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O passeio foi estragado por um curioso incidente.

Quando seguiam pela costa na direção de Les Noctambules, Bond descreveu a furiosa perseguição ao Citroen, mostrando a curva antes do desastre e o local exato em que o perigoso tapete de pregos fora estendido. Pediu ao chofer que diminuísse a velocidade e debruçou-se para mostrar os cortes profundos feitos pelos aros das rodas no asfalto; os galhos quebrados das moitas e a mancha de óleo* onde o carro tinha parado.

Mas durante toda esta narrativa Vésper estivera distraída e só Fez alguns comentários monossilábicos. Uma ou duas vezes, Ele a surpreendeu olhando pelo espelhinho retrovisor. Mas quando Ele olhou para trás, pelo vidro traseiro não conseguiu ver nada porque haviam entrado numa curva.

Finalmente, segurou a mão da moça.

"O que é que você tem, Vésper?" perguntou.

Ela respondeu com um sorriso franco e alegre. "Não o nada. Nada mesmo. Mas tive a sensação idiota de que estávamos sendo seguidos. Acho que estou nervosa. Esta estrada está repleta de fantasmas".

Encoberta por um rápido sorriso, olhou novamente para trás.

"Veja". Havia um leve sinal de pânico em sua voz.

Bond obedeceu e olhou para trás. Realmente, a uns trezentos metros, um automóvel preto aproximava-se dele em boa velocidade.

Bond riu.

"Nós não somos os únicos a usar esta estrada", disse ele. "De qualquer maneira, quem nos seguiria? Não fizemos nada de errado". Deu uma palmadinha na mão da moça. "Trata-se de um caixeiro-viajante de meia idade, que vende pasta para polir automóveis, a caminho do Havre. Provavelmente está pensando no almoço e na amante que tem em Paris. Francamente, Vésper, eu acho que você não deve pensar mal dos inocentes",

"Espero que você tenha razão", disse ela, nervosamente. "De qualquer maneira, estamos chegando".

E ficou quieta, olhando pela janela.

Bond pressentiu que ela ainda estava tensa. Sorriu para si mesmo, encarando aquilo como uma espécie de ressaca das aventuras que haviam vivido. Mas decidiu brincar com ela e, quando chegaram a uma estrada estreita que levava ao mar, e diminuíram a velocidade para entrar nela, disse ao motorista que parasse logo que estivessem fora da estrada principal.

Encobertos pela sebe alta, ficaram olhando pela janela do trás.

Entre os barulhos típicos de um dia de verão, ouviram o ronco de um carro que se aproximava. Vésper cravou as unhas no braço de Bond. A velocidade do carro não se alterou ao aproximar-se do local onde eles estavam escondidos, de modo que só tiveram a visão rápida de um perfil de homem, quando o automóvel preto passou.

É verdade que aparentemente Ele olhou depressa para o lado, em direção a eles, mas acima do local em que estavam havia um cartaz pintado de cores alegres, indicando a estradinha e anunciando "L'Auberge du Fruit Défendu, crustaces, fritures". Para Bond, era óbvio que fora aquele cartaz que chamara a atenção do motorista.

Enquanto o ronco do escapamento do carro preto se perdia pela estrada, Vésper afundou-se no canto do banco. Estava pálida.

"Ele olhou para nós", disse ela. "Eu disse a você. Eu sabia que estávamos sendo seguidos. Agora eles sabem onde estamos".

Bond não conseguiu conter sua impaciência. "Que bobagem!", disse Ele. "O homem estava olhando para aquele cartaz ali". Apontou-o para Vésper.

Ela pareceu levemente aliviada. "Você acha que sim? Mesmo?" perguntou. "Sim. Agora vejo. É claro, você deve estar certo. Puxa. Desculpe a minha burrice. Não sei o que me aconteceu".

Inclinou-se para a frente, disse umas palavras ao motorista c o carro partiu. Ela se recostou no banco e virou-se para Bond com uma cara alegre. A cor já havia praticamente voltado a seu rosto. "Sinto muito, de verdade. É só que — é que não posso acreditar que esteja tudo acabado e que não tenho de ter medo de mais ninguém". Apertou a mão de Bond. "Você deve me achar muito burra".

"Claro que não"', respondeu Bond. "Falando sério: acho que agora ninguém mais está interessado em nós dois. Esqueça tudo o que aconteceu. Acabou tudo. Estamos em férias e não há uma nuvem no céu. Ou há?" insistiu.

"Não, claro que não". Ela balançou a cabeça. "Estou louca. Estamos chegando. Espero sinceramente que você goste do lugar".

Inclinaram-se ambos para a frente. Suas expressões estavam animadas novamente e o incidente só deixou um pequeno sinal de interrogação no ar. Mas até isso desapareceu quando deixaram as dunas e divisaram o mar e o hotelzinho modesto entre os pinheiros.

"Não é uma coisa grandiosa", disse Vésper, desculpando-se, "mas é muito limpo e a comida é excelente". Voltou-se ansiosa para Bond.

Mas não tinha motivo algum para preocupar-se. Bond adorou o lugar à primeira vista — o terraço quase entrando no mar, o sobradinho com toldos alegres cor de tijolo sobre as janelas, e a baía em forma de lua crescente, de água azul e areia dourada. Quantas vezes na vida Ele teria dado tudo para sair de uma estrada e achar um canto perdido como este, onde poderia deixar que o mundo seguisse seu curso e onde viveria no mar de manhã até a noite. Durante uma semana, teria tudo isso. E Vésper também. Bond agradeceu em pensamento a semana que começava naquele momento.

Chegaram ao pátio atrás da casa, e o proprietário e sua mulher saíram para recebê-los.

Monsieur Versoix era um homem de meia idade, que tinha um braço só. Perdera o outro durante a guerra, em Madagascar. Era amigo do chefe de polícia de Royale, que indicara o lugar a Vésper e falara com o proprietário pelo telefone, avisando a chegada dos dois. Como conseqüência, para eles nada seria bom demais.

Madame Versoix deixara a preparação do jantar pelo meio, a fim de recebê-los. Estava de avental e segurava uma colher de pau na mão. Era mais nova que o marido, gordinha, bonita, com um olhar meigo. Instintivamente, Bond adivinhou que era um casal sem filhos e que esse amor frustrado eles dividiam com os amigos e alguns hóspedes antigos, e provavelmente com alguns bichinhos também. Talvez levasse uma vida difícil e o pequeno hotel deveria ser muito triste no inverno, com o mar alto e o vento fazendo barulho nos pinheiros.

O proprietário acompanhou-os até os quartos.

Vésper tinha um quarto duplo e o de Bond era ao lado, no canto da casa, com uma janela dando para o mar e a outra abrangendo um braço distante da baía. Entre os quartos havia um banheiro. Tudo muito limpo, confortável e simples.

Quando os dois manifestaram prazer por estar no hotelzinho, o proprietário ficou muito contente. Anunciou que o jantar seria às sete e meia e que madame la patronne estava preparando lagostas grelhadas com manteiga derretida. Sentia muito que o ambiente fosse tão quieto. Mas era terça-feira. No fim de semana, haveria mais gente. A estação não fora muito boa. Geralmente vinham muitos ingleses, mas os tempos estavam difíceis na Grã-Bretanha e os ingleses vinham só passar o fim de semana em Royale e iam logo embora, depois de perder no cassino o dinheiro que traziam. Não, não era como nos velhos tempos. Filosòficamente, encolheu os ombros. Mas também, nenhum dia é igual ao que passou, como nenhum século é igual ao que passou, e. ..

"Isso mesmo", concordou Bond.

23- MARÉ DE PAIXÃO

ESTA conversa se desenrolava à soleira da porta do quarto de Vésper. Quando o proprietário do hotel saiu, Bond empurrou a moça para dentro e fechou a porta. Segurou-a pelos ombros e beijou-a nas duas faces.

"Parece que estou no céu", disse Ele.

E percebeu que os olhos de Vésper brilhavam. Ela descansou as mãos nos braços de Bond e Ele puxou-a para si, envolvendo-a pela cintura.