— O porco! Ah, mas que porco!
— É. Ele me assustou de verdade. Senti as palavras dele me atingirem no Saco Secreto! Mas quem sabe falava a verdade.
Pegou um lenço, assoou o nariz, com a respiração asmática, pigarreou ruidosamente e cuspiu na escarradeíra.
— Ouça, Irmão Mais Moço, o nosso Grande Dragão disse que chegou a hora de organizar o Contrabandista Yuen, Lee Pó Branco e o primo dele, Wu Quatro Dedos.
O sargento Lee fitou-o, chocadíssimo. Aqueles três homens tinham a fama de ser os Grandes Tigres do comércio de ópio. Importadores e exportadores. Para uso local e também, segundo a voz corrente, para exportação para o País Dourado, onde havia o dinheiro grosso. Ópio trazido para Hong Kong secretamente e convertido em morfina e, depois, em heroína.
— Ruim, muito ruim. Nunca tocamos nesse comércio antes.
— É — falou Tang-po delicadamente.
— Seria muito perigoso. O Departamento de Narcóticos é seriamente contra ele. A Grande Montanha de Bosta em pessoa está muito seriamente interessada em apanhar esses três... interessada pra caralho.
Tang-po fitou o teto. Depois, falou:
— Q Grande Dragão explicou assim: uma tonelada de ópio no Triângulo Dourado custa sessenta e sete mil dólares americanos. Transformada na porra da morfina, e depois na porra da heroína, e a heroína pura diluída a cinco por cento, a proporção costumeira nas ruas do País Dourado, e entregue ali, já se tem quase seiscentos e oitenta milhões em dólares americanos. Com uma tonelada de ópio.
Tang-po tossiu e acendeu outro cigarro.
O suor começou a porejar nas costas de Lee.
— Quantas toneladas poderiam passar através desses três fornicadores?
— Não sabemos. Mas disseram-lhe que cerca de trezentos e oitenta toneladas por ano são produzidas no Triângulo Dourado — Yunan, Birmânia, Laos e Tailândia. Grande parte vem para cá. Eles lidariam com cinqüenta toneladas, falou ele. Tem certeza de cinqüenta toneladas.
— Oh ko!
— É. — Tang-po também suava. — Nosso Grande Dragão disse que chegou a hora de investirmos no negócio. Vai crescer e crescer. Ele tem um plano para fazer a marinha se unir a nós...
— Dew neh loh moh, não se pode confiar naqueles filhos da mãe marítimos.
— Foi o que eu disse, mas ele falou que precisamos dos filhos da mãe marítimos, e que podemos confiar em alguns, selecionados. Quem mais poderá agarrar e interceptar uns vinte por cento de sinal... quem sabe até cinqüenta por cento para apaziguar a Grande Montanha de Bosta em pessoa, em momentos pré-combinados? — Tang-po cuspiu certeiramente, de novo. — Se pudéssemos juntar a marinha, o Departamento de Narcóticos e o Bando dos Três, o nosso h'eung yan atual seria igual à mijada de uma criança nas águas do porto.
Fez-se um silêncio sério no aposento.
— Teríamos que recrutar novos membros, e isso é sempre perigoso.
— É.
Lee pegou o bule de chá e serviu-se de um pouco de chá de jasmim, com o suor escorrendo costas abaixo, o ar abafado e cheio de densa fumaça. Esperou.
— O que acha, Irmão Mais Moço?
Os dois homens não eram aparentados, mas usavam a cortesia chinesa entre si porque há mais de quinze anos confiavam um no outro. Lee salvara a vida do seu superior nos levantes de 1956. Estava agora com trinta e cinco anos, e seu heroísmo nos levantes lhe garantira uma medalha da polícia. Era casado e tinha três filhos. Há dezesseis anos estava na força policial, e seu salário integral era de oitocentos e quarenta e três HK por mês. Tomava o bonde para ir para o trabalho. Se não complementasse a sua renda através da irmandade, como todos eles, teria tido que ir a pé ou de bicicleta, na maior parte dos dias. O bonde levava duas horas.
— Acho que a idéia é muito ruim — falou. — Drogas, qualquer tipo de droga é ruim pra caralho... é, muito ruim. O ópio é ruim, embora seja bom para gente velha... o pó branco, cocaína, é ruim, mas não tão ruim quanto as seringas da morte. Dá azar comerciar com as seringas da morte.
— Foi o que eu lhe disse.
— Vai obedecê-lo?
— O que é bom para um irmão deve ser bom para todos — disse Tang-po, cautelosamente, evitando uma resposta direta.
Novamente, Lee esperou. Não sabia como um Dragão era eleito, ou exatamente quantos havia, ou quem era o Grande Dragão. Sabia apenas que o seu Dragão era Tang-po, um homem sábio e cauteloso, que pensava nos interesses deles.
— Falou também que um ou dois dos nossos demônios estrangeiros superiores estão ficando com cócegas quanto às suas malditas fatias do dinheiro do jogo.
Lee cuspiu, enojado.
— O que esses fornicadores fazem para merecer a sua parte? Nada. Só fecham os olhos malditos. Exceto o Cobra.
Esse era o apelido do inspetor-chefe Donald C. C. Smyth, que organizara abertamente seu distrito de Aberdeen Leste e vendia favores e proteção em todos os níveis, diante dos seus subalternos chineses.
— Ah, ele! Devia ser enfiado esgoto abaixo, o sacana. Logo, aqueles a quem paga, acima deles, não poderão mais esconder o seu fedor. E o fedor dele se espalhará sobre todos nós.
— Ele deve se aposentar daqui a dois anos — falou Lee, sombriamente. — Talvez fique puxando o saco de todos os figurões até sair, e eles não poderão fazer nada. Os amigos dele estão lá no alto, segundo dizem.
— E enquanto isso? — perguntou Tang-po. Lee soltou um suspiro.
— Meu conselho, Irmão Mais Velho, é ser cauteloso, não entrar nessa se puder evitar. Se não puder... — deu de ombros. — É o destino. Já está decidido?
— Não. Ainda não. O assunto foi mencionado na nossa reunião semanal. Para ser estudado.
— Já se dirigiram ao Bando dos Três?
— Parece que foi Lee Pó Branco que nos procurou em primeiro lugar, Irmão Mais Moço. Parece que os três vão se unir.
Lee soltou uma exclamação abafada.
— Com juramentos de sangue?
— Parece que sim.
— Vão trabalhar juntos? Aqueles demônios?
— Foi o que disseram. Aposto que Wu Quatro Dedos vai ser o Tigre Maior.
— Ayeeyah, ele? Dizem que matou pessoalmente cinqüenta homens — falou Lee, sombriamente. Estremeceu ao pensar no perigo. — Devem ter uns trezentos lutadores no seu rol de pagamento. Seria melhor para todos nós se aqueles três estivessem mortos... ou atrás das grades.
— É. Mas, entrementes, Lee Pó Branco diz que eles estão prontos para se expandir, e que em troca de uma pequena cooperação da nossa parte poderão garantir um lucro gigantesco. — Tang-po enxugou a testa, tossiu e acendeu outro cigarro. — Ouça, Irmãozinho — falou, suavemente. — Ele jura que lhes ofereceram uma grande fonte de dinheiro americano, dinheiro vivo e de banco, e um grande mercado varejista para a sua mercadoria lá, com sede nesse lugar chamado Manhattan.
Lee sentiu o suor na testa.
— Um mercado varejista lá... ayeeyah, isso significa milhões. Eles garantem?
— Garantem. Com muito pouca coisa para fazermos. Exceto fechar os olhos e cuidar para que a marinha e o Departamento de Narcóticos apreendam apenas os carregamentos corretos, e fechem os olhos quando for a hora. Não está escrito nos Livros Antigos: se você não der um aperto, o raio o atingirá?
Um novo silêncio.
— Quando é que a decisão... quando vai ser decidido?
— Na semana que vem. Se for sim, bem, o fluxo do tráfico vai levar meses para ser organizado, quem sabe um ano. — Tang-po deu uma olhada no relógio e se levantou. — Hora do nosso banho. O Noturno Song providenciou jantar para nós, depois.
— Eeeee, que ótimo. — Inquieto, Lee apagou a única lâmpada do teto. — E se a decisão for não?
Tang-po apagou o cigarro e tossiu.
— Se for não... — Deu de ombros. — Temos uma só vida, a despeito dos deuses, portanto é nosso dever pensar nas nossas famílias. Um dos seus parentes trabalha como comandante com Wu Quatro Dedos...