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— Que se passa com ele, Raistlin? — perguntou Tas, subitamente receoso pelo jovem amigo. — Parece que... parece que está morrendo.

Raistlin abanou a cabeça.

Está morrendo. O Palin tem que voltar rapidamente para o seu plano de existência.

— Mas, a ferida não é grave...

Kender, a lâmina que o trespassou era deste reino, não do seu. Conseguiu amortecer o impacto assassino da minha irmã, mas a lâmina penetrou-lhe a carne. A maldição já está atuando nele. Se morrer aqui, a sua alma permanecerá aqui — prisioneira de Chemosh.

Raistlin levantou-se e olhou para o Portal. Os olhos dos dragões retribuíram-lhe o olhar. O céu mostrava-se cinzento, raiado de negro, como tentáculos a rastejar em direção a eles.

Tas passeou o olhar por Palin, pelo Portal, pelo céu e de novo por Palin.

— Acho que conseguiria arrastá-lo até ali, mas o que faria com ele depois de metê-lo de novo no laboratório? — Pensou por um instante e exclamou, animado: — Já sei! Talvez haja algum encantamento mágico que possa me ensinar para eu poder usar nele! Faz isso, Raistlin? Ensina-me alguma magia?

— Já pequei o suficiente contra o mundo — respondeu Raistlin secamente. — Ensinar magia a um kender equivaleria por certo à minha danação. — Franziu o cenho e pôs-se a refletir.

— Então tem que voltar com ele, Raistlin — disse Tas. — Suponho que pode voltar, não é verdade?

— Posso sim — respondeu Raistlin. — O meu corpo físico não morreu para o mundo. Posso voltar para ele. A questão que se põe é: “Porque haveria de querer?” O único prazer que encontrei nesse mundo retirei-o da magia. E, se eu voltasse, acha que os deuses permitiriam que continuasse investido dos meus poderes?

— Mas, e o Palin? — argumentou Tas. — Se ficar aqui, morre!

— Sim — respondeu Raistlin, dando um suspiro. — E o Palin? — O arquimago esboçou um sorriso amargo e, com ar hostil, perscrutou o céu negro. — Pronto, vou regressar! É isso que quer! Fraco e indefeso como estou! Para assim poder se vingar, minha rainha?

Tudo isto fazia pouco sentido para Tasslehoff. Inclinou-se para dar uma palmadinha de reconforto em Palin. Mas, quando lhe tocou na pele, estava fria e tinha os lábios violáceos. A carne começava a assumir um aspecto de cera.

— Raistlin! — gritou Tas, engolindo em seco. — Depressa, faça alguma coisa!

Raistlin ajoelhou-se precipitadamente ao lado de Palin e pousou a mão no pescoço do jovem.

— Sim, está indo para bem longe.

Tomando uma decisão súbita, inclinou-se e pegou em Palin pelos ombros.

Kender, vamos carregá-lo — disse.

— O meu nome é Tasslehoff. Parece que nunca aprende. — Tas deu um pulo para ajudar e reparou em algo que se encontrava no chão. Apontando, perguntou: — Que faremos com o bastão?

Raistlin fitou o Bastão de Magius. Começou a torcer os dedos esguios e nervosos, estendeu subitamente a mão para ele, com ar ansioso.

— Pensando bem, é capaz de haver uma maneira...

Em seguida deteve-se e retirou a mão.

— Traga o bastão, Kender — disse Raistlin em voz baixa. — Eu me encarrego de Palin. Apresse-se!

— Eu? — A excitação quase deixou Tas emudecido. — Eu? Serei eu a levar o... o bastão?

— Pare de tremer e faça o que digo! — ordenou Raistlin.

Tas segurou com força no afamado Bastão de Magius e ergueu-o. Aguardava este ensejo desde o momento em que o vira em poder de Raistlin, na Estalagem da Última Casa.

— Estou pronto! — exclamou, olhando com orgulho para o bastão. Raistlin não tinha forças suficientes para levantar Palin. Colocando as mãos sob os ombros do jovem, arrastou-o pelo chão cinzento e, com grande esforço, conseguiu transportá-lo até o Portal.

As cabeças dos dragões cintilavam, irradiando uma beleza estranha e medonha.

Respirando pesadamente, Raistlin parou e, pela primeira vez desde que o conhecera, Tas ouviu Raistlin começar a tossir.

Kender — ordenou, em voz entrecortada —, levante o bastão! Levante-o bem alto para a Rainha poder vê-lo!

Empolgado até à planta dos sapatos verdes, obedeceu. Ergueu o bastão no ar o mais alto que pôde.

As cabeças dos dragões soltaram gritos de desafio, mas o Portal continuava aberto.

Segurando o bastão, Tas atravessou o Portal, no que constituiu o momento em que, na vida do kender, o seu orgulho foi ao cúmulo.

Raistlin seguiu-o, arrastando Palin. Os dragões soltaram guinchos ensurdecedores, mas não tentaram detê-los.

Sobre eles se derramou a escuridão fria e úmida do laboratório. Endireitando-se, o arquimago deu um passo em direção ao Portal.

— Vou regressar ao Abismo! — gritou. — Deixa-me voltar! Takhisis, faça de mim o que quiser! Não me deixe aqui, espoliado do meu poder!

Viu-se um clarão de luz ofuscante e dolorosa para quem a fitasse. Tas sentiu os olhos queimar e lacrimejar e um desejo enorme de fechar as pálpebras, mas sabia que, se o fizesse, poderia arriscar-se a perder algo, pelo que as segurou com os dedos.

Tossindo, Raistlin avançou mais um passo em direção ao Portal. A luz tornou-se ainda mais forte. Tas não conseguiu agüentar a pressão das pálpebras, que se cerraram. A última coisa que viu foi Raistlin erguendo o braço, como se defendendo de uma pancada...

Raistlin soltou uma praga. Tas ouviu um som de roçar e a luz esmoreceu..

Tas arriscou-se a abrir os olhos.

A cortina de veludo pendia de novo sobre o Portal, tapando-o. Por baixo da mesma cintilava, escarnecedora, uma tênue luz. O resto do laboratório encontrava-se mergulhado nas trevas.

Raistlin achava-se postado diante da cortina, a mirá-la fixamente. Então, virou-se de repente e mergulhou na escuridão. Tas ouviu-o se afastar.

A escuridão não era comum, do tipo que apreciamos ter no nosso quarto, que nos envolve com aquela áurea suave, fofa e que nos embala até mergulharmos no sono e deslizarmos em sonhos aprazíveis. Tratava-se de uma escuridão gelada, decadente, sussurrante, uma escuridão que nos impele a ficar bem despertos.

— Raistlin? Onde você está? — perguntou Tas.

Não sabia bem de quê, mas sentia medo e começava a pensar quão agradável seria ter à mão uma luz pequenina. Preparou-se para fazer com que o bastão se iluminasse. Sabia a palavra mágica — ia provar que sabia a palavra mágica — e estava quase a proferi-la quando, das trevas, lhe chegou a voz de Raistlin, gelada, ciciante, tal como a escuridão.

— Estou na parte da frente do laboratório. Fique junto de Palin — disse Raistlin. — Avise-me se ele se mexer ou falar. E pouse esse bastão!

Tas foi rastejando se sentar junto de Palin. O kender ouviu as vestes de Raistlin roçarem de um lado para o outro, e depois uma luz começou a brilhar — suave, reconfortante. Raistlin apareceu, trazendo uma vela num suporte de ferro forjado em forma de pássaro, que pousou ao lado de Palin.

— Acho que está um pouco melhor — disse Tas, debruçando-se para tocar na testa de Palin. — Pelo menos está mais quente. Mas, ainda não voltou a si.

— A maldição ainda lhe gela o sangue, mas agora já pode ser curado. — Raistlin olhou para o kender. — Já não te disse para pousar o bastão?

— E pousei! — protestou Tas que, com imensa estupefação, constatou que ainda segurava o bastão. — Credo! Não é fantástico? Acho que gosta de mim. Acha que poderia acendê-lo... só uma vez? Qual é a palavra que diz para dar à luz? Shelac? Shirley? Shirleylac?

Raistlin, com uma expressão sombria, segurou no bastão e foi com alguma dificuldade que soltou os dedos do kender.