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Havia tanto a que aspirar agora!

Era como o passo do liceu para o colégio, da maneira como tudo se encaminhava naturalmente para a necessidade de fazer um esforço continuado e disciplinado para compreender alguma coisa. No liceu, ela apreendera o trabalho do seu curso mais depressa do que quase todos os outros. No colégio descobrira muita gente mais lesta do que ela. Houvera a mesma sensação de incremento de dificuldade e desafio quando fizera o curso de pós-graduação e quando se tornara astrônoma profissional. Em cada estágio encontrara cientistas mais dotados do que ela e cada estágio fora mais excitante do que o anterior. Deixa rolar as revelações, pensou, a olhar para o telefax. Estava preparada.

«PROBLEMA DE TRANSMISSÃO. S/Nº 10. MANTENHA-SE ATENTA, POR FAVOR».

Estava ligada ao computador de Argus por um satélite relais de comunicações chamado Defcom Alpha. Talvez tivesse havido um problema de controle-atitude, ou um erro de programação.

Antes que tivesse tempo de pensar mais no assunto descobriu que tinha aberto o sobrescrito.

LOJA DE FERRAGENS ARROWAY, dizia o cabeçalho, e o tipo era sem dúvida o da velha Royal que o pai tivera em casa para datilografar tanto assuntos comerciais como particulares. «13 de Junho de 1964», estava escrito no canto superior direito. Ela tinha quinze anos nessa altura. Não podia ter sido o pai que escrevera a carta; já estava morto havia anos. Um olhar para o fundo da página revelou-lhe a caligrafia clara da mãe.

Minha querida Ellie:

Agora, que morri, espero que o teu coração consiga perdoar-me. Sei que cometi um pecado contra ti, e não somente contra ti. Não podia suportar a idéia de quanto me odiarias se soubesses a verdade. Foi por isso que não tive a coragem de te dizer enquanto fui viva. Sei quanto amaste Ted Arroway e quero que saibas que também o amei. Ainda amo. Mas ele não era o teu verdadeiro pai. O teu verdadeiro pai é John Staughton. Cometi um erro muito grande. Não o devia ter feito e fui fraca, mas se não fosse isso, não estarias no mundo; portanto, sê generosa quando pensares em mim. Ted sabia e perdoou-me, e nós combinamos que nunca te diríamos. Mas neste momento olho pela janela e vejo-te no quintal das traseiras. Estás lá sentada a pensar em estrelas e coisas que eu nunca consegui compreender e orgulho-me muito de ti. Fazes uma questão tão grande quanto à verdade, que me pareceu justo que soubesses esta verdade a respeito de ti própria. Quero dizer, do teu começo.

Se o John ainda for vivo, então terá sido ele quem cedeu esta carta. Sei que o fará. É um homem melhor do que tu imaginas, Ellie. Tive sorte em reencontrá-lo. Talvez o detestes tanto porque alguma coisa dentro de ti descobriu a verdade. Mas tu detestá-lo realmente porque ele não é Theodore Arroway. Eu sei.

Continuas sentada lá fora. Não te mexeste desde que comecei a escrever esta carta. Estás somente a pensar. Espero e rezo para que assim aconteça, que encontres o que quer que procuras. Perdoa-me. Fui apenas humana.

Com amor,

Mãe.

Ellie, que assimilara a carta num simples relance de olhos, releu-a imediatamente. Tinha dificuldade em respirar. Sentia as mãos úmidas. O impostor revelara-se, afinal, o artigo genuíno. Durante a maior parte da sua vida rejeitara o próprio pai sem ter a mínima consciência do que estava a fazer. Que força de caráter ele demonstrara durante todas aquelas suas explosões de adolescente em que o provocara por não ser seu pai, por não ter direito nenhum de lhe dizer o que devia fazer!

O telefax chamou de novo, duas vezes. Agora convidava-a a premir a tecla de «responder». Mas ela não teve vontade de se levantar e aproximar-se dele. Teria de esperar. Pensou no pai… em Theodore Arroway, em John Staughton e na mãe. Eles tinham sacrificado muito por ela e ela estivera tão concentrada em si mesma que nem dera por isso. Desejou que Palmer estivesse ali consigo.

O telefax besourou mais uma vez e o carreto movimentou-se hesitantemente, experimentalmente. Ela programara o computador para ser persistente, até mesmo um pouco inovador, para atrair a sua atenção se lhe parecesse que descobrira alguma coisa em pi. Mas agora estava demasiado entregue à tarefa de desfazer e reconstruir a mitologia da sua vida. A mãe devia ter estado sentada à secretária do quarto grande, no primeiro andar, a olhar pela janela enquanto pensava na maneira de redigir a carta, e o seu olhar detivera-se em Ellie aos quinze anos: desajeitada, ressentida, rebelde.

A mãe fizera-lhe outra dádiva. Com aquela carta, Ellie retrocedera e encontrara-se a si mesma, tantos anos atrás. Aprendera tanto desde então! Ainda havia muito mais que aprender.

Por cima da mesa onde se encontrava o telefax resmungador havia um espelho. Nele viu uma mulher nem nova nem velha, nem mãe nem filha. Tinham procedido bem ocultando-lhe a verdade. Ela não estivera suficientemente avançada para receber esse sinal, quanto mais para o decifrar. Passara a sua carreira a tentar estabelecer contato com os desconhecidos mais distantes e alienígenas, enquanto na sua própria vida praticamente não estabelecera contato com ninguém. Fora violenta, fogosa, no desmantelamento dos mitos da criação dos outros e ignorante da mentira existente no cerne da sua própria. Toda a sua vida estudara o universo, mas passara-lhe despercebida a sua mensagem mais clara: para pequenas criaturas como nós, a imensidade só é suportável através do amor.

O computador de Argus foi tão persistente e inventivo nas suas tentativas para contactar com Eleanor Arroway que quase lhe transmitiu uma sensação de necessidade pessoal urgente de compartilhar a descoberta.

A anomalia revelava-se muito nitidamente em aritmética de base onze, onde podia ser escrita inteiramente como zeros e uns. Comparado com o que tinha recebido de Vega, aquilo podia ser, na melhor das hipóteses, uma mensagem simples, mas o seu significado estatístico era elevado. O programa reagrupou os ditos numa quadriculação quadrada, um número igual de lado a lado e de cima a baixo. A primeira linha era uma fila ininterrupta de zeros, da esquerda para a direita. A segunda linha apresentava um único numeral, um, exatamente no meio, com zeros aos lados, à esquerda e à direita. Depois de mais algumas linhas formara-se um arco inequívoco, composto de uns. A figura geométrica simples tinha sido rapidamente construída, linha por linha, auto-refletora, rica de promessas. A última linha da figura emergiu, toda zeros, com exceção de um único um central. A linha subseqüente seria apenas de zeros, parte do enquadramento.

Oculto nos padrões alternantes de dígitos, profundamente no interior do número transcendente, estava um círculo perfeito, com a sua forma traçada por unidades num campo de zeros.

O universo era feito de propósito, dizia o círculo. Fosse em que galáxia fosse que uma pessoa se encontrasse, tomava a circunferência de um círculo, dividia-a pelo seu diâmetro, media com rigor bastante e descobria um milagre: outro círculo, desenhado quilômetros a jusante da vírgula decimal. Haveria mensagens mais ricas mais para o interior. Não importa o nosso aspecto, aquilo de que somos feitos, ou de onde viemos. Desde que vivemos neste universo e tenhamos um talento modesto para a matemática, mais cedo ou mais tarde descobri-lo-emos. Já aqui se encontra. Está dentro de tudo. Não precisamos de deixar o nosso planeta para o encontrarmos. No tecido do espaço e na natureza da matéria, como numa grande obra de arte, encontra-se, em letras pequenas, a assinatura do artista. Erguendo-se acima de humanos, deuses e demônios, subsumindo, zeladores e construtores de túneis, existe uma inteligência que antecede o universo.