Выбрать главу

— A minha espada — disse Steel em tom amargo e soturno. — Subcomandante, apresento-lhe a minha rendição. Sou seu prisioneiro.

De início, Trevalin pareceu confuso. Então, ocorreu-lhe.

— Raios! Esqueci-me por completo! — Empurrou para o lado a espada que o outro lhe estendia e, aproximando-se, disse com brandura: — Steel, preste atenção. Não conte uma palavra a ninguém. Sua Senhoria também esquecerá por completo o assunto. Quanto à Dama da Noite... Bom, o Ariakan saberá da sua bravura neste dia. O que significa a perda de um miserável mago, comparada com o duelo entre ti e o Meio Elfo? Um duelo que ganhou!

Steel mostrou-se frio, calmo.

— Subcomandante, sou seu prisioneiro — repetiu.

— Raios o partam, Montante Luzente! — começou Trevalin, exasperado. Steel desafivelou a bainha e segurou a espada nas mãos.

— Muito bem, Montante Luzente — disse Trevalin em voz baixa— Fica sob prisão. Mas, assim que me surgir oportunidade, falarei pessoalmente a teu favor com Lorde Ariakan, pedirei que leve a sua bravura em consideração...

— Subcomandante, agradeço-lhe se não o fizer — respondeu Steel, no mesmo tom gélido. — Obrigado, mas peço que não diga nada. O meu senhor pensaria que lhe mendigo a vida. Leve-me para onde se encontram detidos os prisioneiros.

— Muito bem — respondeu Trevalin depois de fazer uma pausa, na esperança de ver Steel mudar de idéia. — Se é isso que quer.

Trevalin fez um gesto a Steel para que o seguisse e indicou uma porta, no extremo mais afastado do pátio.

Do lado de fora da torre, veio o estrépito de clarins e os gritos de homens, celebrando a vitória. Steel ouviu o escavar de cascos. O senhor de Ariakan aproximava-se, cavalgando em triunfo, cavalgando como o conquistador da fortaleza na qual uma vez entrara como conquistado.

Steel não aguardou para ver. Não queria estragar a ocasião, não queria que o seu senhor, na sua glória, visse Steel nesta vergonha. Erguendo a cabeça, de maxilares cerrados, Steel percorreu as pedras manchadas de escarlate em direção às celas da prisão da Torre do Sumo Sacerdócio.

9

O Portal.

O regresso de velhos amigos.

A confissão de Tasslehoff.

— Bom — murmurou Tasslehoff Pés Ligeiros —, como diria o Bupu, mas que bela caçarola de guisado de ratazanas! — Pestanejou, arquejante. — Ouvi o que disse! A minha voz voltou! Raistlin, reparou? Eu...

— Tio — interveio Palin, perturbado —, que foi...

— Agora não, kender — interrompeu Raistlin —, e você também não, sobrinho. As perguntas ficam para depois. Temos que ir embora já antes que nos descubram.

Aliviado por poder falar de novo, excitado por perceber que ia ser “magicado” outra vez (a segunda, num dia), Tas ansiou que a próxima parada fosse tão interessante como esta. Quem sabe outro lago de patos.

Raistlin nada disse e nada fez. De repente, porém, a coluna atrás da qual se escondiam, começou a se dissolver, a minguar e a desaparecer.

A magia rodopiou em torno de Tas, ou possivelmente foi este a rodopiar em torno da magia. Não podia assegurar, atendendo à sensação extremamente reconfortante de sentir o estômago achatado contra a espinha e o penacho enrolado em volta dos olhos.

Quando o torvelinho parou, o estômago voltou-lhe ao lugar. Afastando o cabelo dos olhos, passeou-os ao redor e suspirou.

Nem sinal de lago de patos. Apenas o céu cinzento em cima e o solo pardacento em baixo. Tinham voltado ao ponto de partida.

E lá estava o Portal. Para lá do Portal, ficava o laboratório, exatamente como fora deixado — cheio de potes e de frascos contendo coisas das mais interessantes, se bem que repelentes, livros e papiros, possivelmente um ou dois anéis. Tas sempre tivera muita sorte com os anéis mágicos.

Antes de atravessarem o Abismo, o kender achara o laboratório bastante enfadonho. Agora, parecia-lhe tão belo como um dia de mercado em Flotsam.

Tas preparava-se para irromper pelo Portal quando se lembrou das boas maneiras. Virando-se, estendeu a mãozinha a Raistlin.

— Bom, então adeus, Raistlin. Embora tenha assassinado o coitado do Gnimsh, foi um prazer vê-lo de novo. Mas, já te perdoei por isso, porque o Caramon disse que tentou recompor tudo quando sacrificou a si mesmo e fechou o Portal, ao saber que a Rainha das Trevas estava à espera para te abrir ao meio e arrancar-lhe as tripas.

Neste ponto, ocorreu um pensamento ao kender.

— Me diga uma coisa Raistlin — disse. — Será que a Rainha das Trevas vai voltar e acorrentá-lo à parede, abri-lo ao meio e arrancar-lhe as entranhas? Não é que eu deseje que ela o faça, é claro. Para você deveria ser extremamente desagradável. Mas, se insistir muito, gostaria de observar.

Os olhos de Raistlin semicerraram-se.

— Mestre Pés Ligeiros, se acha que vai gostar, talvez eu peça a Sua Majestade para arrancar as suas tripas — disse.

Tas considerou a sugestão de uma generosidade extrema, mas por fim abanou a cabeça.

— Raistlin, é simpático da sua parte pensar em mim. Nunca me arrancaram as tripas antes, e embora seja, com toda a certeza, bastante lúdico, acho que não pressuporia uma vida longa. O Tanis estava sempre me dizendo para eu refletir antes de dizer qualquer coisa, susceptível ou não de conduzir a uma vida longa, e, caso não fosse, para não fazê-lo. Eu diria que o ponto em questão se insere na última categoria.

Palin parecia realmente alarmado.

— A Rainha das Trevas não vai regressar, não é, Tio? Para te... para te torturar...

— Quem dera a ela. Takhisis tem uma excelente memória. Não esquece nem perdoa. Se pudesse, desforraria em mim, mas encontro-me protegido da sua ira — respondeu Raistlin de modo estranho. — Conforme disse o kender... uma recompensa pelo meu sacrifício.

— Então, não vai ser torturado? — perguntou Tas.

— Não, não vou — respondeu Raistlin. — Lamento se te desiludo.

— Não faz mal — tranquilizou-o Tas. — Esta viagem serviu para compensar, pois foi ótima mesmo. Imagine, ver todos os deuses de perto, como aconteceu. Claro que senti muito a falta de Fizban, mas não vejo muito como poderia ajudar numa situação tão difícil como esta. E agora já sei como se parece o Paladino quando não anda a por fogo na barba nem a perder o chapéu. E o Gileano, pareceu-me tão familiar, mas não consigo me lembrar onde o encontrei antes. O Chemosh é feio de morrer, não é? A caveira, é mesmo a cara dele? E o Morgion, com a carne se esfarrapando toda. Talvez, diria “olá” a Paladino, um gesto educado da minha parte, sendo eu e ele amigos tão chegados, mas estava com problemas na voz. Será que o gato me comeu a língua? Se foi isso, o que aconteceu ao gato? E, antes de mais nada, porque o gato quereria uma língua suplementar?

— Têm que partir — disse Raistlin com firmeza. — Estão perdendo tempo.

— Estou preparado — anunciou Tas, começando a dirigir-se para o Portal. — Adeus, Raistlin! — gritou, por cima do ombro. — Direi a Caramon que mandou um “olá”, embora não o tenha feito.

De repente, o kender deu-se conta de que se encontrava sozinho.

— Palin, você não vem? — perguntou.

Palin manteve-se imóvel, percorrendo nervosamente o bastão com as mãos. Depois, olhou para Raistlin.

— Não vem conosco, não é tio? — perguntou.