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Ao cruzar a rua em direção ao Splendide, viram que um grupo de homens trabalhava na cena da explosão. Diversas árvores tinham sido arrancadas e três carros-tanque lavavam a avenida e as calçadas. A cratera provocada pela explosão já desaparecera e só alguns passantes paravam para olhar. Bond imaginou que este trabalho de reconstrução já deveria ter sido levado a cabo também no Hermitage, nas lojas e nas vitrinas cujos vidros haviam sido estraçalhados.

Na tarde azul e quente, Royale-les-Eaux estava novamente em paz, em ordem.

"Para quem o porteiro está trabalhando?", perguntou Leiter, ao se aproximarem do hotel. Bond não tinha certeza e foi o que respondeu.

Mathis não o elucidara sobre esta questão. "A menos que o tenha comprado, é melhor imaginar que o outro lado já o Fez. Todo porteiro é venal. Mas não é culpa deles. São treinados para encarar todo hóspede do hotel, exceto os marajás, como ladrões e vigaristas em potencial. Eles se preocupam com o conforto e o bem-estar da gente tanto quanto os crocodilos".

Bond lembrou-se das palavras de Mathis quando o porteiro perguntou se já se havia recuperado da infeliz experiência da tarde. Bond achou melhor responder que ainda estava um pouco abalado. Esperava que, apesar de tudo o que acontecera, Le Chiffre começasse de qualquer maneira a jogar naquela noite, interpretando erroneamente a força do adversário. O porteiro manifestou o desejo de que Bond se recuperasse rapidamente.

O quarto de Leiter ficava num dos andares de cima e eles se separaram no elevador, depois de combinar encontrar-se no Cassino entre 10 e meia e 11 horas, que é geralmente a hora em que as mesas fortes começam a jogar.

8- LUZES COR-DE-ROSA E CHAMPANHA

BOND ENTROU NO quarto, onde outra vez não havia nenhum sinal de visitas indesejáveis, tirou a roupa, tomou um longo banho quente de imersão, seguido de um chuveiro frio, e deitou-se na cama. Ficou assim uma hora, tempo suficiente para repousar e ordenar os pensamentos antes de encontrar a moça no bar do Splendide, uma hora para examinar minuciosamente os detalhes dos planos que desenvolveria durante o jogo, todas as possibilidades de vitória ou insucesso. Tinha também que estudar os papéis de seus coadjuvantes: Mathis, Leiter e a moça, além de visualizar as possíveis reações do inimigo nas mais diversas circunstâncias. Fechou os olhos e seus pensamentos perseguiram sua imaginação através de uma série de cenas cuidadosamente construídas, como se Ele estivesse olhando por um caleidoscópio.

Faltavam vinte para as nove quando Ele esgotou todas as hipóteses relativas ao seu duelo com Le Chiffre. Levantou-se, vestiu-se e afastou completamente qualquer pensamento sobre o futuro.

Enquanto dava o laço em sua gravata borboleta de cetim preto, deteve-se um instante e examinou-se friamente ao espelho. Uma calma ironia refletia-se no cinza-azulado de seus olhos; uma mecha rebelde de cabelo preto assumia aos poucos a forma de uma vírgula sobre sua sobrancelha direita. Tudo isto, somado alinha fina da cicatriz vertical no lado direito do rosto, dava-lhe, um ar de pirata. Não havia muito de Hoagy Carmichael nesta expressão, pensou Bond, enquanto colocava cinqüenta cigarros Morland de três faixas douradas em sua cigarreira de metal cinzento e leve. Mathis lhe contara o comentário da moça.

Guardou a cigarreira no bolso de trás e experimentou rapidamente o isqueiro Ronson oxidado de preto para ver se precisava de fluido. Guardou também o pequeno pacote de notas de dez mil francos, abriu uma gaveta e dela tirou um coldre de camurça leve; ajustou as tiras, confeccionadas no mesmo couro de modo que o coldre ficasse exatamente oito centímetros abaixo de sua axila. Abriu outra gaveta e debaixo de uma pilha de camisas pegou a Bereta automática, tirou o pino, descarregou o tambor e o girou diversas vezes para a frente e para trás; depois experimentou o gatilho. Carregou novamente a arma, travou-a e a colocou no coldre. Examinou o quarto cuidadosamente para ver se tinha esquecido alguma coisa e vestiu o "dinner-jacket" sobre a camisa de seda grossa. Sentia-se bem, à vontade. Verificou no espelho que não se via o menor sinal da arma debaixo de seu braço esquerdo, ajeitou a gravata estreita pela última vez, saiu e trancou a porta.

Ao descer o último degrau da escada e virar-se em direção ao bar, ouviu a porta do elevador abrir-se às suas costas e uma voz suave dizer: "Boa noite".

Era a moça. Ela parou e esperou que Ele se aproximasse.

Ele se lembrava exatamente de como ela era bonita. Não ficou surpreso ao sentir-se novamente emocionado.

Estava vestida de veludo preto, um modelo simples, mas com aquele toque de esplendor que só uma meia dúzia de costureiros no mundo inteiro consegue alcançar. No pescoço, usava um colar fino de diamantes e um clip, também de diamantes, no fim do decote, que deixava entrever a curva dos seios. No braço dobrado à altura da cintura, carregava uma bolsinha de noite, simples, da cor do vestido. Seu cabelo muito preto caía reto e liso até a altura do queixo, onde fazia uma curva para dentro.

Estava muito linda e o coração de Bond bateu mais forte.

"Você está simplesmente maravilhosa. Os negócios devem estar indo muito bem no setor dos rádios!"

Ela tomou-lhe o braço e perguntou: "Você se incomoda se formos jantar agora? Quero fazer uma entrada triunfal e a verdade é que o veludo preto tem um segredo horrível. Ele marca quando você senta. E, se você me ouvir gritar esta noite, é porque terei sentado numa cadeira de vime."

Bond riu. "Lógico, vamos jantar já. Tomaremos uma vodca enquanto não nos servirem".

Ela respondeu com um olhar brincalhão e Ele logo corrigiu-se: "Ou algo mais suave, é claro, se você preferir. A comida aqui é a melhor de Royale".

Durante um momento, Ele se sentiu picado por um toque de ironia, por uma leve sombra de sarcasmo, com a qual ela havia recebido seu gesto decidido e a maneira com que Ele reagira ao rápido olhar que ela lhe dirigira.

Mas isto não passou de um rapidíssimo entrechocar de floretes e quando o maítre d'hôtel, cheio de mesuras, os conduziu através do salão repleto de gente, Bond esqueceu o incidente e passou a prestar atenção nas pessoas que se viravam para vê-la passar.

A parte elegante do restaurante ficava ao lado da grande janela em curva, construída como uma proa de navio sobre os jardins do hotel, mas Bond escolheu uma mesa numa das alcovas com espelho localizadas no fundo do grande salão. Eram vestígios dos tempos eduardinos: recantos discretos e ao mesmo tempo alegres, pintados de branco e dourado, a mesa coberta de seda vermelha, as lâmpadas de parede do tempo do Império.

Enquanto decifravam o emaranhado de tinta roxa que cobria o menu de duas páginas, Bond chamou o garçom. Virou-se para a companheira.

"Você já resolveu?"

"Gostaria muito de tomar um pouco de vodca", disse ela simplesmente, voltando a estudar o menu.

"Uma garrafinha de vodca bem gelada", pediu Bond. Dirigiu-se a ela abruptamente: "Não posso beber à saúde de seu vestido novo sem saber seu nome de batismo".

"Vésper", respondeu ela. "Vésper Lynd".

Bond olhou-a com ar curioso.

"B muito chato ter de explicar sempre para todo mundo, mas eu nasci à tarde, e numa tarde em que caiu uma forte tempestade, segundo o que meus pais me contaram. Pelo jeito, eles não quiseram esquecer aquela tarde". Sorriu. "Algumas pessoas gostam deste nome, outras não. Eu já me acostumei".

"Eu acho que é um ótimo nome", disse Bond. E teve uma idéia. "Posso pedi-lo emprestado?" Contou a estória do martini que Ele inventara e que não conseguira batizar. "Vésper", disse Ele. "É um nome que soa muito bem e que é muito apropriado para a hora violeta em que meu coquetel será de agora em diante bebido em todo o mundo. Posso usá-lo?"