Ah, sinto muito.

Dunross forçou-se a dar de ombros e a manter a voz serena. Mas, no íntimo, praguejava obscenamente.

— Coisas da vida. Joss.

Penelope queria lamentar com ele, reconhecendo de pronto a profundidade do choque que tivera. Sabia que ele estava perturbadíssimo, tentando disfarçar... e queria saber imediatamente quem era e que importância tinha aquele desconhecido. Mas ficou calada.

"Esse é o meu papel", lembrou a si mesma. "Não fazer perguntas, ficar calma e estar presente... para apanhar os cacos, mas só quando ele me permite."

— Vai descer?

— Num minuto.

— Não demore, Ian.

— Está bem.

— Mais uma vez, obrigada pela minha pulseira — disse, apreciando-a.

— De nada — ele respondeu.

Mas ela sabia que ele não a escutara, de verdade. Já estava ao telefone, pedindo uma ligação interurbana. Ela saiu e fechou a porta suavemente, e ficou parada tristemente no longo corredor que levava às alas leste e oeste, o coração disparado. "Malditos sejam todos os telex e todos os telefones, e maldita seja a Struan e Hong Kong, e malditos sejam todas as festas e todos os bicões, e, ah, como gostaria que pudéssemos ir embora para sempre, esquecer Hong Kong, esquecer o trabalho, a Casa Nobre, os Grandes Negócios, a costa do Pacífico e a Bolsa de Valores, e maldi..."

— Mamãeeeee!

Ouviu a voz estridente de Glenna vinda do fundo do seu quarto, dobrando o ângulo mais afastado da ala leste, e imediatamente todos os seus sentidos se concentraram. Havia raiva frustrada na voz de Glenna, mas não havia perigo, portanto ela não se apressou, simplesmente respondeu:

— Já vou... o que é, Glenna ?

— Onde você estááááãá?

— Já estou indo, querida — respondeu, pensando agora em coisas importantes. "Glenna vai ficar linda naquele vestido. Ah, já sei", pensou, satisfeita, "vou lhe emprestar o meu colarzinho de pérolas. Vai ficar perfeito." Apressou o passo.

Do outro lado do porto, em Kowloon, o sargento comissionado Tang-po, DIC, subiu as escadas desconjuntadas e entrou na sala. O âmago da sua tríade secreta já estava ali.

— Enfiem isso nesse osso que alguns de vocês têm entre as orelhas: os Dragões querem que se encontre o Chen da Casa Nobre, e que esses Lobisomens bexiguentos, comedores-de-bosta, sejam presos tão rapidamente que até os deuses piscarão os olhos!

— Sim, senhor — responderam os subalternos em coro, chocados com o seu tom de voz.

Estavam no esconderijo de Tang-po, um pequeno e desenxabido apartamento de três peças, atrás de uma porta de entrada desenxabida no quinto andar de um prédio de apartamentos igualmente desenxabido, encimando umas lojas muito modestas num beco sujo, a apenas três quarteirões de distância do quartel-general da polícia do distrito de Tsim Sha Tsui, que ficava de frente para o porto e o Pico, na ponta da península de Kowloon. Eles eram em número de nove: um sargento, dois cabos, os outros guardas — todos detetives à paisana do DIC, todos cantonenses, todos escolhidos a dedo, tendo feito juramentos de sangue, de lealdade e sigilo. Eram o tong, ou irmandade secreta, de Tang-po, que protegia toda a jogatina de rua no distrito de Tsim Sha Tsui.