Выбрать главу

Os cavaleiros prisioneiros tinham esperado ver Steel usar o seu posto e credo político para obter os favores dos guardas. Com efeito, seria lícito que o fizesse. Os inimigos não eram os únicos a admirá-lo. O seu regresso voluntário para enfrentar a punição, a sua bravura no campo de batalha, posteriormente a sua aceitação estóica do encarceramento e execução eram todas as noites louvados ao redor das fogueiras.

Mas Steel recusou-se a aceitar quaisquer favores. Não os merecia.

Assim, devolvia a comida suplementar que os guardas lhe davam, recusava a concha extra de água. Trabalhava lado a lado com os Cavaleiros da Solamnia capturados: lavar pedra nas pedreiras das montanhas, puxar os enormes blocos até à torre, se forçar para colocá-los no lugar. Todo o trabalho se processava debaixo do Sol inclemente. Mas nunca o espancavam nem o chicoteavam, como acontecia com os demais prisioneiros. Tão atolado se encontrava no seu infortúnio que nunca dera pela diferença.

Como de costume, os prisioneiros puseram-se a marchar em direção à pedreira. Tinham por tarefa descarregar blocos gigantescos de granito para dentro de enormes trenós de madeira, que depois eram puxados até à torre pelos volumosos mamutes. Os blocos eram içados até uma rampa mediante cordas e deslizavam para o trenó. Postando-se atrás dos blocos, os prisioneiros empurravam-nos ao longo da descida.

Os pensamentos de Steel giravam em torno de Trevalin, do seu batalhão. Imaginava os camaradas, embarcados no que devia ser um vôo de desafio contra os Ergocianos, humanos de imensa coragem e intrepidez, que, irredutíveis, haviam defendido as suas terras ao longo de toda a Guerra da Lança e agora estavam determinados a fazê-lo de novo.

Steel imaginou o confronto, a sua imaginação fez com que participasse na batalha. A corda-mestra, que ele devia segurar, ficou frouxa. Chamados de advertência e gritos arrancaram-no dos seus devaneios. Permanecendo metade no trenó e metade de fora, o enorme bloco de granito desequilibrara-se, tombara e virara o trenó do avesso.

— Desastrado de um raio! Preste atenção ao que faz! — grunhiu o capataz, desferindo golpes com o chicote. Indiferente a Steel, atingiu o jovem cavaleiro que se encontrava perto deste.

O chicote dilacerou a carne das costas nuas do mancebo e a pancada jogou-o ao chão. Sobre ele pairava o capataz, de chicote em riste, prestes a investir de novo.

Steel agarrou-lhe o braço.

— A culpa foi minha — disse. — Ele não fez nada. Fui eu quem largou a corda.

O capataz fitou Steel com ar atônito, o mesmo acontecendo com os outros prisioneiros que, parando de trabalhar, observavam, incrédulos. Recuperando o aprumo, o capataz disse:

— Eu vi tudo. O Solâmnico...

— ...não fez nada para merecer punição. — Steel empurrou o homem para o lado. — E não me chame de cavaleiro. Deixei de sê-lo. E não me faça favores, nunca mais!

Dirigiu-se para o jovem Solâmnico e ajudou-o a se levantar.

— Senhor — disse —, lamento o incidente. Não voltará a acontecer. Aceita as minhas desculpas?

— Sim — tartamudeou o cavaleiro. — Claro que sim.

Satisfeito. Steel virou-se para o capataz.

— Dá-me com o chicote — pediu.

— Perde o seu tempo — grunhiu o homem. — Volte para o trabalho.

— Dá-me com o chicote — repetiu Steel. — Como fez a ele. Senão o denuncio ao meu senhor, por desrespeito aos deveres.

Por esta altura, o capataz já se sentia tão furioso com Steel por obrigá-lo a fazer figura de tolo, que de bom grado concordou em desferir as chicotadas. Pôs-se a zurzir os ombros nus de Steel, vergastando a pele até quase ao osso.

Steel agüentou a dor sem pestanejar, sem que um esgar lhe contorcesse o rosto. Dos lábios não deixou escapar um grito. O capataz investiu de novo, e depois afastou-se, rosnando.

Vendo que o castigo terminara, Steel retomou o trabalho. Tinha as costas em carne viva e a sangrar. Zunindo, as moscas começaram a enxamear em volta das chagas abertas.

O capataz começou a acitar os outros prisioneiros, para que transferissem o bloco para o trenó. Aproveitando a oportunidade, o jovem cavaleiro aproximou-se de Steel e, em tom desajeitado, agradeceu-lhe.

Steel afastou-se. Não pretendia agradecimentos. Não agira impelido por inconfessados sentimentos de compaixão. O estilete do chicote fizera-o voltar à realidade. Nem sequer tinha o direito de se imaginar como um dos eleitos de Takhisis. A Rainha das Trevas conhecia a sua culpa.

Podia ter entrado no laboratório do mago — tal era a percepção que o atormentava. A porta mantivera-se por um momento aberta para ele. Podia ter seguido Palin mas hesitara, fora só um instante, incapaz de entrar por aquelas trevas balbuciantes, sussurrantes e fedendo a morte. Depois, a porta se fechara com estrondo.

Takhisis perscrutara-lhe o coração. Sabia que ele era um covarde. Recusara conceder-lhe uma morte honrosa e, ao que parece, pretendia agora que sofresse mais penas. Não toleraria manter-se impávido, vendo outro ser castigado por ele.

Levantando a corda-mestra, Steel retomou o trabalho. O suor salgado que lhe escorria para as feridas ardia como fogo. Agora, era tal e qual os outros prisioneiros.

Salvo que, dali a uma noite, na madrugada do dia celebrado como o dia de S. João, se Palin não voltasse ou fosse capturado, Steel Montante Luzente morreria. E se, como afirmara a Dama da Noite, a sua morte salvasse a cavalaria, tal como a do pai salvara a Cavalaria Solâmnica, quem sabe se então ficaria em paz.

Mas iria servir Chemosh por toda a eternidade antes de rogar a Takhisis que perdoasse à Dama da Noite.

11

A vingança da rainha.

A escolha de Raistlin.

Tasslehoff acordou com uma dor na cabeça e a sensação de ter sido atropelado por um mamute peludo, como aquele que uma vez ajudara a salvar de um feiticeiro do Mal.

Sentou-se, esfregou a cabeça e perguntou:

— Quem me bateu?

— Estava no caminho — respondeu Raistlin em tom breve.

Tas voltou a esfregar, pestanejou, viu mais estrelas e perguntou alto:

— Onde estou?

Depois, lembrou-se. Encontravam-se no Abismo. As cabeças dos dragões emitiam agora um clarão muito vivo e tinham que atravessar de novo o Portal.

Kender, venh cá — ordenou Raistlin. — Preciso que me ajude.

— Estão sempre precisando da minha ajuda — murmurou Tasslehoff. — Depois de me porem para dormir porque estorvava o caminho. E o meu nome é Tasslehoff — acrescentou —, caso não se recorde.

Pestanejou mais umas tantas vezes, e por fim as estrelas começaram a esmaecer o suficiente para conseguir ver.

Raistlin encontrava-se inclinado para Palin, que jazia desmaiado no chão pardacento. Tas levantou-se e correu para eles.

— O que ele tem, Raistlin? Vai ficar bom? Não parece lá muito bem. Para onde foi a Kitiara?

O arquimago dardejou-o com o olhar.

— Cale-se — disse.

— Está bem, Raistlin — respondeu Tas em tom dócil. E era sincero. As palavras seguintes rolaram-lhe da boca por um mero engano. — Mas, gostaria de saber o que aconteceu.

— Aconteceu que a minha adorada irmã o feriu com a lança. Se não fosse eu detê-la, acabaria com ele. Não se iguala a mim e sabe disso. Foi buscar reforços.

Tas acocorou-se ao lado de Palin e inspecionou a ferida.

— Não tem muito mau aspecto — disse, aliviado. — Acertou-lhe no ombro direito e no ombro direito há poucos órgãos importantes. Desmaiou. Porque...

— Não mandei se calar? — respondeu Raistlin.

— É provável — retrucou Tas, com um suspiro. Sentia-se triste e deprimido. — Normalmente é o que você faz. — Teria continuado falando, mas Palin gemeu e começou a estrebuchar e a se contorcer.