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— Pare com isso, Sean — disse Peter Marlowe.

Sean não olhou para Peter Marlowe, somente para o Rei, e sorriu, mas havia fúria por trás do sorriso.

— Peter não me aprova.

— Pare com isso, Sean — repetiu Peter Marlowe, asperamente.

— Por que devo parar? — explodiu Sean. — Você despreza os pervertidos... não é assim que você chama os bichas? Deixou isso bem claro. Não me esqueci!

— Nem eu!

— Não diga! Não gosto de ser desprezado... muito menos por você!

— Já disse para você parar! Não é a hora ou o lugar para isso. E já discutimos isso antes, e você já falou tudo isso antes. Pedi desculpas. Não falei por mal!

— Não. Mas ainda me odeia... por quê? Por quê?

— Não o odeio.

— Então por que sempre me evita?

— É melhor. Pelo amor de Deus, Sean, deixe-me em paz.

Sean fitou Peter Marlowe, e com a mesma rapidez que eclodira, sua raiva desapareceu.

— Desculpe, Peter, provavelmente você tem toda a razão. Sou um idiota. É que às vezes sinto-me só, com vontade de conversar. — Sean estendeu a mão e tocou o braço de Peter Marlowe. — Desculpe. Só queria que fôssemos amigos de novo.

Peter Marlowe não conseguiu dizer nada. Sean hesitou.

— Bem, acho que está na hora de ir andando.

— Sean — chamou Rodrick, lá da trilha — já estamos atrasados.

— Não demoro. — Sean ainda olhava para Peter Marlowe, depois deu um suspiro e estendeu a mão para o Rei. — Prazer em conhecê-lo. Desculpe os maus modos.

O Rei não pôde deixar de tocar a mão dele, outra vez.

— Prazer em conhecê-lo.

Sean hesitou, os olhos sérios e indagadores.

— É amigo do Peter?

Parecia ao Rei que o mundo inteiro ouviu sua resposta, gaguejante:

— Hã, claro, é, acho que sou.

— Estranho, não é mesmo, como uma mesma palavra pode ter tantos significados diferentes. Mas se é amigo dele, não o leve para o mau caminho, por favor. Você tem reputação de ser perigoso, e eu não gostaria de ver o Peter magoado. Gosto muito dele.

— Hã, sim, claro. — Os joelhos do Rei ficaram moles, e sua espinha pareceu derreter-se. Mas o magnetismo do sorriso de Sean invadiu-o. Nunca sentira coisa igual. — Os shows são a melhor coisa aqui do campo — falou. — Fazem a vida valer a pena. E você é a melhor coisa que existe neles.

— Obrigado. — E dirigindo-se a Peter Marlowe: — Faz a vida valer a pena. Sou muito feliz. Gosto do que faço. Faz as coisas valerem a pena, Peter.

— Sim — replicou Peter, atormentado. — Que bom que tudo está bem.

Sean sorriu hesitante pela última vez, depois virou-se depressa e sumiu.

— Puta merda! — disse o Rei, sentando-se. Peter Marlowe também se sentou. Abriu a caixa de tabaco e preparou um cigarro.

— Se a gente não soubesse que ele é homem, juraria por Deus que era mulher — disse o Rei. — Uma bela mulher.

Peter Marlowe balançou a cabeça, desanimado.

— Ele não é como os outros veados — falou o Rei — de jeito nenhum. Não, senhor, não é mesmo. Puxa, tem alguma coisa nele que não é... — O Rei parou, buscou a palavra certa, continuou, desalentado: — Não sei como me expressar. Ele... ele é uma mulher, porra! Lembra quando fez o papel de Desdêmona? Meu Deus, quando, apareceu naquele negligée, aposto que não havia um só homem em Changi que não estivesse de pau duro. Não se pode culpar um homem por se sentir tentado. Eu me sinto tentado, todo o mundo se sente. Quem disser que não, está mentindo. — Depois, olhou para Peter Marlowe, examinando-o com cuidado.

— Ora, pelo amor de Deus! — exclamou Peter Marlowe, irritado. — Está pensando que eu também sou bicha?

— Não — respondeu o Rei, calmamente. — E nem me importo que seja. Contanto que eu saiba.

— Pois é, mas não sou.

— Pois bem que parecia — disse o Rei, abrindo um sorriso. — Briguinha de namorados?

— Vá à merda!

Um minuto mais tarde, o Rei perguntou, cuidadosamente.

— Há muito tempo que conhece o Sean?

— Ele era da minha esquadrilha — finalmente falou Peter Marlowe. — Sean era o caçula, e fui encarregado de tomar conta dele. Fiquei conhecendo-o muito bem. — Jogou fora a ponta ardente do seu cigarro e botou o resto do fumo de volta na caixa. — Na verdade, era o meu melhor amigo. Era um ótimo piloto... derrubou três Zeros sobre Java. — Olhou para o Rei. — Eu gostava muito dele.

— Ele... era assim antes?

— Não.

— Ah, sei que não se vestia como mulher o tempo todo, mas, que diabo, tinha que ser óbvio que era desse jeito.

— Sean nunca foi desse jeito. Era apenas um rapaz muito bonito e meigo. Não tinha nada de efeminado, apenas de... compassivo.

— Já o viu sem roupas, alguma vez?

— Não.

— É, imagino. Ninguém mais viu, também. Nem semidespido.

Deram a Sean um quartinho minúsculo lá no teatro, um quarto particular, coisa a que mais ninguém tinha direito em Changi, nem mesmo o Rei. Mas Sean nunca dormia no quarto. A idéia de Sean sozinho num quarto trancado era perigosa demais, porque havia muitos no campo cuja luxúria vinha à tona, e o resto abafava a luxúria dentro de si. Assim, Sean sempre dormia numa das choças, mas tomava banho e mudava de roupa no quarto particular.

— O que houve entre vocês dois? — indagou o Rei.

— Uma vez, quase cheguei a matá-lo.

Subitamente, a conversa cessou, e ambos ficaram de ouvido atento. Só o que podiam ouvir era um suspiro, algo no ar. O Rei olhou rapidamente ao redor. Sem ver nada de extraordinário, levantou-se e pulou pela janela, Peter Marlowe na sua cola. Os homens na choça também estavam de ouvido atento.

O Rei olhou para os lados da cadeia. Não parecia haver nada errado. Os homens ainda andavam para cima e para baixo.

— O que acha? — indagou o Rei, baixinho.

— Não sei — retrucou Peter Marlowe, concentrando-se. Os homens ainda andavam diante da cadeia, mas agora pareciam andar quase imperceptivelmente mais depressa.

— Ei, olhe — murmurou Tex.

Dobrando a esquina da cadeia, e subindo a ladeira na direção deles, vinha o Capitão Brough. A seguir, outros oficiais começaram a aparecer atrás dele, todos dirigindo-se para as diversas choças dos soldados.

— Encrenca na certa — disse Tex, com azedume.

— Quem sabe é uma revista — falou Max.

O Rei se pôs de joelhos instantaneamente, destrancando a caixa preta. Peter Marlowe disse, rapidamente:

— Até qualquer hora.

— Tome — disse o Rei, jogando-lhe um maço de Kooas — apareça hoje à noite, se quiser.

Peter Marlowe saiu correndo da choça, seguindo ladeira abaixo. O Rei arrancou os três relógios de pulso que estavam enterrados no meio dos grãos de café e levantou-se. Pensou por um momento, depois subiu na cadeira e enfiou os três relógios no meio das folhas de palmeira que formavam o telhado. Sabia que todos os homens haviam visto o novo esconderijo, mas não se importava, pois agora não havia outra coisa a fazer. Depois, trancou a caixa preta, e Brough chegou à porta.

— Muito bem, homens. Para fora.

4

Peter Marlowe não pensava noutra coisa senão no seu cantil, enquanto abria caminho aos empurrões pela multidão de homens suados que se formava na estrada asfaltada. Tentou desesperadamente lembrar-se se havia enchido o cantil, mas não conseguia ter certeza.

Subiu correndo as escadas que levavam à sua choça. Mas esta já estava vazia, e um guarda coreano desmazelado já estava de pé diante da porta. Peter Marlowe sabia que não lhe permitiriam passar, portanto deu meia-volta, esgueirou-se sob o toldo da choça e foi para o outro lado. Correu para a outra porta e já estava ao lado do seu catre, com o cantil na mão, quando o guarda o viu.

O coreano praguejou mal-humorado, veio até onde ele estava e fez sinal para que pusesse o cantil de volta. Mas Peter Marlowe bateu uma continência floreada e disse em malaio, língua que a maioria dos guardas compreendia: