Tanis corou.
— Caramon, eu...
O grandalhão suspirou, e com um encolher de ombros disse:
— Vai lá. Sei que cuidará do meu rapaz... e do Steel, se realmente for ele. Quem sabe se finalmente passou para o nosso lado. Ficarei de olho no Trombudo — acrescentou, espetando o dedo na direção de Porthios.
— Obrigado, meu amigo — respondeu Tanis, desaparecendo sem dar tempo a que Caramon ou Porthios mudassem de idéia.
10
Um local excelente para uma emboscada
Palin e Steel pararam para descansar nos bosques dos subúrbios de Consolação. Ou antes, Palin deteve-se para descansar. A ferida do jovem mago atormentava-o. Sentia-se destroçado e com dores. É verdade que se encontrava próximo de casa, mas esta visita não lhe traria consolo, apenas a tarefa horrível de comunicar aos pais que dois dos seus filhos se encontravam mortos. Sentou-se no cepo de uma árvore.
— Tome, beba isto — disse Steel estendendo ao mago um odre.
O jovem aceitou e bebeu, comedidamente, como aprendera a fazer na estrada com os cavaleiros e restituiu-o.
— Obrigado. Acho que perdi o meu durante o... regresso à praia.
Steel não lhe prestou atenção nem reparou no odre. Encontravam-se numa pequena clareira que — a avaliar pelos brinquedos ali abandonados e o lixo espalhado — era utilizada pelas crianças locais como área de recreio. Steel continuava a olhar para cima, para uma das árvores. Seguindo-lhe a trajetória, Palin avistou, nos ramos, um objeto escuro e pesadão. A princípio sobressaltou-se, depois as recordações o avassalaram.
— Não se alarme. É apenas um forte construído na árvore — disse. — Meus irmãos costumavam brincar ali de guerra quando éramos pequenos. Brincar de guerra. Na época, não passava de um jogo para nós. Eles eram os combatentes, e eu o seu mago. Quando “morriam”, eu costumava utilizar a minha “magia” para ressuscitá-los...
— Você diz que as crianças brincam aqui — interrompeu-o Steel, falando em voz alta.
Palin sentiu que a mão dele lhe apertava o ombro. Sobressaltado, Palin percebeu que o gesto do cavaleiro não era por simpatia. Tratava-se de uma advertência.
— Continue falando — disse Steel em voz baixa. Continuava com a mão direita pousada no ombro de Palin, enquanto a esquerda empunhava uma adaga. Palin viu o cintilar da lâmina sob a capa azul escura do cavaleiro.
Palin ficou tenso, e instintivamente estendeu a mão para o alforje dos ingredientes de encantamento. Foi quando lhe ocorreu que, por todos os deuses, se encontravam naquela que era a sua Consolação.
Com gestos algo vacilantes, pôs-se de pé.
— Talvez sejam só crianças do local que vêm brincar.
Steel dardejou Palin com um olhar breve e fulgurante.
— Não são crianças — respondeu, fitando de novo as árvores. — Elfos. Faça o que eu mandar e não interfira.
— Elfos! Deve estar...
Palin sentiu o abraço de Steel magoar-lhe o braço. Falando num sussurro, disse:
— Não há elfos num raio de 50 léguas...
— Cale-se! — disse Steel com frieza. — Que encantamentos mágicos você tem preparados?
Palin sentiu-se desconcertado.
— Eu... eu... Para falar a verdade, nenhum. Nunca pensei... Olha, aquela é a minha casa...
Um pftt, seguido de um baque abafado, interrompeu-o. Uma lança com penas fora cravar-se no cepo da árvore onde Palin se sentara. De fabricação e concepção de elfos.
Cinco guerreiros elfos saltaram das árvores, aterrando agilmente no solo. Mais rápidos que um raio, os elfos ergueram os arcos, com as setas já assestadas e prontas a disparar — quatro contra Steel e uma contra Palin.
Este os olhou boquiaberto e desconcertado. No seu desnorteio, o único pensamento palpável foi o de, uma vez mais, ter falhado. Mesmo que mentalmente recorresse aos encantamentos mágicos, os que possuía eram quase inócuos — pelo menos assim achava. De qualquer forma, provavelmente tombaria morto, trespassado por uma seta, mal começasse a recitar as palavras.
Largando Palin, Steel guardou a adaga no cinto e empunhou a espada, para enfrentar os inimigos.
— Você é uma criatura do Mal, embora não saibamos de que maneira — disse um dos elfos a Steel. — Poderíamos tê-lo morto ali na estrada. Mas interessou-nos a tua conversa com o Veste Branca. Isso e o fato de transportar contigo os corpos de dois Cavaleiros da Solamnia. O que vem confirmar os boatos que nos chegaram. O meu senhor há de querer falar contigo.
Steel arremessou a capa para cima do ombro, revelando com orgulho a insígnia que ostentava na couraça: a caveira e o lírio da morte.
— Contemplem isto e vejam o seu destino! — disse. — Sou um Cavaleiro de Takhisis. Não me interessam os boatos que possam ter ouvido e quanto ao teu senhor, bem pode ir para o Abismo!
Os elfos retesaram as cordas dos arcos.
— Se pretende atuar, Senhor Mago, sugiro que o faça já — disse Steel com voz suave e sinistra.
Palin passou a língua pelos lábios secos e proferiu a primeira e única palavra mágica que lhe veio à mente:
— Shirak!
A bola de cristal que sobrepujava o Bastão de Magius transformou-se num clarão fulgurante, cegando momentaneamente os elfos. Pestanejando, desviaram a cabeça.
— Conseguiu! — exclamou Steel, e dando um salto em frente executou, com a espada, um arco letal.
— Não! Espere! — Palin segurou no braço de Steel, tentando puxá-lo para trás.
A luz do bastão esmoreceu. Embora não por completo, os elfos recuperaram a visão. Uma seta trespassou a manga da veste de Palin. Outra foi bater na couraça de Steel e ressaltou. As duas que se seguissem acertariam nos alvos.
— Astanti — ressoou uma ordem estridente, e Palin reconheceu o idioma elfo dos Qualinesti.
Os elfos baixaram os arcos, virando-se para ver de onde partira a ordem.
— Deponham as armas, todos vocês! — prosseguiu a voz, agora no idioma comum. — Você também, Montante Luzente de Aço.
Ouvindo proferirem o seu nome atrás de si, Steel, sempre de espada desembainhada, recuou, mas o fez apenas para identificar o novo perigo que o ameaçava.
Tanis Meio Elfo, acompanhado por seis guerreiros elfos, precipitou-se para a clareira. Encontrava-se sozinho e não empunhava armas, embora a espada lhe pendesse do cinto. Olhou de soslaio para os dois corpos atados ao trenó, depois para Palin e Steel, e por fim para os guerreiros elfos que os haviam intimado.
— Fui enviado por Porthios, o teu senhor — disse Tanis aos elfos e continuou a falar no idioma comum, a fim de Palin e, sobretudo, Steel compreenderem o que dizia: — Se não acredita, pergunte aos teus camaradas que me acompanham.
Um dos elfos que chegara com Tanis esboçou um breve aceno de cabeça.
— Conheço estes dois homens — prosseguiu Tanis, postando-se em frente de Palin e Steel e protegendo-os com o corpo. — Creio que interpretaram mal as intenções deles.
— Que intenções você atribui a este escravo das trevas? — inquiriu um dos elfos. — Outras que não sejam a nossa aniquilação?
— É isso que pretendo descobrir — replicou Tanis. Pousando a mão no ombro de Steel, fez-lhe sinal para se dominar. — Confie em mim — disse em voz baixa. — Confie em mim agora tal como fez na Torre do Sumo Sacerdócio. Não te atraiçoarei. Acho que conheço o motivo da tua vinda.
Steel tentou desenvencilhar-se. O sangue fervia-lhe, tornando-o sedento de luta.
— Não pode ganhar — prosseguiu Tanis com suavidade. — Morrerá para nada. Será que a tua Rainha o deseja?
Steel hesitou, debatendo-se com o desejo libidinoso de sangue. O fogo que lhe ardia nos olhos esmoreceu, deixando-os escuros e gelados. A contragosto, voltou a embainhar a espada.
— É a sua vez — disse Tanis, relanceando o olhar pelos elfos. Lentamente, com modos carrancudos, estes baixaram os arcos. Talvez não o fizessem por obediência à ordem de Tanis, mas o elfo enviado por Porthios reforçou-a com um gesto.