— Pode ser coincidência, senhor — comentou Brian Kwok. — Ambos são ávidos apostadores. Ambos já estiveram no reservado do tai-pan.
— Não confio em coincidências — disse Crosse. — No que tange a Langan, claro que vocês não sabem nada, nenhum dos dois.
— Sim, senhor.
— Ótimo. É melhor vocês dois irem cuidar dos nossos negócios.
— Sim, senhor.
Satisfeitos, os dois homens se viraram para ir embora, mas se detiveram, ao notar o súbito silêncio. Todos os olhos se voltaram para a porta de entrada. Quillan Gornt ali se encontrava, barba e sobrancelhas negras, cônscio de que fora notado. Os outros convivas apressadamente continuaram as conversas interrompidas e desviaram os olhos, mas aguçaram os ouvidos.
Crosse assobiou baixinho.
— Ora, por que estará aqui?
— Aposto cinqüenta contra um que está tramando alguma sujeira — respondeu Brian Kwok, igualmente espantado.
Ficaram observando Gornt entrar no salão de baile e estender a mão a Dunross e a Penelope, ao seu lado. Claudia Chen, próxima a eles, estava quase em estado de choque, imaginando como poderia reorganizar a mesa de Dunross assim, em cima da hora, pois é claro que Gornt teria que se sentar ali.
— Espero que não se incomodem por eu ter mudado de idéia em cima da hora — dizia Gornt, sorridente.
— Absolutamente — retrucou Dunross, sorridente.
— Boa noite, Penelope. Achei que devia dar-lhes os parabéns pessoalmente.
— Ah, obrigada. — O sorriso dela permaneceu intacto, mas o coração batia descompassadamente, agora. — Eu, eu sinto muito o que houve com sua mulher.
— Obrigado. — Emelda Gornt sofrerá de artrite, e há anos vivia presa a uma cadeira de rodas. No começo do ano, pegara pneumonia e falecera. — Ela teve muito azar — disse Gornt. Olhou para Dunross. — Foi azar o que houve com John Chen, também.
— Muito.
— Suponho que tenha lido a Gazette da tarde. Dunross fez que sim com a cabeça, e Penelope disse:
— É de deixar qualquer um morto de medo. — Todos os jornais da tarde exibiram manchetes enormes e se regalaram com os detalhes da orelha mutilada e dos Lobisomens. Houve uma ligeira pausa. Ela apressou-se a preenchê-la. — Os seus filhos vão bem?
— Vão. Annagrey vai para a Universidade da Califórnia em setembro... Michael está aqui, passando as férias de verão. Estão em muito boa forma, folgo em dizer. E os seus?
— Vão muito bem. Embora eu tivesse muita vontade de que Adryon fosse para a universidade. Puxa vida, mas como as crianças são difíceis, hoje em dia, não é?
— Acho que sempre foram. — Gornt deu um ligeiro sorriso. — Meu pai vivia reclamando que eu era muito difícil.
Olhou novamente para Dunross.
— É. E como vai seu pai?
— Muitíssimo bem-disposto, folgo em dizer. O clima da Inglaterra lhe faz muito bem, diz ele. Vem passar o Natal aqui. — Gornt aceitou uma taça de champanha que lhe fora oferecida. O garçom estremeceu sob seu olhar, e afastou-se depressa, ergueu a taça. — Uma vida feliz e parabéns.
Dunross retribuiu o brinde, ainda atônito com a chegada de Gornt. Fora apenas por educação e classe que Gornt e outros inimigos haviam recebido convites formais. Uma recusa polida era só o que se esperava deles... Gornt já havia recusado.
"Por que ele está aqui?
"Veio gozar com a minha cara", pensou Dunross. "Como o maldito do pai dele. O motivo deve ser esse. Mas por quê? O que ele andou aprontando contra nós? Bartlett? Será através de Bartlett?"
— Que bela sala, lindas proporções — dizia Gornt. — E que bela casa. Sempre invejei essa sua bela casa.
"É, seu filho da mãe, eu sei", pensou Dunross, furioso, recordando a última vez que qualquer dos Gornts tinha estado na Casa Grande. Há dez anos, em 1953, quando o pai de Ian, Colin Dunross, ainda era o tai-pan. Fora durante a festa de Natal da Struan, tradicionalmente a maior da temporada natalina, e Quillan Gornt havia chegado, junto com o pai, William, na época tai-pan da Rothwell-Gornt, e também inesperadamente. Depois do jantar houvera um bate-papo público e amargo entre os dois tai-pans, no salão de bilhar onde cerca de uma dúzia de homens se havia reunido para um joguinho. Fora na época em que a Struan havia sido bloqueada pelos Gornts e seus amigos xangaienses na sua tentativa de tomar posse da South Orient Airways, que, devido à conquista do continente pelos comunistas, ficara disponível. Essa companhia aérea auxiliar monopolizava todo o tráfego aéreo de e para Xangai, vindo de Hong Kong, Cingapura, Taipé, Tóquio e Bangkok, e se houvesse uma fusão dela com a Air Struan, a recém-fundada companhia aérea deles, a Struan obteria o virtual monopólio do Extremo Oriente, com sede em Hong Kong. Os dois homens se haviam acusado de práticas escusas... e as acusações de ambas as partes eram verdadeiras.
É, pensou Ian Dunross consigo mesmo, os dois homens haviam ido a extremos, daquela vez. William Gornt tentara de todas as formas estabelecer-se em Hong Kong depois das perdas imensas da Rothwell-Gornt em Xangai. E quando Colin Dunross sentiu que a Struan não seria mais a companhia dominante, tirara a South Orient das mãos de William Gornt, unindo-se a um grupo cantonense seguro.
— E foi o que você fez, Colin Dunross, foi o que você fez. Caiu na armadilha e agora jamais nos deterá — jactara-se William Gornt. — Viemos para ficar. Vamos expulsá-los da Ásia, a você e à sua amaldiçoada Casa Nobre. A South Orient é apenas o começo. Vencemos!
— Venceram, uma ova! O grupo Yan-Wong-Sun associou-se a nós. Temos um contrato!
— Está cancelado. — William Gornt fizera sinal a Quillan, seu filho mais velho e herdeiro presumível, que pegou uma cópia de um contrato. — Este contrato aqui é com o grupo Yan-Wong-Sun, representantes do grupo Tso-Wa-Feng — disse, alegremente —, representantes do Ta-Weng-Sap, que vende o controle da South Orient para a Rothwell-Gornt por um dólar além do custo original! — Quillan Gornt colocara o documento sobre a mesa de bilhar, ostensivamente. — A South Orient é nossa!
— Não acredito!
— Pode acreditar. Feliz Natal!
William Gornt dera uma risada grande, debochada, e fora embora. Quillan colocara no lugar seu taco de bilhar, rindo também. Ian Dunross estava junto à porta.
— Um dia vou ser dono desta casa — Quillan Gornt sibilara para ele, depois virara-se e dissera para os outros, em voz alta: — Se algum de vocês quiser um emprego, venha nos procurar. Não demora estarão desempregados. Sua Casa Nobre não vai ser nobre por muito tempo.
Lá estavam Andrew Gavallan, Jacques de Ville, Alastair Struan, Lechie e David MacStruan, Phillip Chen, até mesmo John Chen.
Dunross lembrava-se de como o pai esbravejara, naquela noite, e amaldiçoara a traição, os representantes e o azar, sabendo o tempo todo que o filho o advertira, muitas vezes, e que suas advertências haviam sido postas de lado. "Santo Deus, como fomos humilhados! Hong Kong inteira riu de nós, daquela vez... os Gornts e seus xangaienses intrusos mijando de uma grande altura sobre a Casa Nobre.
"É. Mas aquela noite marcou o início da derrubada de Colin Dunross. Foi naquela noite que decidi que ele tinha que ser afastado antes que a Casa Nobre se perdesse para sempre. Usei Alastair Struan. Ajudei-o a tirar meu pai da jogada. Alastair Struan tinha que ser tai-pan. Até que eu fosse sagaz e forte o suficiente para tirá-lo da jogada.
"Será que sou suficientemente sagaz agora?
"Não sei", pensou Dunross, concentrando-se agora em Quillan Gornt, escutando suas amenidades, ouvindo-se reagir com igual galanteria, enquanto intimamente dizia "Não esqueci a South Orient, ou que tivemos que fundir a nossa linha aérea com a sua a preço de banana e perder o controle da nova linha, rebatizada Ail Ásia Airways. Nada foi esquecido. Perdemos, daquela vez, mas ganharemos desta. Ganharemos tudo, por Deus".
Casey observava os dois homens, fascinada. Notara Quillan Gornt desde o primeiro momento, reconhecendo-o das fotos do dossiê. Pressentira sua força e masculinidade mesmo do outro lado do aposento, e sentira-se estranhamente excitada por ele. Enquanto os observava, quase podia tocar a tensão que emanava dos dois homens... dois touros se desafiando. Andrew Gavallan contara-lhe imediatamente quem era Gornt. Ela não mencionara que o reconhecera, apenas perguntara a Gavallan e Linbar Struan por que haviam ficado tão chocados com a chegada de Gornt. E então, como agora estavam sozinhos, os quatro — Casey, Gavallan, De Ville e Linbar Struan — contaram-lhe sobre o "Feliz Natal" e "Um dia vou ser dono desta casa".