* * *
DE VOLTA À CASA, Kate decide que merecemos uns coquetéis após nossa tarde de extravagância consumista e prepara daiquiris de morango para nós. Aconchegamo-nos nos sofás da sala de estar, em frente ao fogo da lareira.
— Elliot tem andado meio distante ultimamente — murmura Kate, fitando as chamas. Finalmente temos um momento a sós, pois Mia está guardando suas compras.
— Ah, é?
— E eu acho que me ferrei por ter ferrado você.
— Você ouviu alguma coisa sobre isso?
— Ouvi. Christian ligou para o Elliot; e Elliot me ligou.
Reviro os olhos. Ah, Christian, Christian, Christian.
— Lamento. O Christian é… superprotetor. Você não via o Elliot desde o Escândalo dos Drinques?
— Não.
— Ah.
— Eu realmente gosto dele, Ana — sussurra ela.
E por um terrível momento eu acho que ela vai começar a chorar. Isso não combina com Kate. Será que essa crise significa a volta do pijama cor-de-rosa? Ela se vira para mim.
— Eu me apaixonei por ele. No início pensei que fosse só pelo sexo maravilhoso. Mas ele é charmoso, bondoso, carinhoso e divertido. Eu podia nos imaginar envelhecendo juntos; você sabe… filhos, netos… o pacote completo.
— Felizes para sempre — sussurro.
Ela confirma tristemente.
— Talvez vocês devam conversar. Tente arranjar um tempinho a sós com ele aqui. Descubra o que o está incomodando.
Ou quem o está incomodando, meu inconsciente retruca. Eu o enxoto logo, chocada com a insistência dos meus próprios pensamentos.
— Que tal vocês fazerem uma caminhada amanhã de manhã?
— Vamos ver.
— Kate, odeio ver você assim.
Ela abre um sorriso débil, e eu me inclino para abraçá-la. Decido não comentar nada sobre Gia, embora eu talvez fale sobre isso com Elliot. Como é que ele brinca com os sentimentos da minha amiga desse jeito?
Mia volta, e nossa conversa passa para terrenos mais seguros.
* * *
O FOGO CHIA e cospe centelhas quando coloco o último pedaço de madeira. Quase não temos mais lenha. Ainda que seja verão, o calor da lareira é muito bem-vindo em um dia úmido como este.
— Você sabe onde podemos encontrar mais lenha? — pergunto a Mia, que saboreia seu daiquiri.
— Acho que fica na garagem.
— Vou lá buscar. Aproveito e exploro um pouco mais a casa.
A chuva já está mais fraca quando me aventuro lá fora e me dirijo à garagem anexa à casa, cujo espaço pode abrigar até três carros. A porta lateral está destrancada; eu entro, acendendo a luz para me tirar da escuridão. As lâmpadas fluorescentes dão o ar de sua graça com um ruído sibilante.
Há um carro na garagem, e percebo que é o Audi que Elliot usou hoje à tarde. Há ainda duas motos de neve. Porém, o que realmente me chama a atenção são as duas motos de trilha, ambas 125cc. Vêm à minha mente recordações de Ethan corajosamente se esforçando para me ensinar como pilotar, no verão passado. Inconscientemente, esfrego o braço no local onde me machuquei feio ao sofrer uma queda.
— Sabe dirigir isso? — pergunta Elliot atrás de mim.
Eu me viro.
— Você já voltou.
— Parece que sim. — Ele sorri, e percebo que Christian me responderia a mesma coisa; mas sem o sorriso largo e encantador. — E então? — insiste ele.
Galinha!
— Mais ou menos.
— Quer dar uma volta?
Dou uma fungada.
— Hmm, não… Acho que o Christian não ficaria muito feliz se eu saísse.
— Ele não está aqui.
Elliot abre um sorriso forçado — ah, é uma característica da família — e acena com o braço, indicando que estamos sozinhos. Ele vai até a moto mais próxima e passa a longa perna, coberta pela calça jeans, por sobre o selim, montando e agarrando a direção.
— Christian tem, hã… certos problemas em relação à minha segurança. Prefiro não ir.
— Você sempre faz o que ele diz?
Elliot revela uma centelha maliciosa nos seus olhos azul-bebê, e tenho um vislumbre do bad boy… o bad boy por quem Kate se apaixonou. O bad boy de Detroit.
— Não. — Levanto uma sobrancelha em sinal de advertência para ele. — Mas estou tentando mudar isso. Ele já tem muita coisa com que se preocupar, não precisa me incluir na lista. Ele já voltou?
— Não sei.
— Vocês não foram pescar?
Ele balança a cabeça em negativa.
— Eu tinha uns assuntos para resolver no centro.
Assuntos! Puta merda — um assunto com uma loura perua! Inspiro profundamente e o encaro, pasma.
— Se você não quer andar de moto, o que está fazendo na garagem? — pergunta Elliot, intrigado.
— Estou procurando lenha para a lareira.
— Aí está você. Ah, Elliot; você já voltou. — É Kate, nos interrompendo.
— Oi, baby. — Ele abre um largo sorriso.
— Pegou algum peixe?
Observo a reação dele.
— Não. Tinha umas coisas para resolver na cidade. — E, por um breve instante, eu percebo um lampejo de incerteza cruzar seu rosto.
Ah, merda.
— Vim ver por que a Ana estava demorando. — Kate olha para nós, confusa.
— Estávamos só batendo papo — diz Elliot, e sinto certa tensão entre os dois.
É então que ouvimos um carro chegando lá fora. Ah! É Christian. Graças a Deus. O mecanismo automático do portão da garagem chia alto, nos assustando, e o portão sobe lentamente, revelando Christian e Ethan, que descarregam um caminhão plataforma preto. Christian para o que está fazendo quando nos vê de pé ali dentro.
— Estão montando uma banda de garagem? — pergunta ele ironicamente, e entra, vindo direto até mim.
Sorrio. Estou aliviada em vê-lo. Por baixo da capa impermeável ele está usando o macacão que lhe vendi quando eu trabalhava na Clayton’s.
— Oi — diz ele, olhando curioso para mim e ignorando Kate e Elliot.
— Oi. Belo macacão.
— Cheio de bolsos. Muito prático para pescar. — Sua voz é suave e sedutora, apenas para meus ouvidos, e, quando ele me fita, sua expressão é apaixonada.
Fico vermelha, e ele sorri — um sorriso enorme, aberto, que diz “sou todo seu”.
— Você se molhou — murmuro.
— Estava chovendo. O que vocês estão fazendo na garagem? — Finalmente ele reparou que não estamos sozinhos.
— Ana veio pegar lenha. — Elliot levanta uma sobrancelha. De algum modo, ele faz com que a frase soe maliciosa. — Eu tentei convencê-la a dar uma volta. — Ele é um mestre na arte do duplo sentido.
O rosto de Christian se fecha, e meu coração para de bater.
— Ela não quis. Disse que você não ia gostar — continua Elliot, num tom gentil e sem insinuações.
O olhar cinzento de Christian se volta para mim.
— Ah, foi? — murmura ele.
— Escutem, eu adoraria continuar essa discussão sobre o que a Ana disse, mas será que podemos voltar para dentro de casa? — pede Kate.
Ela se curva, apanha duas achas de lenha e gira nos calcanhares, dirigindo-se ruidosamente ao portão. Ah, que merda. Kate está irritada — mas sei que não é comigo. Elliot dá um suspiro e, sem dizer uma palavra, vai atrás dela. Eu os acompanho com o olhar, mas Christian me distrai.
— Você sabe pilotar uma moto? — pergunta ele, a voz exalando descrédito.
— Não muito bem. Ethan me ensinou.
Seus olhos esfriam imediatamente.
— Você fez bem em não sair de moto hoje — continua ele, a voz mais isenta. — O solo está muito duro no momento, e por causa da chuva ficou escorregadio e traiçoeiro.
— Onde eu coloco o material de pesca? — grita Ethan lá de fora.