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Muitos meses depois, Valerian fez uma visita. Nominalmente, encontrava-se ali para fazer uma conferência, mas ela sabia que parte do seu objetivo era verificar como ela se ia dando e proporcionar-lhe o possível apoio psicológico. A sua investigação estava a correr muito bem. Ellie descobrira o que parecia ser um novo complexo de nuvens moleculares interestelares e obtivera alguns excelentes dados de elevada resolução temporal sobre a pulsar do centro da nébula do Caranguejo. Completara até a investigação mais sensível até aí realizada de sinais de uma dúzia de estrelas próximas, mas sem resultados positivos. Houvera uma ou duas regularidades suspeitas. Observara de novo as estrelas em questão e não conseguira encontrar nada fora do vulgar. Se olhamos para muitas estrelas, mais cedo ou mais tarde a interferência terrestre ou a concatenação de ruído ocasional produzirá um padrão que por momentos nos faz palpitar o coração. Acalmamo-nos e conferimos. Se não se repete, consideramo-lo espúrio. Esta disciplina era essencial se ela queria preservar algum equilíbrio emocional em face do que procurava. Estava decidida a ser tão tenaz e lúcida quanto possível, mas sem abandonar a sensação de maravilhamento que antes de mais nada a impulsionava.

Recorrendo às escassas provisões que tinha no frigorífico comunitário, improvisou um almoço-piquenique rudimentar e Valerian sentou-se com ela mesmo na periferia do disco taciforme. Viam-se ao longe trabalhadores a reparar ou a substituir os painéis, calçando sapatos de neve especiais para não rasgarem as chapas de alumínio e não se despencarem no solo, em baixo, pelas aberturas.

Valerian mostrou-se encantado com o progresso dela. Trocaram pequenos mexericos e falaram de assuntos científicos especiais correntes. A conversa desviou-se para a SETI, como a procura de inteligência extraterrestre começava a ser chamada.

— Alguma vez pensou em trabalhar nisso a tempo inteiro, Ellie? — perguntou ele.

— Não, não pensei muito. Mas também não é realmente possível, pois não? Que eu saiba, não existe em parte alguma do mundo nenhuma instalação importante destinada à SETI em tempo inteiro.

— Não, mas poderá existir. Há uma probabilidade de que dúzias de discos adicionais sejam acrescentados ao Very Lar e Array e o transformem num observatório dedicado à SETI. Claro que fariam também um pouco do tipo habitual da radioastronomia. Seria um interferômetro estupendo. Trata-se apenas de uma possibilidade, é dispendioso, exige vontade política autêntica e, na melhor das hipóteses, está a anos de distância. É somente uma coisa para pensar.

— Peter, acabo de examinar umas quarenta e tal estrelas próximas de tipo espectral mais ou menos solar. Estudei a linha de hidrogênio de vinte e um centímetros, que toda a gente diz ser a freqüência de aviso óbvia, porque o hidrogênio é o átomo mais abundante do universo, etc. E fi-lo com a sensibilidade mais elevada jamais experimentada. Não existe a sombra de um sinal. Talvez não exista ninguém lá. Talvez toda esta história seja um desperdício de tempo.

— Como a vida em Vênus? Isso não passa de conversa de desiludida. Vênus é um mundo infernal; é apenas um planeta. Mas há centenas de milhares de milhões de estrelas na Galáxia. Você observou somente um punhado delas. Não acha um pouco prematuro desistir? Resolveu um milésimo milionésimo do problema. Provavelmente muito menos do que isso, se tiver em consideração outras freqüências.

— Bem sei, bem sei. Mas não tem a sensação de que, se eles estão nalgum lado, estão em todo o lado? Se seres realmente avançados vivem a mil anos-luz de distância, não seria natural terem um posto avançado no nosso quintal das traseiras? Bem sabe que uma pessoa podia trabalhar eternamente na SETI e nunca se convencer de que completara a busca.

— Oh, começa a parecer o Dave Drumlin! Se não conseguimos encontrá-los durante o tempo da sua vida, não está interessado. Estamos apenas a iniciar a SETI. Você sabe quantas possibilidades existem. Esta é a altura de deixar abertas todas as opções. Esta é a altura de ser otimista. Se vivêssemos em qualquer época anterior da história humana, poderíamos passar toda a nossa vida a pensar no assunto sem podermos fazer nada para encontrar a resposta. Mas este momento é único. É a primeira vez que alguém tem possibilidade de procurar inteligência extraterrestre. Você fez o detector para procurar civilizações nos planetas de milhões de outras estrelas. Ninguém garante o êxito. Mas consegue imaginar coisa mais importante? Suponha-os ali, a enviar-nos sinais sem ninguém na Terra a escutar. Isso seria ridículo, seria grotesco. Não se envergonharia da sua civilização se tivéssemos meios de escutar e nos faltasse a energia, a garra, para o fazer?

Duzentos e cinqüenta e seis imagens do mundo esquerdo perpassaram à esquerda. Duzentos e cinqüenta e seis imagens do mundo direito deslizaram à direita. Ela integrou as quinhentas e doze imagens numa visão envolvente do que a cercava. Estava profundamente embrenhada numa floresta de grandes folhas ondulantes, umas verdes, outras estioladas, quase todas maiores do que ela. Mas não tinha dificuldade nenhuma em subi-las, equilibrar-se precariamente, de vez em quando, numa folha inclinada, cair para a branda almofada das folhas horizontais de baixo e depois continuar sem hesitar o seu caminho. Sabia que estava centrada na pista. Na pista torturantemente recente. Não se importaria nada, se a tal pista a guiasse, de escalar um obstáculo cem ou mil vezes mais alto do que ela. Não precisava de torres nem de cordas; já estava equipada. O terreno imediatamente à sua frente recendia a um odor marcador deixado recentemente — tinha de ser — por outra batedora do seu clã.

Conduziria a comida; conduzia quase sempre. A comida apareceria espontaneamente. Batedoras descobri-la-iam de volta. Às vezes, a comida era uma criatura muito parecida com ela própria; outras, era apenas um matacão amorfo ou cristalino. Ocasionalmente era tão grande que se tornavam necessárias muitas do seu clã, trabalhando juntas, elevando-o e empurrando-o sobre as folhas dobradas, para o levar para casa. Estalou as mandíbulas, num antegosto.

— O que me preocupa mais — continuou ela — é o oposto, a possibilidade de eles não estarem a tentar. Podiam comunicar conosco, sim senhor, mas não o fazem porque não vêem nenhuma utilidade nisso. E como olhou para baixo, para a beira da toalha de mesa que tinham estendido sobre a erva… como as formigas. Ocupam a mesma paisagem que nós. Têm muito que fazer, coisas em que ocupar-se. Em certo nível, estão muito conscientes do seu ambiente. Mas nós não tentamos comunicar com elas. Por isso, não creio que tenham a mais vaga idéia de que existimos.

Uma grande formiga, mais empreendedora do que as suas companheiras, aventurara-se a avançar pela toalha de mesa e marchava com desenvoltura ao longo da diagonal de um dos quadrados encarnados e brancos. Reprimindo um pequeno estremecimento de repugnância, ela atirou-a, com um piparote desajeitado, novamente para a erva — onde era o seu lugar.

CAPÍTULO III

Ruído branco

Melodias ouvidas são doces, mas as não ouvidas são mais doces.

JOHN KIATS «Ode on a Grecian Um» (1820)

As mentiras mais cruéis são muitas vezes ditas em silêncio.

ROBERT LOUIS STEVENSON Virginibus Puerisque (1881)

Os impulsos viajavam havia anos através do grande escuro entre as estrelas. Ocasionalmente, interceptavam uma nuvem irregular de gás e poeira e um pouco da energia era absorvida ou disseminada. Os restantes prosseguiam na direção primitiva. À frente deles havia uma tênue luminosidade amarela, que aumentava lentamente de brilho entre as outras luzes invariáveis. Agora, embora para os olhos humanos continuasse a ser um ponto, era de longe o objeto mais luminoso do céu preto. Os impulsos estavam a encontrar uma horda de gigantes bolas de neve.