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— Voltem para os seus postos — ordenou Tanis. — Deixem-nos a sós por uns instantes — acrescentou, dirigindo-se aos soldados de Porthios.

Os elfos recuaram até às sombras das árvores, mas conservaram-se à vista, prontos a disparar.

Quando ficaram sozinhos, Tanis virou-se para Palin.

— Conte-me, filho. Conte-me o que aconteceu.

A voz bondosa, o rosto familiar, as notícias de que era portador, exerceram em Palin um efeito devastador. Os seus olhos marejaram-se de lágrimas e a voz embargou-se.

— Coragem — disse Tanis. E acrescentou: — Palin, as lágrimas não constituem vergonha, mas há uma hora certa para chorar e, acredite, não é este o momento! Preciso saber o que fazem aqui. Vocês dois. E preciso saber já, antes que todos nós acabemos parecendo uma almofada para alfinetes igual à da caixa de costura da tua mãe!

Coragem, jovem, veio-lhe um sussurro. Estou contigo.

Palin sobressaltou-se e começou a tremer, já ouvira aquela voz antes, conhecia-a tão bem como a do pai. Ou possivelmente melhor. Há muito, muito tempo que não se dirigia a ele.

É um sinal, pensou, com toda a certeza!

Secadas as lágrimas, relatou os acontecimentos do dia anterior, e que lhe pareciam já tão distantes.

— Fomos enviados a Kalamar para verificar as respectivas fortificações e comunicar qual a melhor estratégia de defesa, em caso de ataque vindo do norte. Formávamos um pequeno contingente, ao todo cerca de uns 50 homens. Mas os cavaleiros ascendiam apenas a 20. O resto eram escudeiros, pagens e homens do povo, que conduziam as carroças das bagagens. Permanecemos vários meses em Kalaman, vigiando os trabalhos de reforço das fortificações. Depois, rumamos para leste, com a intenção de chegarmos ao Baluarte do Norte. Foi no percurso que...

Fez uma pausa, soltou um suspiro entrecortado e prosseguiu:

— Viajávamos ao longo da costa. Nessa noite acampamos. O mar estava calmo, a maré baixa. Ao clarear, avistamos o primeiro navio...

— Mas, com certeza tinham dragões voando com as suas forças. Como foi possível não detectarem...

— Não tínhamos dragões, Tanis — respondeu Palin, e um tênue rubor coloriu-lhe as faces pálidas. — O Comandante considerou a medida desnecessária, não gosta de abusar deles.

— Estúpidos! — exclamou Tanis com amargura. — Os dragões deviam ter participado. E deviam encontrar-se presentes 500 cavaleiros, não 20. Eu bem que lhes disse. Eu os avisei!

— Na verdade, não acreditaram numa palavra tua — respondeu Palin com um suspiro. — Nos enviaram apenas para “aplacá-lo”. Lamento, Tanis. Foi o que ouvimos do nosso comandante. Nenhum dos cavaleiros levou a sério a nossa missão. Para eles foi... como uma viagem de lazer.

Tanis abanou a cabeça e olhou de relance para os corpos amortalhados.

— Por que não regressou ao Baluarte do Norte para avisar os outros?

— No início era só um navio — explicou Palin de modo pouco convincente. — Um dos Senhores Cavaleiros riu e disse mais ou menos isto: que se os tínhamos derrotado há 26 anos também os derrotaríamos agora.

— Loucos — repetiu Tanis, para para si.

— Percorremos a linha da costa e ficamos esperando. Todos brincavam e riam. Foi então que... — A voz de Palin tremeu — ...Avistamos um segundo navio. Depois um terceiro. Até que perdemos a conta.

— E ficaram para lutar. Ultrapassados em número. Desesperados.

— O inimigo conseguia nos avistar dos navios — respondeu Palin na defensiva. — O que pensariam se fugíssemos?

— Que eram sensatos? — sugeriu Tanis.

O rubor de Palin acentuou-se. Olhando para os corpos, pestanejou rapidamente.

Com um suspiro, Tanis cofiou a barba.

— Morreram todos? — inquiriu em voz baixa. Palin aquiesceu, engolindo em seco.

— Fui o único sobrevivente. — Falou tão baixinho que Tanis teve de se inclinar para ouvi-lo.

— Os teus irmãos, Tanin... Sturm...

Palin apontou para o trenó.

— Paladino os tem em sua guarda — disse Tanis, cingindo Palin com o braço. O jovem tremia, mas manteve o aprumo. — Foi feito prisioneiro, presumo — acrescentou, olhando de relance para Steel.

Incapaz de responder, Palin aquiesceu com a cabeça.

— Isso eu entendo — prosseguiu Tanis —, mas o motivo que te trouxe até aqui, Steel, me deixa confuso. — A voz de Tanis tornou-se mais dura. — É o responsável pelas mortes deles?

Steel assumiu um ar desdenhoso.

— E se fosse eu quem os matou, que diferença faria? — retorquiu. — Somos soldados. Guerra é guerra. Presumo que conheciam os riscos, caso contrário não se tornariam cavaleiros.

— Faz diferença, acredite — disse Tanis. — Vocês são primos. Do mesmo sangue. Pergunto de novo: aniquilou-os?

Palin interveio:

— Não foi ele, Tanis. Fomos atacados por homens estranhos, exóticos, com o corpo pintado de azul. Mas, os bárbaros eram liderados por cavaleiros.

— Eu sou cavaleiro. Luto montado no dorso de dragões — disse Steel com orgulho. — Os solâmnicos sucumbiram nas mãos das forças terrestres.

— Entendo — respondeu Tanis com ar pensativo, procedendo, sem dúvida, ao registro destas informações vitais, a fim de comunicá-las ao comandante dos Cavaleiros da Solamnia, que se encontrava na Torre do Sumo Sacerdócio. E olhando para Steel, acrescentou: — Continuo sem entender por que veio. Se foi por causa do resgate de Palin, podiam incumbir um mensageiro qualquer do pedido...

— Vim saldar uma dívida. Os corpos dos defuntos deviam ser colocados numa vala comum. Com as devidas honras, é evidente — apressou-se a acrescentar, com os olhos escuros faiscando. — Combateram com bravura. Não fugiram, como alguns poderiam ter aconselhado. Mas, durante algum tempo a notícia da sua morte não chegaria às famílias. Talvez nunca viesse a acontecer. Quando descobri o nome do jovem mago aqui e que os seus dois irmãos haviam perecido na batalha, aproveitei o ensejo para saldar a minha dívida para com Caramon Majere, o pai. Trouxe-lhe os corpos dos dois filhos para que recebam um enterro condigno.

— Trouxe os mortos — observou Tanis, com incredulidade para o cavaleiro —, pondo em risco a própria vida?

Steel encolheu os ombros, dizendo:

— De que serve a vida sem honra?

Est Sularus Oth Milhas — murmurou Tanis. — “A minha honra é a minha vida.” É tal e qual o teu pai.

O rosto de Steel tornou-se sombrio. Apertando o punho da espada, exclamou:

— Sou um Cavaleiro de Takhisis! — disse com frieza. — Honro a memória do meu pai, mas não passa disso... de uma recordação. Vivo apenas para servir a minha Rainha.

O olhar de Tanis cravou-se no pescoço do cavaleiro. A espada não fora a única dádiva que o falecido pai dera ao filho. Como que por artes mágicas que ultrapassavam a compreensão de Tanis, a jóia em forma de estrela que Sturm Montante Luzente usara no pescoço, passara para o filho. Era um objeto do Bem, de confecção elfa, um penhor de afeto. Nenhuma pessoa cujo coração estivesse mergulhado nas trevas poderia sequer tocá-la e muito menos usá-la. Contudo, Tanis a vira brilhar no peito de Steel.

Será que ainda a ostentava, oculta sob a odiosa armadura e os símbolos da morte e da destruição? Ou será que a perjurara, a arrancara, sacrificando-a no altar manchado de sangue da Rainha das Trevas?

Tanis não conseguiu ver a jóia. Steel retribuiu com frieza, sem o mínimo constrangimento, o olhar do meio elfo. Se a trazia consigo, controlava-se o suficiente para ocultar quaisquer indícios nesse sentido.