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Toda essa beleza excitava Bond, tanto quanto sua compostura o intrigava. A perspectiva de trabalhar com a moça já começava a estimulá-lo. Ao mesmo tempo, porém, sentiu uma vaga inquietação, e num impulso bateu na madeira.

Mathis notou que Bond estava preocupado. Minutos depois, levantou-se.

"Desculpe-me", disse Ele à moça, "vou telefonar aos Dubernes, para confirmar meu jantar com eles hoje à noite. Você tem certeza de que não há mesmo problema nenhum em ficar sozinha hoje?"

Com a cabeça, ela Fez que não.

Bond não perdeu a deixa. Enquanto Mathis atravessava a sala em direção ao telefone, atrás do bar, disse: "Se você vai ficar mesmo sozinha à noite, não gostaria de jantar comigo?''

Ela sorriu, e este sorriso foi a primeira manifestação da parte dela de que os dois estavam conspirando. "Gostaria muito", respondeu ela, "e depois talvez você me acompanhasse ao Cassino. Monsieur Mathis contou que você se sente muito à vontade lá. E talvez eu possa lhe dar um pouco de sorte".

Com a partida de Mathis, a atitude dela ganhou um calor repentino. Era como se tomasse consciência de que os dois representavam mesmo uma equipe de trabalho. Enquanto discutiam a hora e o lugar de encontro para a noite, Bond chegou à conclusão de que, apesar de tudo, seria bem fácil arquitetar todos os detalhes de seu plano com ela. Teve a impressão de que ela demonstraria bastante interesse no trabalho, que estava excitada pelo papel que iria desempenhar e que se empenharia na missão com a maior boa vontade. Ele imaginara que muitos obstáculos surgiriam antes que ambos chegassem a entender-se, mas agora achava que já podia entrar diretamente nos detalhes profissionais. Nada disso, porém, impedia que Ele encarasse sem a menor hipocrisia, ao contrário, com a maior honestidade, a sua própria situação diante da moça. O que Ele queria mesmo era dormir com ela, mas somente depois de terminado o trabalho.

Quando Mathis voltou, Bond pediu a conta, explicando que tinha de ir para o hotel, almoçar com alguns amigos. Durante o breve momento em que segurou a mão da moça para despedir-se, sentiu uma onda de afeto e compreensão passai entre eles e achou que isso teria sido impossível uma hora antes.

Os olhos da moça seguiram Bond afastando-se pelo boulevard.

Mathis aproximou sua cadeira da dela: "Ele é muito meu amigo e eu gosto muito dele. De modo que estou contente com o encontro de vocês dois. Já notei o degelo dos dois rios." Sorriu. "Aliás, nunca tive notícias de nenhum degelo em James Bond. Será uma nova experiência para Ele. E para você".

Ela não respondeu diretamente.

32

"Ele é muito bonito. Lembra muito o Hoagy Carmichael, mas há algo frio e cruel na maneira com que Ele..."

Não chegou a terminar a sentença. De repente, o vidro inteiro da janela que ficava a alguns passos dali transformou-se em confete. O estrondo de uma violenta explosão, muito próxima, atirou-os com cadeira e tudo para trás. Houve um instante de silêncio. Alguns objetos caíram na calçada lá fora; garrafas das prateleiras do bar se espatifaram no chão. Só então alguns gritos, enquanto as pessoas corriam para a porta.

"Fique aí", disse Mathis.

E, empurrando a cadeira para trás, saltou pela janela quebrada e correu para a rua.

6- DOIS HOMENS DE PALHETA

AO DEIXAR O BAR, Bond escolheu deliberadamente a calçada que acompanhava a avenida arborizada para voltar ao hotel, que ficava somente a alguns metros dali. Estava com fome.

O dia ainda estava lindo, só que agora o sol queimava muito mais e as árvores, separadas de sete em sete metros na faixa de grama entre a calçada e o asfalto, projetavam uma sombra gostosa.

Havia pouca gente na rua e os dois homens silenciosamente de pé do outro lado da avenida, debaixo de uma árvore, pareciam realmente deslocados naquele cenário.

Bond notou-os quando ainda estava a uns cem metros e quando essa mesma distância os separava da entrada toda enfeitada do Splendide.

A aparência daqueles dois homens tinha algo de inquietante. Ambos eram pequenos, com roupas iguais, escuras e — pensou Bond — um tanto quentes para a ocasião. Pareciam mesmo dois atores de vaudeville esperando o ônibus que os levaria ao teatro. Talvez como uma concessão à atmosfera festiva de Royale, cada um deles usava uma palheta com uma fita preta; a sombra das abas das palhetas somadas à sombra das árvores escondia completamente os dois rostos. Destoando completamente, cada uma daquelas duas figuras baixas e escuras era iluminada por um toque de cor viva. A tiracolo, os dois carregavam estojos de máquinas fotográficas.

Um estojo era vermelho bem vivo e o outro azul bem vivo.

Até que Bond prestasse atenção em todos esses detalhes, já havia chegado a uns cinqüenta metros dos dois homens. Estava refletindo sobre o alcance dos vários tipos de armas e as possibilidades de esconder-se, quando se registrou uma cena terrível e ao mesmo tempo extraordinária.

Parece que o homem de vermelho deu um pequeno sinal de cabeça ao de azul. Com um movimento rápido, o homem de azul tirou o estojo azul do ombro. O homem de azul — e Bond não podia ver exatamente o que se passava porque um tronco de árvore bloqueava sua visão — curvou-se para a frente a fim de mexer na máquina. O clarão violento de uma luz branca acompanhou o estrondo ensurdecedor de uma explosão monstruosa e Bond, mesmo protegido por uma árvore, foi derrubado na calçada por uma sólida descarga de ar quente, sentindo o rosto e o estômago amassados como se fossem de papel. Estendido no chão ficou, olhando para o sol, enquanto o ar (pelo menos teve esta impressão) ficou ressoando com a explosão, como se alguém batesse nas notas graves de um piano com um martelo.

Quando Bond conseguiu ajoelhar-se, ainda tonto e semi-consciente, uma chuva horrível de pedaços de carne humana e frangalhos de tecido ensangüentado caiu sobre Ele e em toda a sua volta, entre galhos de árvore e pedregulhos. Seguiu-se uma outra chuva de galhinhos e folhas. De todos os lados chegava o tilintar agudo de vidro quebrado caindo no chão. No céu, o cogumelo de fumaça preta que estava flutuando começou a dissolver-se, diante do olhar ainda meio embriagado de Bond. Um cheiro obsceno tomou conta do ar: era uma mistura de explosivo, de madeira queimada e de — sim, era isso mesmo — de carneiro assado. Até uma distância de cinqüenta jardas, avenida abaixo, as árvores estavam sem folhas e lascadas. Do outro lado da avenida, duas delas estavam caídas sobre a rua como dois bêbados. Entre elas havia uma cratera fumegante. Dos dois homens de palheta, não sobrara absolutamente nada. Mas havia marcas vermelhas no asfalto, na calçada e nos troncos das árvores, além de farrapos brilhantes nos galhos caídos.

Bond sentiu uma ânsia de vômito.

Mathis foi o primeiro a chegar onde Ele estava, encostado na árvore que salvara sua vida.

Atordoado, mas sem o menor ferimento, Bond deixou-se levar por Mathis até o Splendide, de onde hóspedes e empregados saíam cochichando amedrontados. Enquanto o barulho distante das sirenas anunciava a chegada das ambulâncias e dos bombeiros, os dois conseguiram atravessar a multidão, subir as escadas e seguir o corredor até o quarto de Bond.