Ergo o olhar por um momento e vejo sua expressão apreensiva. Voltando a descansar o rosto no seu peito, decido lhe contar:
— Às vezes eu imagino você quando criança… Antes de você vir morar com os Grey.
Seu corpo enrijece.
— Eu não estava falando de mim. Não quero sua piedade, Anastasia. Essa parte da minha vida já se foi. Acabou.
— Não é piedade — sussurro, assustada. — É solidariedade e tristeza… Tristeza por alguém fazer aquilo com uma criança. — Respiro profundamente para me acalmar, pois meu estômago se revira e as lágrimas brotam nos meus olhos de novo. — Essa parte da sua vida não acabou, Christian… como pode dizer isso? Você precisa conviver todos os dias com o seu passado. Você mesmo me disse: cinquenta tons, lembra? — Minha voz é quase inaudível.
Christian bufa e passa a mão livre pelo cabelo, embora permaneça mudo e tenso embaixo de mim.
— Eu sei que é por isso que você tem necessidade de me controlar. De me proteger.
— E mesmo assim você prefere me desafiar — murmura ele, perplexo, com a mão ainda no meu cabelo.
Franzo o cenho. Nossa! Será que eu faço isso deliberadamente? Meu inconsciente tira os óculos de leitura e morde a ponta da haste, enrugando os lábios e concordando. Ignoro-o. Isso é tão confuso… Sou sua esposa, não sua submissa, não uma empresa que ele comprou. Não sou a prostituta viciada que sua mãe era… Cacete. Só de pensar me sinto mal. As palavras do Dr. Flynn me voltam à mente:
É só continuar com o que você já está fazendo. O Christian está completamente apaixonado… É muito agradável de se ver.
É isso. Estou apenas fazendo o que sempre fiz. Não foi isso que atraiu Christian em primeiro lugar?
Ah, esse homem é tão confuso.
— O Dr. Flynn disse que eu deveria dar a você o benefício da dúvida. Acho que é isso o que eu faço; não tenho certeza. Talvez seja a minha maneira de trazer você para o aqui e agora, para longe do seu passado — sussurro. — Não sei. Só não consigo calcular até que ponto a sua reação vai ser exagerada.
Ele fica em silêncio por um momento.
— Maldito Flynn — murmura para si mesmo.
— Ele disse que eu deveria continuar a me comportar da maneira como sempre me comportei com você.
— Ele disse isso? — comenta Christian, secamente.
Ok. Não adianta nada, mas lá vai:
— Christian, eu sei que você amava sua mãe e não conseguiu salvá-la. Não competia a você fazer isso. Mas eu não sou ela.
Ele congela de novo.
— Pare — pede ele.
— Não, escute. Por favor. — Levanto a cabeça para olhar nos seus olhos arregalados e paralisados de medo. Ele está prendendo a respiração. Ah, Christian… Meu coração se aperta. — Eu não sou ela. Sou muito mais forte do que ela era. Eu tenho você, que está tão mais forte agora, e sei que você me ama. E eu também amo você — sussurro.
Sua testa se enruga como se minhas palavras não fossem o que ele esperava.
— Você ainda me ama? — pergunta ele.
— Claro que sim. Christian, eu vou amar você para sempre. Não importa o que você faça comigo. — Será essa garantia o que ele quer?
Ele exala o ar e fecha os olhos, colocando o braço sobre o rosto de novo, mas me abraçando mais apertado também.
— Não se esconda de mim. — Eu pego a mão dele e tiro seu braço de sobre seu rosto. — Você passou a vida se escondendo. Por favor, não faça isso, não comigo.
Ele me olha com incredulidade e franze a testa.
— Acha que estou me escondendo?
— Sim.
Ele muda de posição subitamente, rolando para um lado e me colocando deitada junto a si na cama. Levanta o corpo, afasta o cabelo do meu rosto e o coloca atrás da minha orelha.
— Você me perguntou mais cedo se eu a odiava. Eu não entendi por quê, e agora… — Ele para de falar, encarando-me como se eu fosse um enigma completo.
— Você acha que eu odeio você? — Agora minha voz soa incrédula.
— Não. — Ele balança a cabeça. — Agora não. — Ele parece aliviado. — Mas eu preciso saber… Por que você usou a palavra de segurança, Ana?
Fico branca. O que posso dizer? Que ele me assustou. Que eu não sabia se ele iria parar. Que eu implorei — e ele não parou. Que eu não queria que as coisas piorassem… como… como daquela única vez, aqui mesmo. Estremeço ao me lembrar dele me batendo com o cinto.
Engulo em seco.
— Porque… Porque você estava tão zangado e distante e… frio. Eu não sabia aonde você ia chegar.
Sua expressão é indecifrável.
— Você ia me deixar gozar? — Minha voz é quase um suspiro, e sinto o rubor na minha face, mas sustento o seu olhar.
— Não — responde ele após um tempo.
Puta merda.
— Isso é… cruel.
Seus dedos gentilmente acariciam minha face.
— Mas eficaz — murmura ele, e me olha fixamente como se tentasse enxergar minha alma, seus olhos escurecendo. Depois de uma eternidade, ele balbucia: — Fico feliz por você ter me interrompido.
— Sério? — Eu não entendo.
Seus lábios se contorcem num sorriso triste.
— Sim. Eu não quero machucar você; fui levado pelo momento. — Ele se inclina e me beija. — Acabei perdendo o controle. — Ele me beija de novo. — Acontece muito quando estou com você.
É? E, por alguma razão bizarra, esse pensamento me agrada… Dou um sorriso. Por que isso me deixa feliz? Ele sorri também.
— Não sei por que você está sorrindo, Sra. Grey.
— Eu também não.
Ele se enrosca em mim e deita a cabeça no meu peito. Somos um emaranhado de braços e pernas nus e cobertos de jeans e lençóis de cetim vermelho. Afago suas costas com uma das mãos e passo os dedos da outra pelo seu cabelo. Ele suspira e relaxa nos meus braços.
— Quer dizer que eu posso confiar em você… para me fazer parar. Não quero machucar você nunca — murmura ele. — Eu preciso… — Ele não completa a frase.
— Precisa do quê?
— Preciso de controle, Ana. Assim como preciso de você. É a única maneira como eu consigo funcionar. Não consigo parar. Não consigo. Já tentei… Mas com você… — Ele balança a cabeça, irritado.
Engulo em seco. Esse é o cerne do nosso dilema: a necessidade que ele tem de controle e a necessidade que tem de mim. Recuso-me a acreditar que sejam sentimentos mutuamente exclusivos.
— Eu também preciso de você — sussurro, abraçando-o com mais força. — Vou tentar, Christian. Vou tentar ter mais consideração.
— Eu quero que você precise de mim — murmura ele.
Puta merda!
— Eu preciso! — Minha voz soa apaixonada. Eu preciso muito dele. Amo-o tanto…
— Eu quero cuidar de você.
— Você já cuida. O tempo todo. Eu senti tanta saudade quando você viajou…
— Mesmo? — Seu tom de voz revela surpresa.
— Sim, claro. Detesto ficar longe de você.
Sinto que ele sorri.
— Você podia ter ido comigo.
— Christian, por favor. Não vamos voltar a essa discussão. Eu quero trabalhar.
Ele suspira, e passo os dedos delicadamente pelo seu cabelo.
— Eu amo você, Ana.
— Eu também amo você, Christian. Sempre vou amar.
Ficamos ali deitados, quietos, a calmaria que vem depois da tempestade. Escutando as batidas regulares do seu coração, eu me entrego exausta ao sono.
* * *
ACORDO COM UM sobressalto, desorientada. Onde estou? No quarto de jogos. As luzes ainda estão acesas, iluminando suavemente as paredes vermelho-sangue. Christian geme de novo, e percebo que foi isso o que me acordou.
— Não — geme.
Ele está jogado ao meu lado, a cabeça para trás, os olhos apertados, o rosto contorcido de angústia.
Puta merda. Ele está tendo um pesadelo.