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Palin sentia-se confuso. De repente, ele passava a ser o mau da fita e não tinha bem certeza de como isso acontecera.

— Desculpe — disse, em tom pouco convincente —, mas eu...

— Nunca roubei nada! — prosseguiu Usha com mais ardor e procurando conter as lágrimas. — Nem uma única coisa! Os ladrões só estavam me ensinando. O Dougan disse que eu era boa nisso. Que tinha jeito mesmo.

— Usha, eu compreendo. Chiu! Nem mais uma palavra! — Pegou-lhe as mãos e apertou-as com força.

Ela olhou-o nos olhos e, por um instante, o mago perdeu a noção de onde estava e do que fazia. Os lábios de ambos encontraram-se e sentiu-a nos braços. Na escuridão, estreitaram-se um contra o outro, sentiram-se seguros nos braços um do outro, como se em Krynn não existisse mais ninguém.

Com lentidão e relutância, Palin afastou Usha.

— Não posso permitir que isso aconteça entre nós — disse, com firmeza. — É a filha do meu tio... minha prima-irmã!

— Palin... — respondeu Usha, pouco à vontade. — E se eu te dissesse que não era, bom, que na realidade não era... — Calou-se e voltou a tentar. — Que não te contei a verdade... — De novo guardou silêncio.

— A verdade acerca de quê? — O mago sorriu-lhe, tentando aparentar boa disposição. — De ser ladra? Mas já contou. E compreendo.

— Não, não é isso — replicou ela, com um suspiro. — Ora, não interessa. Não era importante.

Palin sentiu que lhe puxavam a manga.

— Peço desculpas — disse Tas em tom polido —, mas esta viela está se tornando horrivelmente enfadonha, e a que horas disse que tínhamos de estar na biblioteca?

— O Tas tem razão. Precisamos ir. Vamos pelo teu caminho.

— Então, sigam-me. — Usha afastou-se da rua e adentrou-se pela viela escura até chegarem a um beco.

Havia prédios altos que ocultavam o luar. A luz da estalagem deserta não iluminava esta parte da viela. No escuro, Usha tropeçou em algo. Tas pisou num gato, que se assanhou e fugiu. Palin bateu com a canela num engradado.

— Precisamos de luz — murmurou Usha.

— É seguro?

A jovem voltou a olhar com nervosismo para a viela.

— Não podemos demorar.

Palin disse em voz baixa “Shirak”, e o Bastão de Magius começou a emitir uma luz fria e pálida. Segurando-o ao alto, o mago só viu muros.

— Usha, como é que...

— Cale-se — murmurou ela, ajoelhando-se. — Ajude-me a retirar este gradeado!

— Os esgotos! — Num instante, Tas encontrava-se de quatro puxando a grade, todo excitado. — Vamos pelos esgotos! Já ouvi falar dos esgotos de Palanthas. Parece que são muito interessantes, mas na verdade, nunca desci por nenhum. Palin, não é uma maravilha?

Palin pensou em várias palavras para descrever o que se passava nos esgotos daquela cidade imensa e populosa. Entre elas, não se encontrava maravilha. Quando Usha e Tas tinham acabado de desviar o pesado gradeamento para o lado, agachou-se e perguntou:

— Pode ser um bom esconderijo mas, como nos levará à biblioteca?... Argh!

Um cheiro terrível espalhou-se pela escuridão, um fedor tão espesso que parecia possuir contornos e vida. Palin calou-se e tapou o nariz com a mão. Tasslehoff, que olhava boquiaberto para dentro do buraco, deu um salto para trás, como que atingido no rosto.

— Argh! Blergh! Urgh! — Repugnado, o kender franziu o nariz. — Mas é... é...

— Indescritível — observou Palin, macambúzio.

— Tomem, ponham isto no nariz e na boca. — Usha estendeu a Palin um trapo que tinha pendurado na cinta. — Logo se habitua.

O cheiro do trapo era só um nadinha melhor do que o dos esgotos. Palin segurou-o, mas hesitou.

— Usha...

A jovem começara a enrolar a saia e prendera-a ao cinto.

— O sistema de esgotos pode nos levar a qualquer local de Palanthas, quem sabe até mesmo à Torre da Feitiçaria Suprema. Desconheço. O trajeto não vai ser muito agradável, mas...

— É melhor do que sermos apanhados pelos cavaleiros das trevas — observou Tas, atando um lenço (um de Palin) em volta da boca e do nariz. — E acho que três cavaleiros se dirigem para cá.

Alarmado, Palin virou-se. No extremo da viela, destacaram-se várias silhuetas, e o luar foi incidir-lhes nas armaduras negras. Baixou rapidamente a luz do bastão. Usha, com outro trapo atado na boca, já penetrara na abertura dos esgotos e descia por umas escadas de ferro, seguida de Tas. Palin ajustou o pano em volta do nariz e da boca e, inspirando fundo, tentando conter a respiração, agachou-se à beira da abertura.

Os seus dedos fecharam-se em torno do Bastão de Magius. Murmurou umas palavras mágicas e, no momento seguinte, flutuava através da escuridão. Tocou no fundo dos esgotos mais ou menos no mesmo momento em que Usha chegava ao fim das escadas.

Palin segurou-a, para evitar que tombasse no esterco. Olhando-o atônita, ela perguntou:

— Como é que...

— Magia — respondeu ele.

Ouviram Tas descer ruidosamente as escadas de ferro.

— Acho que os cavaleiros não entrarão na viela, mas se o fizerem, descobrirão que o gradeamento dos esgotos foi retirado. Ficarão sabendo que alguém desceu — comunicou Tas.

— Temos de sair deste lugar — disse Usha. — Por aqui...

Pegando na mão de Palin, arrastou-o para a escuridão. Tas, que batera no fundo, compôs as bolsas e correu atrás deles.

Shirak — disse Palin, e, estupefato, olhou ao redor.

Ninguém sabia ao certo a origem do labiríntico sistema de esgotos de Palanthas. Alguns afirmavam que os esgotos tinham sido concebidos pelos construtores originais da Cidade Velha e edificados simultaneamente com a própria cidade. Mas corriam outras histórias, segundo as quais o sistema de esgotos já existia muito antes da fundação de Palanthas, que fora construído como cidade, por uma nação de duendes há muito caídos no esquecimento. Algumas versões da lenda mantinham que os duendes tinham sido expulsos dos túneis subterrâneos por humanos que, reconhecendo o enorme potencial da localização, planejaram desenvolver sobre os mesmos uma cidade.

Estupefato, Palin reparou que o sistema de esgotos se assemelhava, na verdade, a uma pequena cidade. As paredes eram feitas de pedra e escoradas com arcos de pedra. O chão, liso e pavimentado, corria reto. Nas paredes viam-se velhas palmatórias de ferro e a zona chamuscada em volta, indicava que outrora tinham servido de sustentáculo para tochas.

Os tetos eram baixos, só Tas conseguia caminhar ereto. Palin e Usha viram-se obrigados a vergar-se até quase à cintura. O piso era irregular e o pavimento por baixo dos pés encontrava-se úmido e escorregadio, ocasionalmente obstruído por montes de lixo em decomposição. Ao avançarem, provocavam a debandada de ratazanas. Caminhavam com toda a precaução, pois nenhum pretendia escorregar e cair. A luz do bastão guiava-os. Parecia que o bastão brilhava com mais força à medida que a escuridão se adensava.

O túnel para onde desceram, estendia-se diretamente por sob a viela, e quem sabe se não acompanhavam os passos dos cavaleiros. Enquanto Palin se deslocou em linha reta, teve alguma noção de onde se encontrava em relação à cidade, em cima. Mas, foi então que o túnel começou a formar uma série de curvas ziguezagueantes, até desembocar numa interseção de três outros túneis, todos eles abrindo-se para rumos diferentes. Ficou sem saber por qual havia de entrar.

— Desisto! — exclamou Palin. As costas doíam-lhe de andar curvado, o cheiro e a percepção da sua origem causavam-lhe náuseas. Nunca tivera em grande conta a pureza do ar de Palanthas, mas naquele momento daria tudo por poder respirá-lo um pouco. — Como haveremos de saber onde nos encontramos?