— Aceita uma bebida? — pergunto, superdoce.
— Não, obrigado — responde ele, sem tirar os olhos de mim.
Sei que ele se sente impotente. Não sabe como agir comigo. É cômico por um lado e trágico por outro. Ah, ele que se dane! Estou tendo dificuldade em localizar meu lado compassivo desde a nossa conversa de hoje à tarde. Devagar, ele tira a gravata e abre o botão do colarinho. Eu sirvo uma grande taça de sauvignon blanc e Christian passa a mão pelo cabelo. Quando me viro, a Sra. Jones desapareceu. Merda! Ela é meu escudo humano. Tomo um gole do vinho. Hmm. É bom.
— Pare com isso — sussurra Christian.
Ele avança os dois passos que nos separam e para à minha frente. Gentilmente, coloca meu cabelo atrás da orelha e acaricia o lóbulo com as pontas dos dedos, deixando-me arrepiada. Foi disso que eu senti falta o dia todo? Do seu toque? Balanço a cabeça, fazendo-o soltar minha orelha, e o encaro.
— Fale comigo — murmura ele.
— Para quê? Você não me escuta.
— Escuto sim. Você é uma das poucas pessoas a quem eu escuto.
Tomo mais um grande gole de vinho.
— É por causa do seu nome?
— Sim e não. É por causa da maneira como você lidou com o fato de que eu discordei de você. — Ergo um olhar agressivo, esperando vê-lo zangado.
Suas sobrancelhas se franzem.
— Ana, você sabe que eu tenho… problemas. Para mim é difícil abrir mão de certas coisas relacionadas a você. Você sabe disso.
— Mas eu não sou uma criança e não sou um bem.
— Eu sei. — Ele suspira.
— Então pare de me tratar como se eu fosse — sussurro, implorando.
Ele esfrega as costas dos dedos na minha face e passa a ponta do polegar no meu lábio inferior.
— Não fique zangada. Você é tão preciosa para mim… Como um bem inestimável, como uma criança — sussurra ele, uma expressão melancólica e reverente no rosto.
Suas palavras me distraem. Como uma criança. Preciosa como uma criança… Uma criança seria preciosa para ele!
— Não sou nada disso, Christian. Sou sua esposa. Se você ficou magoado porque eu não ia usar seu nome, deveria ter dito.
— Magoado? — Ele franze bastante a testa, e sei que está avaliando essa possibilidade. Subitamente, porém, Christian fica ereto, embora ainda com uma expressão preocupada, e olha depressa para seu relógio de pulso. — A arquiteta vai estar aqui em menos de uma hora. É melhor comermos.
Ah, não. Solto um gemido por dentro. Ele não me respondeu, e agora tenho que receber Gia Matteo. Meu dia de merda acaba de ficar ainda pior. Faço uma cara feia para Christian.
— Esta discussão não acabou — murmuro.
— O que mais temos para discutir?
— Você poderia vender a empresa.
Christian emite um ruído de desprezo.
— Vender?
— Sim.
— Você acha que eu acharia um comprador no mercado de hoje?
— Quanto custou?
— Foi relativamente barata. — Seu tom é defensivo.
— E se ela fechar?
Ele sorri com afetação.
— Vamos sobreviver. Mas não vou deixar a empresa fechar, Anastasia. Não enquanto você estiver lá.
— E se eu sair?
— E vai fazer o quê?
— Não sei. Alguma outra coisa.
— Você já disse que esse é o emprego dos seus sonhos. E, perdoe-me se estiver errado, mas eu prometi perante Deus, o reverendo Walsh e uma congregação dos nossos entes e amigos mais próximos e mais queridos que eu “cuidaria de você, apoiaria suas esperanças e seus sonhos e a manteria segura ao meu lado”.
— Citar os votos de casamento não é jogar limpo comigo.
— Eu nunca prometi jogar limpo quando a questão envolvesse você. Além disso — acrescenta ele —, você já usou essa arma contra mim antes.
Faço uma cara contrariada. É verdade.
— Anastasia, se ainda está irritada comigo, desconte na cama mais tarde. — Sua voz subitamente fica baixa e cheia de desejo sensual, os olhos quentes.
O quê? Cama? Como?
Ele sorri com indulgência diante da minha expressão. Será que Christian está querendo que eu o amarre? Caramba!
— Castigo — sussurra ele. — Estou ansioso.
Opa!
— Gail! — grita ele abruptamente, e quatro segundos depois a Sra. Jones está de volta.
Onde ela estava? No escritório do Taylor? Ouvindo nossa conversa? Ah, não.
— Sim, Sr. Grey?
— Gostaríamos de comer agora, por favor.
— Muito bem, senhor.
Christian não tira os olhos de mim; me observa como se eu fosse alguma criatura exótica pronta para saltar sobre ele. Tomo outro gole de vinho.
— Acho que vou tomar uma taça também — diz ele, suspirando, e passa a mão no cabelo de novo.
* * *
— NÃO QUER MAIS comer?
— Não.
Olho para meu prato de fettuccine praticamente intocado, para evitar a expressão sombria de Christian. Antes que ele possa dizer algo, levanto-me e tiro os pratos da mesa de jantar.
— Gia deve chegar daqui a pouco — murmuro.
Sua boca se retorce em uma carranca de desagrado, mas ele não diz nada.
— Pode me dar, Sra. Grey — diz a Sra. Jones quando eu entro na cozinha.
— Obrigada.
— A senhora não gostou? — pergunta ela, preocupada.
— Estava ótimo. Só não estou com fome.
Dirigindo-me um breve sorriso de solidariedade, ela se vira para esvaziar meu prato e colocar tudo na máquina de lavar louças.
— Vou fazer algumas ligações — anuncia Christian, dirigindo-me um olhar de avaliação antes de entrar no escritório.
Deixo escapar um suspiro de alívio e vou para o nosso quarto. O jantar foi estranho. Ainda estou aborrecida com Christian, mas ele parece pensar que não fez nada de errado. Será que fez? Meu inconsciente levanta uma sobrancelha para mim e me encara com pena por trás dos óculos de meia-lua. Sim, ele fez. Deixou as coisas ainda mais estranhas para mim no trabalho. Não esperou para discutir o assunto comigo quando estivéssemos na privacidade relativa da nossa casa. Como ele se sentiria se eu irrompesse pelo seu escritório, baixando a lei? E, para piorar, ele quer me dar a SIP! Como é que eu posso administrar uma empresa? Não sei quase nada de negócios.
Olho para a linha do horizonte de Seattle lá fora, sob a perolada luz cor-de-rosa do anoitecer. E, como de hábito, ele quer resolver nossas diferenças na cama… hmm… no sofá… no quarto de jogos… na bancada da cozinha… Pare! Tudo sempre termina em sexo com ele. É o mecanismo que utiliza para enfrentar os problemas.
Entro no banheiro e faço uma careta para meu reflexo no espelho. Voltar ao mundo real é difícil. Conseguimos superar nossas diferenças enquanto estávamos na nossa bolha porque ficamos muito agarrados um no outro. Mas e agora? Por um momento volto ao dia do meu casamento, lembrando-me das minhas preocupações daquele dia — casar tão depressa. Não, não devo pensar assim. Eu sabia que Christian era Cinquenta Tons quando me casei com ele. Só preciso perseverar e tentar resolver isso com ele na base da conversa.
Encaro a mim mesma no espelho, os olhos semicerrados. Estou pálida, e ainda tem aquela mulher para eu enfrentar.
Estou usando uma saia-lápis cinza e uma blusa sem mangas. Vamos lá! Minha deusa interior pega seu esmalte vermelho-meretriz. Abro dois botões da blusa, criando um pequeno decote. Lavo o rosto e refaço com cuidado a maquiagem, aplicando mais rímel do que o usual e colocando brilho extra nos lábios. Jogando a cabeça para baixo, escovo meu cabelo vigorosamente da raiz às pontas. Quando volto a erguer o corpo, ele cai como uma nuvem castanha sobre meus seios. Ajeito-o habilidosamente atrás das orelhas e vou procurar meu scarpin, para ter um pequeno salto sob meus pés.