Ficaram olhando os cantis.
— Não está na hora de escutar o noticiário? — perguntou Peter Marlowe.
— Está, meu rapaz — falou Mac, olhando para Larkin.
— Concordo — disse este.
O Rei ainda estava acordado, quando Timsen espiou pela janela.
— Meu cupincha?
— Hem?
Timsen ergueu um maço de notas.
— Pegamos os dez que você pagou.
O Rei deu um suspiro, abriu a caixa preta e pagou a Timsen o que lhe devia.
— Obrigado, cupincha. — Timsen riu, baixinho. — Ouvi contar que teve uma discussão com Grey e Yoshima.
— Edaí?
— Nada... só foi uma pena que Grey não tivesse achado o diamante. Não gostaria de estar na sua pele... nem na do Pete, diga-se de passagem. Ah, não mesmo. Muito perigoso, certo?
— Vá à merda, Timsen.
— Só uma advertência amistosa, certo? — Timsen riu. — Ah, sim. 0 primeiro carregamento de tela de galinheiro já está debaixo da choça, o suficiente para umas cem gaiolas. — Tirou do maço de notas 120 dólares. — Vendi o primeiro carregamento a trinta dólares a perna. Aqui está sua parte: meio a meio.
— Quem comprou? Timsen piscou o olho.
— Uns amigos meus. Boa-noite, meu camarada.
O Rei relaxou na cama, verificando novamente que o mosquiteiro estivesse bem preso sob o colchão. Estava alerta para o perigo. Sabia que não poderia ir à aldeia durante dois dias, e que de agora até então muitos olhos estariam vigiando e esperando. Naquela noite, seu sono foi inquieto, e no outro dia ficou na choça, cercada por guardas.
Depois do almoço, houve uma revista inesperada na área dos bangalôs. Os guardas percorreram os diminutos aposentos três vezes, antes de a revista ser dada por terminada.
À noitinha, Mac foi cautelosamente até a área das latrinas e puxou para cima os três cantis que estavam pendurados num barbante, dentro de uma das fossas. Limpou-os, trouxe-os para o bangalô e ligou-os. Ele, Larkin e Peter Marlowe escutaram o noticiário, decorando-o. Depois, Mac não levou os cantis de volta ao esconderijo, pois, embora tivesse sido cuidadoso, tinha certeza de que fora observado.
Os três resolveram não esconder mais os cantis. Sabiam, sem se desesperar, que muito em breve seriam apanhados.
24
O Rei andava pela selva, rapidamente. Ao se acercar do campo, tornou-se mais cuidadoso, até ficar numa posição fronteira à choça americana. Ficou deitado no chão, bocejando satisfeito, esperando o momento certo para cruzar a trilha, esgueirar-se sob a cerca e voltar à segurança da choça. O restante do dinheiro enchia-lhe os bolsos.
Fora sozinho à aldeia. Peter Marlowe não estava em condições de acompanhá-lo. Encontrara-se com Cheng San e entregara-lhe o diamante. Depois, participaram de um banquete, e ele fora procurar Kasseh, que lhe dera as boas-vindas.
A aurora pintava o novo dia quando o Rei se esgueirou sob a cerca e entrou na choça. Foi só quando se deitou que notou a falta da caixa preta.
— Ora, seus filhos da puta cretinos! — berrou. — Não se pode confiar em vocês para nada!
— Puta que o pariu — disse Max. — Ela estava aí há poucas horas. Eu me levantei para ir à latrina.
— E onde está agora, porra?
Mas nenhum dos homens vira ou ouvira coisa alguma.
— Vá chamar Samson e Brant — ordenou o Rei a Max.
— Puxa, mas ainda é cedo...
— Mandei ir chamá-los!
O Coronel Samson chegou em meia hora, cheio de medo.
— O que aconteceu? Sabe que não devo ser visto aqui.
— Um filho da puta roubou minha caixa. Pode ajudar a descobrir quem foi.
— Como vou...
— Não me interessa como — interrompeu o Rei. — Fique de ouvido atento, quando estiver perto dos oficiais. Não haverá mais grana para você até que eu saiba quem foi.
— Mas, Cabo, não tive nada a ver com isso.
— Tão logo eu saiba, os pagamentos semanais recomeçarão. Agora, dê o fora.
Alguns minutos mais tarde, o Coronel Brant chegou, e recebeu o mesmo tratamento. Logo que ele foi embora, o Rei preparou seu desjejum, enquanto os demais habitantes da choça vasculhavam o campo. Acabara de comer, quando Peter Marlowe entrou. O Rei lhe contou sobre o roubo da caixa preta.
— Mas que azar — comentou Peter Marlowe.
O Rei concordou com a cabeça, depois piscou o olho.
— Não faz mal. Tenho o resto da grana do Cheng San... portanto, temos tutu de sobra. Só achei que era hora de dar um esporro. Os rapazes foram descuidados... e é uma questão de princípios. — Entregou-lhe uma pequena pilha de notas. — Eis a sua parte da venda do diamante.
Peter Marlowe queria demais aquele dinheiro. Mas sacudiu a cabeça.
— Fique com ele. Devo-lhe muito mais do que me será possível pagar. Além disso, ainda há o dinheiro que gastou com os remédios.
— Está certo, Peter. Mas ainda somos sócios.
— Ótimo — disse Peter Marlowe, sorrindo.
O alçapão se abriu e Kurt subiu para a cabana.
— Setenta, até agora — falou.
— Hem? — disse o Rei.
— É o Dia N.
— Merda — falou o Rei. — Tinha-me esquecido completamente.
— Ainda bem que não esqueci, não é? Vou matar mais dez dentro de alguns dias. Não há necessidade de alimentar os machos. Há uns cinco ou seis grandes o bastante.
O Rei se sentiu enjoado, mas falou:
— Está bem. Vou falar com Timsen. Quando Kurt se fora, Peter Marlowe disse:
— Acho que não vou aparecer por aqui durante um ou dois dias.
— Como?
— Acho melhor. Não dá mais para escondermos o rádio. Decidimos, os três, ficar por perto do bangalô.
— Estão querendo cometer suicídio? livrem-se do maldito rádio, se desconfiam que foram descobertos. Depois, se forem interrogados, neguem tudo.
— Já pensamos nisso, mas o nosso é o único rádio no campo... por isso queremos conservá-lo o máximo que for possível. Com um pouquinho de sorte, não seremos apanhados.
— Não se esqueça de cuidar primeiro do número um, meu chapa.
— É, eu sei. — Peter Marlowe sorriu. — É por isso que vou deixar de vir aqui, por uns tempos. Não quero envolvê-lo em nada.
— O que vão fazer se Yoshima for procurá-los?
— Tentar fugir.
— Para onde, pelo amor de Deus?!
— É melhor tentar fugir do que ficar parado, esperando. Dino, que estava de vigia, enfiou a cabeça pelo vão da porta.
— Com licença, mas é que Timsen vem vindo para cá.
— O.K. — disse o Rei. — Vou atendê-lo. — Voltou-se para Peter Marlowe. — O pescoço é seu, Peter. Aconselho-o a jogar o troço fora.
— Antes pudéssemos, mas não há jeito.
O Rei sabia que não havia nada que pudesse fazer.
— Oi, meu camarada — cumprimentou Timsen, ao entrar, o rosto tenso de raiva. — Ouvi contar que teve um pouco de azar, certo?
— Estou precisando de novos cães de guarda, sem dúvida.
— Você e eu estamos — disse Timsen, furioso. — Os assaltantes jogaram sua caixa preta debaixo da minha choça. Porra, da minha chocai
— O quê?
— Isso mesmo. Está lá, debaixo da minha choça, limpinha da silva. Mas que filhos da puta, é a pura verdade. Nenhum australiano a roubaria para deixá-la debaixo da minha choça. Não, senhor. Só pode ser um inglês ou um ianque.
— Quem, por exemplo?
— Não sei. Só o que sei é que não era gente minha. Tem a minha palavra.
— Vou acreditar em você. Mas pode espalhar por aí... tem uma recompensa de mil dólares pela prova de quem surripiou minha caixa. — O Rei tirou deliberadamente de sob o travesseiro a pilha de notas que Cheng San lhe dera pela conclusão da venda. Tirou do maço 300 dólares e deu-os a Timsen, que fitava de olhos arregalados a imensidão da pilha. — Preciso de um pouco de açúcar, café e óleo... quem sabe um ou dois cocos. Quer arranjar-me?